01/9/2009
Todo cuidado à frente
Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro
É inegável que as forças retrógradas do grande capital transnacional, baseado na City ou em Wall Street, ainda zonzas com o cruzado de esquerda desferido pela crise do capitalismo subprime, tentam retomar a condução dos processos sociais no mundo para mostrar que ainda detêm o poder financeiro e bélico, fundamentais para a opressão de qualquer iniciativa socializante, a exemplo de tantas em curso nos últimos anos. Melhor exemplo não há do que os ataques ao presidente norte-americano Barack Obama e ao sistema universalizado de saúde que, tardiamente, tenta aprovar nos EUA. Ou, ainda, o golpe de Estado em Honduras, ora em fase de consolidação com as próximas eleições gerais recém-convocadas. A presença dos 'falcões' é tão deslavada naquela republiqueta que militares hondurenhos têm recebido em dólares.
A ação da extrema-direita norte-americana também pode ser constatada no episódio da instalação de sete bases militares dos EUA em solo colombiano, a apenas alguns quilômetros da fronteira com a Venezuela. Até agora, Obama não se pronunciou sobre esta intervenção, manu militare, na América do Sul. A realização do encontro da União das Nações Sul-americanas (Unasul), em Bariloche, semana passada, mostrou que os Estados Unidos estão mesmo dispostos a levar adiante o plano de cravar os dentes nas costas do Pacífico, abarcar o Atlântico e assegurar o domínio militar do continente, à sombra da IV Frota. Trata-se de uma clara demonstração de força, diante do discurso pacífico adotado pelo Brasil e demais nações vizinhas, à exceção da Colômbia. Ocorre, porém, que numa relação de força, "qualquer coisa diferente de força será mera ingenuidade", diz a voz da experiência.
Iniciativas como o Banco do Sul como opção regional ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bird) e a criação de alternativas ao dólar nas transações comerciais entre os países latino-americanos incomodam o establishment a ponto de, nesse exato momento, estar aí mostrando os dentes para os países não-alinhados, rosnando alto na selva amazônica, nos desertos afegão e iraquiano, favelas palestinas, vales iranianos, península asiática e mesmo na vastidão africana. Sinal que, embora gravemente ferido, o sistema vigente na maioria dos países, à exceção da China, Cuba, Coreia do Norte e Vietnam, está disposto a seguir na exploração dos pobres e no domínio dos meios de produção em todos os quadrantes da Terra.
Ilusão imaginar que a TV Telesur - magnífica iniciativa dos países latino-americanos - tem cacife para se contrapor, por hora, à rede norte-americana de TV CNN. Ou, ainda, prever que a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) disponha de audiência para fazer frente ao império de comunicação erguido no país, com o domínio absoluto dos recursos publicitários – públicos e privados – pelas seis famílias que dominam os maiores jornais, rádios e TVs nacionais. Tanto em nível regional quanto local, o papel da imprensa burguesa é assegurar os interesses dos grandes grupos econômicos e políticos, em uma simbiose macabra, capaz de transformar qualquer opinião dissonante em um pecado mortal, expiado apenas com a morte, o degredo e a míngua daqueles que ousam enfrentá-la.
Ocorre, sabe-se lá até quando, no entanto, um movimento que, ano após ano, solapa as bases desse trinômio formado pela mídia vendida, os grandes grupos econômicos nativos e o capital transnacional. Um número cada vez maior de cidadãos brasileiros, logo, latino-americanos, ergue-se na vanguarda de uma resistência sem quartel aos desmandos impostos por um sistema apodrecido, conservador e ultrapassado que já não resiste ao futuro, o único possível, lastreado na sustentabilidade, na solidariedade e na cooperação entre os povos. Exemplos desses guerreiros pacíficos não faltam: Boaventura de Souza Santos, Elaine Tavares, Flavio Aguiar, Gilson Caroni, José Luís Fiori, Milton Coelho da Graça, Ricardo Boechat e tantos outros que levaria embora a paciência dos leitores com tantos nomes e sobrenomes, em ordem alfabética.
Trata-se de um movimento espontâneo, militante, integrado por milhares de pais, mães, filhos de uma nação que exige, antes de qualquer coisa, justiça, honestidade e retidão de caráter na política, na vida. Muitas vezes os jornalões tentam se apossar da ira sagrada que emana dessa gente boa e lhe conferir a bandeira ideológica da direita quando, em verdade, não há um matiz definido no sentimento dominante: Apenas a indignação. Esse pessoal está na internet e já soma um público espetacular, o segundo maior, em nível mundial, no tempo de permanência online.
Somos mais de 15 milhões de brasileiros na grande rede e esse número sobe dia após dia. Embora ainda distante dos mais de 90 milhões de eleitores, grande parte desses internautas começa a pesar nas contas de qualquer candidato ao Planalto, no ano que vem. Percebe-se, no entanto, que o socialismo deixa de ser o monstro pintado pela caça às bruxas, durante a ditadura, e passa a ser a via mais justa para se atingir aqueles objetivos iniciais na luta pela dignidade e a cidadania.
Não há melhor momento, "na história desse país", como repete à exaustão o quase ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para se resistir aos últimos atos de um sistema que se decompõe, em uma crise mais do que econômica, mas ética e moral. Aviso aos navegantes: Geralmente as bestas, à vista do fim, cometem seus atos mais destrambelhados, porquanto impensados e hostis. Um verdadeiro perigo, real e imediato, a quem as combate. Todo cuidado à frente.
"Aí, posso falar? Quanto mais leio os jornalões, mais vergonha alheia eu sinto. Além de assassinar o português, a coerência fica a desejar".
Tatiana Rocha, no Twitter, jornalista, multimedia, sci-fi, videogamer e pescadora de informações úteis
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.
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