Por Emir Sader*
A imprensa brasileira teve momentos da historia do país em que desempenhou papel determinante. Basta recordar o peso que teve nas mobilizações de desestabilização que levaram ao golpe de 1964, em que jornais como O Estado de Sao Paulo, a Tribuna da Imprensa, o Correio da Manhã, entre outros, tiveram o papel, pela primeira vez, de condutores ideológicos e políticos das forcas opositoras.
Setores da imprensa tiveram também um papel positivo, na campanha das diretas, quando outros tentavam esconder a amplitude do movimento e seu verdadeiro significado.
Assistimos hoje à decadência generalizada dessa mesma imprensa, que martela, cotidianamente, praticamente de forma total e monótona, ataques contra o governo Lula, logrando, no entanto, que apenas 5% da população rejeite o governo, enquanto mais de 80% o apóie. Nunca a imprensa brasileira esteve tão distante e contraposta à opinião do povo brasileiro. Daí seu isolamento e decadência, pelo menos sob sua forma atual.
As organizações Globo, que só possuiam um jornal, sem nenhuma importância, no Rio, antes do golpe, tiveram na ditadura sua grande alavanca, mas, ao mesmo tempo, o golpe insuperável de falta de credibilidade. Ficaram com a marca da ditadura, por mais que tentassem se reciclar, importando colunistas, usando a audiência da televisão para tentar conseguir mais público.
Atualmente dispõe de um trio que atenta contra qualquer credibilidade, que dá a tônica do jornal: Merval Pereira, Ali Kamel e Miriam Leitão. Todos os três se caracterizam por serem as vozes do dono, por sua postura propagandística, sem nenhum interesse no que dizem, nem brilho ou criatividade no que escrevem. São funcionários burocráticos da empresa, que exercem, da maneira que conseguem, seu burocrático papel de opositres, buscando catar supostas fraquezas do governo, que é seu único objetivo.
Nenhum tipo de análise, nenhuma nuance, nenhuma idéia. Para um jornal que precisaría desesperadamente de credibilidade, eles são um tiro no pé, uma confirmação da falta de credibilidade do jornal. O resto do jornal – das manchetes de primeira página às colunas de notícias – padece desse freio da rígida linha editorial, fazendo um jornal sem graça, sem interesse, sem repercussão.
No Rio de Janeiro, o conjunto dos órgãos da empresa, mesmo atuando fortemente a favor de algum candidato, perdem sempre. Lula ganhou nas duas últimas eleições no Rio; os Garotinhos, Sergio Cabral, Paes, mesmo Cesar Maia, se elegeram sem o apoio do jornal, que os atacava. Hoje, contra a vontade majoritária da grande maioria dos brasileiros, ficam de novo, acintosamente, na contramão da opinião do povo e do país, incluído claramente o povo do Rio de Janeiro, que sabe separar programas de diversão que lhe gosta ver, das inverdades que diz o jornal e os noticiários de rádio e televisão da Globo.
Diminuem sua tiragem, perdem público abertamente para a internet, para os jornais gratuitos, para os jornais populares vendidos. Melancolicamente, se arrasta o jornal, na fúria antilulista, sem repercussão política alguma.
O Estadão sempre foi o jornal conservador por excelência, com certa discrição, boa cobertura internacional, posições claramente direitistas. Conforme foi perdendo público para a FSP, que aparecia mais atraente para os jovens, mais ligada à oposicao à ditadura, tratou de rejuvenescer. Como jornal mais organicamente ligado às entidades empresariais, tem uma avaliação mais equilibrada da política econômica, valorizando seus avanços, no marco das críticas tradicionais do liberalismo dos “gastos excessivos do Estado”.
Além do papel do Estado na economia, suas maiores preocupações e críticas ao governo são na política internacional. Sua predileção, em tudo e por tudo, com os EUA, fica ferida com as alianças com os países do Sul do mundo e com os da América Latina em particular. A política externa soberana do Brasil os incomoda profundamente, transformando-se num dos temas mais usuais e violentos dos editorais.
O outro são os movimentos sociais, em particular o MST, que causa ojeriza ao Estadão, pela defesa intransigente do direito à propriedade privada, pilar do sistema capitalista. (O jornal foi praticamente o órgão oficial das passeatas de preparação do golpe de 64, na defesa da “liberdade, da família e da propriedade”, valores aos quais continua fiel.) A liberdade, que inclui centralmente a de “imprensa” (privada, diga-se), protagonizada pela SIP – Sociedade Interamericana de Prensa -, órgão da Guerra Fria, cenário a que o jornal, rançoso, ainda se sente apegado. Os editoriais, sempre, e atualmente Dora Kramer, são os momentos mais patéticos do jornal, saudoso da Guerra Fria.
A FSP é o jornal que mais teve oscilações de imagem. Era um jornal sem nenhum peso até o golpe e mesmo durante boa parte da ditadura militar. O Estadão era o grande jornal de São Paulo. A FSP apoiou ativamente a preparação do golpe militar, sua realização e a instauração da ditadura, cumpriu tudo o que a ditadura determinava, com noticiários que escondiam os sequestros, desaparecimentos, execuções, publicando as versões oficiais, emprestando carros da empresa para a Oban.
Foi ao longo dos anos 80, quando levou Claudio Abramo do Estadão, que a FSP, pela primeira vez, ganhou prestígio, buscando espaço próprio na oposição liberal à ditadura. Pretendeu ser o órgão da “sociedade civil” contra o “Estado autoritário”, conforme a ideología hegemônica na oposição, advinda da teoria do autoritarismo de FHC. (A FSP tirava, todo ano, uma foto no teto do seu prédio na Barão de Limeira, com os que ela consderava os representantes da “sociedade civil”, de empresários a líderes sindicais, como que para expresar físicamente esse vínculo organizado com os setores que se opunham, em graus distintos, à ditadura.)
Consolidou essa imagen emprestando suas páginas para uma certo pluralismo, com um cronista semanal – Florestan Fernandes, Marilena Chaui, entre os mais conhecidos – do PT, e distintos políticos, intelectuais e líderes sociais escrevendo na sua página de opinião.
Desde a eleição de FHC, entrou em decadência, perdendo totalmente a credibilidade que o diferenciava. Colunistas com vínculos pessoais com os tucanos, como Clovis Rossi, Eliane Catanhede, outros, decadentes, como Jânio de Freitas, se arrastam melancolicamente na decadência geral do jornal, o que mais despencou na tiragem e o que mais se transformou nas duas últimas décadas. O filho do Frias pai conduz o jornal pelo abismo da intranscendência e do rancor, se parecendo cada vez mais com a Tribuna da Imprensa da época de Carlos Lacerda.
A Veja se assume, grotescamente, como o Diario Oficial da extrema direita, com paquidermes como colunistas, sensacionlismo de capa, projetando-se como má espécie de bushismo brasileiro. Com dificuldade para conciliar sua imagem de revista de generalidades com esse papel de brucutu da imprensa nacional, foi perdendo aceleradamente tiragem, o que aumenta a crise financeira que levou a empresa a pendurar-se em capitais externos.
Poderia ser menos afetada pela crise generalizada da imprensa, por ser uma revista semanal. Mas a brutalidade da sua orientação política a fez incorporar-se de cheio nessa queda. Terá papel ainda mais truculento na campanha eleitoral, jogando tudo para tentar barra a vitória do governo, esperando-se os golpes mais sujos da campanha da empresa dos Civita.
No conjunto, o cenário da imprensa brasileira – com a única exceção da Carta Capital, entre as publicações diárias e semanais – é deprimente e decadente. Uma vitória de Dilma – que os apavora, seria ficar mais quatro ou oito anos nessa posição de dirigentes opositores -, trará dilemas difíceis para essas empresas. É possível que uma ou outra busque reciclar-se para adaptar-se a novos tempos, em que inclusive tem que contar com o fim de toda uma geração de políticos estreitamente associados a ela, como FHC, Serra, Jereissatti, etc. Isso, associado a uma intensificação da crise econômica das empresas, deve colocar dilemas cruciais para órgãos que assumiram atitudes suicidas, contra a vontade expressa da maioria do povo brasileiro e pagam preço caro por isso.
*Emir Sader é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, jornalista, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ. Publicou, entre outros, os livros O poder, cadê o poder? - ensaios para uma nova esquerda, A vingança da história e Século XX: uma biografia não autorizada
A imprensa brasileira teve momentos da historia do país em que desempenhou papel determinante. Basta recordar o peso que teve nas mobilizações de desestabilização que levaram ao golpe de 1964, em que jornais como O Estado de Sao Paulo, a Tribuna da Imprensa, o Correio da Manhã, entre outros, tiveram o papel, pela primeira vez, de condutores ideológicos e políticos das forcas opositoras.
Setores da imprensa tiveram também um papel positivo, na campanha das diretas, quando outros tentavam esconder a amplitude do movimento e seu verdadeiro significado.
Assistimos hoje à decadência generalizada dessa mesma imprensa, que martela, cotidianamente, praticamente de forma total e monótona, ataques contra o governo Lula, logrando, no entanto, que apenas 5% da população rejeite o governo, enquanto mais de 80% o apóie. Nunca a imprensa brasileira esteve tão distante e contraposta à opinião do povo brasileiro. Daí seu isolamento e decadência, pelo menos sob sua forma atual.
As organizações Globo, que só possuiam um jornal, sem nenhuma importância, no Rio, antes do golpe, tiveram na ditadura sua grande alavanca, mas, ao mesmo tempo, o golpe insuperável de falta de credibilidade. Ficaram com a marca da ditadura, por mais que tentassem se reciclar, importando colunistas, usando a audiência da televisão para tentar conseguir mais público.
Atualmente dispõe de um trio que atenta contra qualquer credibilidade, que dá a tônica do jornal: Merval Pereira, Ali Kamel e Miriam Leitão. Todos os três se caracterizam por serem as vozes do dono, por sua postura propagandística, sem nenhum interesse no que dizem, nem brilho ou criatividade no que escrevem. São funcionários burocráticos da empresa, que exercem, da maneira que conseguem, seu burocrático papel de opositres, buscando catar supostas fraquezas do governo, que é seu único objetivo.
Nenhum tipo de análise, nenhuma nuance, nenhuma idéia. Para um jornal que precisaría desesperadamente de credibilidade, eles são um tiro no pé, uma confirmação da falta de credibilidade do jornal. O resto do jornal – das manchetes de primeira página às colunas de notícias – padece desse freio da rígida linha editorial, fazendo um jornal sem graça, sem interesse, sem repercussão.
No Rio de Janeiro, o conjunto dos órgãos da empresa, mesmo atuando fortemente a favor de algum candidato, perdem sempre. Lula ganhou nas duas últimas eleições no Rio; os Garotinhos, Sergio Cabral, Paes, mesmo Cesar Maia, se elegeram sem o apoio do jornal, que os atacava. Hoje, contra a vontade majoritária da grande maioria dos brasileiros, ficam de novo, acintosamente, na contramão da opinião do povo e do país, incluído claramente o povo do Rio de Janeiro, que sabe separar programas de diversão que lhe gosta ver, das inverdades que diz o jornal e os noticiários de rádio e televisão da Globo.
Diminuem sua tiragem, perdem público abertamente para a internet, para os jornais gratuitos, para os jornais populares vendidos. Melancolicamente, se arrasta o jornal, na fúria antilulista, sem repercussão política alguma.
O Estadão sempre foi o jornal conservador por excelência, com certa discrição, boa cobertura internacional, posições claramente direitistas. Conforme foi perdendo público para a FSP, que aparecia mais atraente para os jovens, mais ligada à oposicao à ditadura, tratou de rejuvenescer. Como jornal mais organicamente ligado às entidades empresariais, tem uma avaliação mais equilibrada da política econômica, valorizando seus avanços, no marco das críticas tradicionais do liberalismo dos “gastos excessivos do Estado”.
Além do papel do Estado na economia, suas maiores preocupações e críticas ao governo são na política internacional. Sua predileção, em tudo e por tudo, com os EUA, fica ferida com as alianças com os países do Sul do mundo e com os da América Latina em particular. A política externa soberana do Brasil os incomoda profundamente, transformando-se num dos temas mais usuais e violentos dos editorais.
O outro são os movimentos sociais, em particular o MST, que causa ojeriza ao Estadão, pela defesa intransigente do direito à propriedade privada, pilar do sistema capitalista. (O jornal foi praticamente o órgão oficial das passeatas de preparação do golpe de 64, na defesa da “liberdade, da família e da propriedade”, valores aos quais continua fiel.) A liberdade, que inclui centralmente a de “imprensa” (privada, diga-se), protagonizada pela SIP – Sociedade Interamericana de Prensa -, órgão da Guerra Fria, cenário a que o jornal, rançoso, ainda se sente apegado. Os editoriais, sempre, e atualmente Dora Kramer, são os momentos mais patéticos do jornal, saudoso da Guerra Fria.
A FSP é o jornal que mais teve oscilações de imagem. Era um jornal sem nenhum peso até o golpe e mesmo durante boa parte da ditadura militar. O Estadão era o grande jornal de São Paulo. A FSP apoiou ativamente a preparação do golpe militar, sua realização e a instauração da ditadura, cumpriu tudo o que a ditadura determinava, com noticiários que escondiam os sequestros, desaparecimentos, execuções, publicando as versões oficiais, emprestando carros da empresa para a Oban.
Foi ao longo dos anos 80, quando levou Claudio Abramo do Estadão, que a FSP, pela primeira vez, ganhou prestígio, buscando espaço próprio na oposição liberal à ditadura. Pretendeu ser o órgão da “sociedade civil” contra o “Estado autoritário”, conforme a ideología hegemônica na oposição, advinda da teoria do autoritarismo de FHC. (A FSP tirava, todo ano, uma foto no teto do seu prédio na Barão de Limeira, com os que ela consderava os representantes da “sociedade civil”, de empresários a líderes sindicais, como que para expresar físicamente esse vínculo organizado com os setores que se opunham, em graus distintos, à ditadura.)
Consolidou essa imagen emprestando suas páginas para uma certo pluralismo, com um cronista semanal – Florestan Fernandes, Marilena Chaui, entre os mais conhecidos – do PT, e distintos políticos, intelectuais e líderes sociais escrevendo na sua página de opinião.
Desde a eleição de FHC, entrou em decadência, perdendo totalmente a credibilidade que o diferenciava. Colunistas com vínculos pessoais com os tucanos, como Clovis Rossi, Eliane Catanhede, outros, decadentes, como Jânio de Freitas, se arrastam melancolicamente na decadência geral do jornal, o que mais despencou na tiragem e o que mais se transformou nas duas últimas décadas. O filho do Frias pai conduz o jornal pelo abismo da intranscendência e do rancor, se parecendo cada vez mais com a Tribuna da Imprensa da época de Carlos Lacerda.
A Veja se assume, grotescamente, como o Diario Oficial da extrema direita, com paquidermes como colunistas, sensacionlismo de capa, projetando-se como má espécie de bushismo brasileiro. Com dificuldade para conciliar sua imagem de revista de generalidades com esse papel de brucutu da imprensa nacional, foi perdendo aceleradamente tiragem, o que aumenta a crise financeira que levou a empresa a pendurar-se em capitais externos.
Poderia ser menos afetada pela crise generalizada da imprensa, por ser uma revista semanal. Mas a brutalidade da sua orientação política a fez incorporar-se de cheio nessa queda. Terá papel ainda mais truculento na campanha eleitoral, jogando tudo para tentar barra a vitória do governo, esperando-se os golpes mais sujos da campanha da empresa dos Civita.
No conjunto, o cenário da imprensa brasileira – com a única exceção da Carta Capital, entre as publicações diárias e semanais – é deprimente e decadente. Uma vitória de Dilma – que os apavora, seria ficar mais quatro ou oito anos nessa posição de dirigentes opositores -, trará dilemas difíceis para essas empresas. É possível que uma ou outra busque reciclar-se para adaptar-se a novos tempos, em que inclusive tem que contar com o fim de toda uma geração de políticos estreitamente associados a ela, como FHC, Serra, Jereissatti, etc. Isso, associado a uma intensificação da crise econômica das empresas, deve colocar dilemas cruciais para órgãos que assumiram atitudes suicidas, contra a vontade expressa da maioria do povo brasileiro e pagam preço caro por isso.
*Emir Sader é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, jornalista, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ. Publicou, entre outros, os livros O poder, cadê o poder? - ensaios para uma nova esquerda, A vingança da história e Século XX: uma biografia não autorizada
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