MARIA CRISTINA FRIAS e VALDO CRUZ
Folha de S. Paulo - 12/04/2010
Pré-candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff diz que manter a política econômica do governo Lula "é mais do que compromisso" e que não pretende mudar a política monetária atual. "Você não pode sair por aí reduzindo os juros feito maluco", diz.
Ex-chefe da Casa Civil, responsável pelo PAC, Dilma rebate o discurso dos tucanos de que o ex-governador José Serra (PSDB) mostrará que é capaz de fazer melhor do que ela. "O que ele [Serra] foi? Ele não pode dizer que a biografia dele não passa pelo governo FHC. A minha biografia é o governo Lula. Eu carreguei o piano nesses cinco anos [na Casa Civil], eles não podem me tirar isso."
Dilma sugere que as empreiteiras desistiram do leilão de Belo Monte porque "o pessoal está estofadinho de obras", o que aumentaria o poder de escolha do empresariado.
Sobre a possibilidade de surgir um novo consórcio para disputar o leilão, ela se esquiva: "Eu já não estou acompanhando isso mais, sabe". Mas deixa claro que não é intenção do governo ceder e mudar regras.
A ex-ministra afirma que dará prioridade ao aumento das exportações, principalmente de manufaturados, e que vai procurar desonerar o setor.
Por fim, ela defende a política de criação de grandes grupos empresariais, sob estímulo do BNDES. Dilma conversou com a Folha por mais de duas horas, na quinta-feira, na casa do marqueteiro João Santana, que servirá de escritório para a pré-candidata, em Brasília.
POLÍTICA ECONÔMICA
De olho nas dúvidas que o mercado levanta sobre sua posição a respeito da política econômica, Dilma diz que manter o tripé metas de inflação, câmbio flutuante e rigor fiscal "é mais do que compromisso" e que não há motivos para mudar o que deu certo. "Por que eu iria abandonar? O que eu ganharia com isso? Vou manter as bases da nossa estabilidade."
A ex-chefe da Casa Civil, que no primeiro mandato de Lula chegou a ter divergências com a equipe do ex-ministro Antonio Palocci sobre o tamanho do superavit primário, afirma que irá manter a meta de 3,3% do PIB de economia de gastos para pagar juros da dívida durante um eventual governo seu. "Queremos inclusive ter superavit nominal, de 0,4% do PIB até 2014", afirma, acrescentando que tem a "ambição" de reduzir a dívida pública dos atuais 42,9% do PIB para 28,7%.
JUROS ALTOS
A petista diz que a manutenção do superavit primário permitirá a continuidade da redução das taxas de juros pelo BC, mas que não esperem dela tentativas de "dar um golpe de forma artificial nos juros", porque "você não pode sair por aí reduzindo os juros feito maluco" -uma alfinetada em tucanos que defendem queda brusca na taxa de juros. "Isso não é sustentável''.
Vista com reservas por boa parte do sistema financeiro por conta de suas críticas ao conservadorismo do Banco Central, Dilma diz que não vai alterar o modelo de autonomia informal adotado no governo Lula, mas não irá além disso. "Acho que a lei que existe hoje é muito boa. Não pretendo passar nenhuma lei [sobre autonomia do BC], não vejo por que. A que existe hoje é perfeita."
Indagada se o BC não perdeu em 2008 uma janela para reduzir ainda mais os juros, afirma "que é muito difícil raciocinar assim". "Hoje eu posso até achar isso, mas depois que a coisa aconteceu".
PÓS-MEIRELLES
Indagada sobre quem escolheria para substituir Meirelles, a ex-ministra evita o tema. "Isso, de ficar sentando na cadeira antes, ficar escolhendo nomes antes, não dá sorte", diz.
CÂMBIO
Lembrando que algumas medidas para o setor serão divulgadas ainda no governo Lula, a petista diz que o objetivo é reduzir o custo da produção de manufaturados. "Mesmo sabendo que o que puxa a economia brasileira é o mercado interno, nós vamos ter de dar uma força imensa na ampliação das exportações, dar prioridade para os manufaturados."
O QUE FALTOU FAZER
Fora do governo por conta da lei eleitoral, a ex-ministra diz que a "gente sempre acha que há tanta coisa que deixou de fazer". Cita especificamente o Programa Nacional de Banda Larga, prometido para ser lançado em 2009. "Essa questão da banda larga demorou muito, porque teve esse problema da Justiça." "A nossa briga não é com os acionistas", diz, em referência ao empresário Nelson dos Santos, que comprou a Eletronet por R$ 1 e assumiu dívida de R$ 800 milhões.
ESTÍMULO A FUSÕES
A ministra defende a política do governo Lula de incentivar e estimular com verbas do BNDES a fusão e criação de grandes empresas nacionais, como no caso da compra da Brasil Telecom pela Oi. "Não inventamos ninguém, fundiram-se aqueles que tinham envergadura para isso", afirma.
Em seguida, questiona e responde ao mesmo tempo: "Se você me pergunta se foi bom, eu digo que, na área de petroquímica, ou ganhamos escala ou não competimos internacionalmente". Ela defende o raciocínio para outros setores. "Em celulose, tem de ter escala. No de carnes, é bom que tenha escala. Na telefonia, também."
PRIVATIZAÇÕES
A petista procura diferenciar as privatizações do governo FHC e o estímulo a fusão de empresas do período Lula. Para ela, a venda de estatais ocorreu no passado por falta de recursos. "Fizemos aquilo porque não tínhamos dinheiro. Se tivéssemos, nós é que teríamos comprado." Em seguida, porém, defende a presença das multinacionais no setor de telefonia. "É importante que eles estejam aqui [os espanhóis da Telefonica e o mexicano Carlos Slim da Embratel]. É bom porque força nossas empresas privadas a ter mais musculatura", para logo depois defender a criação de uma grande empresa telecomunicação nacional, como a originada da fusão da Oi com a Brasil Telecom.
SERRA FAZ MELHOR?
Instada a comentar a tônica do discurso tucano, de que Serra teria capacidade para fazer melhor do que ela, Dilma responde em tom de desafio: "Vou dizer o seguinte. Convence. Convence [disso] os empresários, os prefeitos. Sabe qual a diferença? Nós fizemos, eles [empresários] sabem que nós fizemos, e sabem das dificuldades que enfrentamos."
BELO MONTE
Ao comentar a decisão das empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa de desistir do leilão da hidrelétrica de Belo Monte, a ex-ministra sugere que eles só fizeram isso porque há muitas obras hoje no país. "Sabe o que é? Tem muita obra no Brasil. O pessoal está estofadinho de obras. Antes, tinha só uma obra, eles sofriam. As empresas hoje têm um leque grande de oportunidades". Segundo ela, os próximos governos terão de enfrentar esse desafio, viabilizar um volume grande de obras. "Nós vamos ter de resolver, porque tem muita obra daqui para a frente." Ainda sobre Belo Monte, ela diz não saber se será formado um novo consórcio para disputar o leilão. "Eu já não estou acompanhando isso mais, sabe", acrescentando, porém, que não é intenção do governo ceder e mudar o edital com as regras do leilão.
REFORMA TRIBUTÁRIA
Questionada se a reforma tributária será um dos temas de sua campanha, ela diz que sim, mas acrescenta que os "empresários sabem da dificuldade de se fazer reforma tributária no Brasil por conta da questão federativa". Quanto à desoneração da folha de pagamentos, ela, a princípio, diz que não preferia comentá-la. Diante da insistência, afirma que "é fundamental, temos de caminhar para isso, temos de buscar a desoneração, é uma distorção que temos. Agora não é coisa simples de fazer. É o bom senso
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