domingo, 5 de setembro de 2010

A Serra o que é de Serra: nada


Por Flávio Aguiar, Carta Maior - de Berlim

Na mídia européia aumentou o número de referências a que Dilma Roussef pode ganhar no primeiro turno. De Portugal à Alemanha, do Reino Unido à França, comenta-se a possibilidade.

Às vezes isso desagrada. Para comentaristas conservadores, Dilma é uma “estatista” convicta, mais do que Lula. Isso é uma dor de cabeça. O governo Lula tirou o Brasil da crise financeira rapidamente e com pouco dano porque está fazendo o contrário do que os economistas e governos conservadores – sejam social-democratas ou democrata-cristãos – estão pregando e fazendo.

Para montar o fundo de reserva para proteger o euro – e antes, ainda, para impedir que a bancarrota da Grécia arrastasse consigo os bancos alemães e franceses credores, o que faria a Europa inteira virar um Titanic e bater no iceberg de suas insolvências nacionais – tiveram de recorrer ao FMI. Mais: às receitas do FMI. A Europa virou uma gigantesca Argentina do século passado.

E passaram a foice nos direitos de trabalhadores, pensionistas, aposentados, usuários de programas sociais, etc., com danos que serão sentidos nas próximas gerações. Por exemplo: a Itália acabou com um programa chamado “professores de rua”, que colocava educadores nas ruas, no sul do país, para convencer jovens a sair da tentaçào da máfia e do narcotráfico e voltar para a escola. O dano vai ser enorme.

A Alemanha cortou a renda que o governo dava às mães solteiras. O dano também vai ser enorme.

E ainda caíram de martelo em cima dos salários, partcularmente do setor público. O dano também vai ser enorme.

Mas saudando números, economistas e comentaristas conservadores deliram porque a Alemanha “dá mostras de recuperação e puxa a economia européia para cima”. Claro, graças a exportações bilionárias para a China. O poder aquisitivo interno está evaporado. Aposta-se em que as exportações farão cair o nível de desemprego. Quosque tandem? Até quando? Aí cai-se na reza para que a China continue crescendo, e apostando também no seu mercado interno.

Mas acontece que no meio do caminho tem o Brasil, tem o Brasil no meio do caminho. Adotando uma saída do tipo da Malásia, que no século passado, quando da crise da dívida externa no Sudeste Asiático fez tudo o contrário do que o FMI queria, e saiu-se bem, ao contrário da Indonésia, da Tailândia, até da Coréia do Sul, o Brasil “investiu em investimentos”, continuou melhorando salários, subsidiou a linha branca, etc., vocês aí devem conhecer as soluções melhor do que eu, aqui de longe, apesar da internet. O que fazer com o Brasil? Essa é uma pergunta alarmante no cenário internacional para as ortodoxias econômicas.

A esperança era José Serra. Uma virada que reintegrasse o Brasil na ortodoxia mais roxa que pano de quaresma e meia de cardeal. Não está dando certo. Por quê?

Porque Serra nada tem a oferecer. Os comentários da mídia a que aludi acima são expressivos. Porque aí vem a emenda, que para o arraial serrista é pior do que o soneto. A mesma mídia que cautelosamente aponta a possibilidade da vitória de Dilma, assinala que só um fato novo poderia virar o quadro, nem que flosse para jogar tudo para o segundo turno. Mas diz – como no caso da The Economist - esse fato novo só pode ser algo como uma denúncia que vire a mesa. Ou seja, de Serra, na verdade, nada se espera. Como dizia o Barão de Itararé: ali donde nada se espera, é que não sai nada mesmo. O The Guardian chegou a dizer que o programa de TV de Dilma arrasa com o de Serra.

Serra perdeu a voz, a vez, está mal no santinho, na paróquia, etc. Só não perdeu o grito. Dilma disse muito bem que eleição se ganha no voto, não em pesquisa. Mas há quem queira ganhar no grito, já que não tem outro recurso. E com ajuda da gritalhada da mídia conservadora brasileira, claro.

Acontece que, no caso das quebras de sigilo, o tribunal eleitoral não aceitou a denúncia contra Dilma, por falta de provas. Mais cedo ou mais tarde, isso vai prevalecer sobre a gritaria, as conjeturas, as hipóteses, as contra-hipóteses, as teses abstrusas, esse mar de lama em que se tenta sufocar a eleição brasileira e o debate das propostas. Porque um lado – o de Serra – não tem propostas que possa apresentar, só as que não pode apresentar, que envolvem a demolição dos direitos conquistados e exercidos pelo povo brasileiro nos últimos anos.

Querem nos transformar numa nova Grécia.

Esconjuro. A Serra o que é de Serra: nada.

Flávio Aguiar é correspondente internacional da agência Carta Maior em Berlim.

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