Por Paulo Passarinho - do Rio de Janeiro
"Rei morto, rei posto. A frase, pronunciada por Lula, foi dita pelo atual presidente para marcar a mudança que a vitória de Dilma Rousseff representa, e para afastar as especulações sobre opiniões que indicam que ele, Lula, poderia se comportar como uma espécie de “sombra” da presidente eleita.
É um esclarecimento importante, pois de fato as responsabilidades de Dilma são enormes, especialmente em decorrência da herança que Lula lhe deixa.
A principal questão emergencial a merecer a atenção de Dilma é a valorização do Real. Lula e Dilma, na recente entrevista coletiva que concederam, jogaram a responsabilidade pela tal “guerra cambial” nas costas dos Estados Unidos e da China. E afirmaram apostar na próxima reunião do G-20, em Seul, para procurar encontrar uma saída negociada e coordenada para a desvalorização acentuada do dólar, em relação às moedas de grande parte dos países.
Dilma foi além, e já declarou ser contrária a medidas unilaterais que desvalorizam artificialmente as moedas. A alternativa, em estudo pelo governo, caso a reunião do G-20 fracasse, seria a adoção de mecanismos de antidumping – de defesa comercial.
Seria bom à Dilma, e ao país, refletir com um pouco mais de profundidade sobre esse assunto. Até porque, isso lhe permitiria repensar o conjunto da política econômica.
Valorização de nossa moeda e juros reais elevados são características quase estruturais do modelo implantado na economia brasileira, desde os anos noventa. Apostar na abertura financeira, e ampliá-la, como feito por Lula, em um regime de câmbio flutuante, subordina a política monetária, e a política fiscal, aos humores e pressões do capital especulativo de brasileiros e de estrangeiros. Em um contexto de alta liquidez externa e de incertezas generalizadas nos países centrais do capitalismo, a periferia dócil e garantidora de lucros fáceis é mais do que uma opção de investimento, é uma verdadeira salvação. Para os capitais externos, bem esclarecido. Pois, para nós, brasileiros, a conta vai ficando insuportável.
O problema é que Dilma já repetiu o mantra mais ao gosto da piranhagem financeira: câmbio flutuante, equilíbrio fiscal e controle da inflação. Rei morto, rei posto, e a mesma dinastia a comandar os nossos destinos…
Enquanto a nossa presidente eleita aposta em soluções para o problema da nossa moeda em fóruns multilaterais, os Estados Unidos, de forma soberana, continuam a assumir medidas voltadas ao seu próprio interesse. É o caso, por exemplo, do anúncio feito pelo Banco Central norte-americano de comprar US$ 600 bilhões em títulos, com o objetivo de irrigar a sua economia com mais dinheiro. Independentemente de ser essa uma medida adequada aos dilemas da maior economia do mundo, o problema é que possivelmente teremos uma pressão ainda maior de entrada de recursos em dólar, por aqui. E isso fará com que nossa moeda continue em sua trajetória de valorização…
Portanto, pensar em medidas unilaterais é uma necessidade premente para o país, caso Dilma queira enfrentar esse problema.
Mas, há outras armadilhas. Equilíbrio fiscal, por exemplo, poderia ser buscado através de um processo gradativo, mas contínuo e decidido, de redução das taxas reais de juros. Porém, essa hipótese – da redução da taxa de juros -, dentro da visão defendida até agora pelo governo, fica condicionada à prévia redução dos gastos públicos, especialmente dos gastos correntes, para que se abra espaço para a manutenção e ampliação dos gastos em investimentos. “Mas, recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos”, afirmou Dilma. Cabe, então, a pergunta: onde poderiam ocorrer esses ajustes? Através de uma nova rodada de contra-reformas na área previdenciária? Em algum mecanismo voltado para a definição de metas de expansão dos gastos correntes, em particular nas despesas com o pagamento dos vencimentos do funcionalismo? Afirma-se que o governo Lula já recuperou as pesadas perdas salariais impostas aos servidores pelo governo FHC. Entretanto, além desse fato não ser confirmado para muitas categorias, há ainda a necessidade de se dar sequência à justa política de novos concursos, colocada em prática pelo atual governo. Como ficaria, então, os tais cortes de despesas que poderiam viabilizar, posteriormente, a redução da taxa de juros?
A saída poderia se situar na manutenção das atuais taxas de crescimento da economia, implicando elevação das receitas tributárias e uma maior folga orçamentária. Contudo, nesse ponto, voltamos ao problema externo. A atual dinâmica de crescimento da economia – com abertura financeira, câmbio flutuante, e altas taxas de juros – impõe a valorização do Real, o barateamento e crescimento das importações, e a perigosa redução do saldo comercial do país. O Brasil volta a ficar refém dos capitais externos para fechar as suas contas com o exterior, com mais desnacionalização do parque produtivo, maior participação de capitais especulativos na dívida pública e em bolsa de valores, e maior vulnerabilidade externa frente a qualquer turbulência financeira que estabeleça uma abrupta reversão de expectativas e uma rápida saída desses capitais para fora do país.
Por isso, caso Dilma queira superar a herança de Lula, enfrentar o que o seu criador não topou seria inevitável.
Para erradicar a miséria, conforme o seu desejo, e gerar empregos de qualidade no país, com ênfase em um projeto que de fato se assente em uma economia doméstica diversificada e sob comando de setores brasileiros – única forma de internalizarmos um processo virtuoso de geração de tecnologia e conhecimento científico, sob nosso controle, e com o aporte educacional necessário para um processo dessa natureza – somente com coragem para mudar o atual modelo econômico.
Para tanto, Dilma precisaria substituir o atual comando do Banco Central, adotar mecanismos de controle sobre a movimentação de capitais externos, abolir a política fiscal baseada nas metas de superávit primário e abrir espaço no orçamento público, através da redução da taxa de juros e da reestruturação dos termos de refinanciamento da dívida pública interna, para o aumento dos gastos públicos, em particular dos investimentos.
Poderia Dilma assumir um programa dessa natureza? Valter Pomar, dirigente nacional do PT, e líder de uma de suas correntes de esquerda, acredita que Henrique Meireles esteja com os seus dias contados, a frente do Banco Central. Em entrevista ao Programa Faixa Livre, ele declarou que Dilma irá compor uma equipe econômica mais homogênea, mais à feição da linha desenvolvimentista, existente hoje, segundo o próprio Pomar, na área do ministério da Fazenda.
Seria um primeiro passo, ainda que insuficiente. O problema não se situa apenas nos quadros dirigentes, mas na opção política a ser adotada. E, nesse caso, exorcizar o mantra financista, a verdadeira herança maldita que nos sufoca como nação independente, seria o mais relevante.
Paulo Passarinho é economista e conselheiro do CORECON-RJ.
"Rei morto, rei posto. A frase, pronunciada por Lula, foi dita pelo atual presidente para marcar a mudança que a vitória de Dilma Rousseff representa, e para afastar as especulações sobre opiniões que indicam que ele, Lula, poderia se comportar como uma espécie de “sombra” da presidente eleita.
É um esclarecimento importante, pois de fato as responsabilidades de Dilma são enormes, especialmente em decorrência da herança que Lula lhe deixa.
A principal questão emergencial a merecer a atenção de Dilma é a valorização do Real. Lula e Dilma, na recente entrevista coletiva que concederam, jogaram a responsabilidade pela tal “guerra cambial” nas costas dos Estados Unidos e da China. E afirmaram apostar na próxima reunião do G-20, em Seul, para procurar encontrar uma saída negociada e coordenada para a desvalorização acentuada do dólar, em relação às moedas de grande parte dos países.
Dilma foi além, e já declarou ser contrária a medidas unilaterais que desvalorizam artificialmente as moedas. A alternativa, em estudo pelo governo, caso a reunião do G-20 fracasse, seria a adoção de mecanismos de antidumping – de defesa comercial.
Seria bom à Dilma, e ao país, refletir com um pouco mais de profundidade sobre esse assunto. Até porque, isso lhe permitiria repensar o conjunto da política econômica.
Valorização de nossa moeda e juros reais elevados são características quase estruturais do modelo implantado na economia brasileira, desde os anos noventa. Apostar na abertura financeira, e ampliá-la, como feito por Lula, em um regime de câmbio flutuante, subordina a política monetária, e a política fiscal, aos humores e pressões do capital especulativo de brasileiros e de estrangeiros. Em um contexto de alta liquidez externa e de incertezas generalizadas nos países centrais do capitalismo, a periferia dócil e garantidora de lucros fáceis é mais do que uma opção de investimento, é uma verdadeira salvação. Para os capitais externos, bem esclarecido. Pois, para nós, brasileiros, a conta vai ficando insuportável.
O problema é que Dilma já repetiu o mantra mais ao gosto da piranhagem financeira: câmbio flutuante, equilíbrio fiscal e controle da inflação. Rei morto, rei posto, e a mesma dinastia a comandar os nossos destinos…
Enquanto a nossa presidente eleita aposta em soluções para o problema da nossa moeda em fóruns multilaterais, os Estados Unidos, de forma soberana, continuam a assumir medidas voltadas ao seu próprio interesse. É o caso, por exemplo, do anúncio feito pelo Banco Central norte-americano de comprar US$ 600 bilhões em títulos, com o objetivo de irrigar a sua economia com mais dinheiro. Independentemente de ser essa uma medida adequada aos dilemas da maior economia do mundo, o problema é que possivelmente teremos uma pressão ainda maior de entrada de recursos em dólar, por aqui. E isso fará com que nossa moeda continue em sua trajetória de valorização…
Portanto, pensar em medidas unilaterais é uma necessidade premente para o país, caso Dilma queira enfrentar esse problema.
Mas, há outras armadilhas. Equilíbrio fiscal, por exemplo, poderia ser buscado através de um processo gradativo, mas contínuo e decidido, de redução das taxas reais de juros. Porém, essa hipótese – da redução da taxa de juros -, dentro da visão defendida até agora pelo governo, fica condicionada à prévia redução dos gastos públicos, especialmente dos gastos correntes, para que se abra espaço para a manutenção e ampliação dos gastos em investimentos. “Mas, recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos”, afirmou Dilma. Cabe, então, a pergunta: onde poderiam ocorrer esses ajustes? Através de uma nova rodada de contra-reformas na área previdenciária? Em algum mecanismo voltado para a definição de metas de expansão dos gastos correntes, em particular nas despesas com o pagamento dos vencimentos do funcionalismo? Afirma-se que o governo Lula já recuperou as pesadas perdas salariais impostas aos servidores pelo governo FHC. Entretanto, além desse fato não ser confirmado para muitas categorias, há ainda a necessidade de se dar sequência à justa política de novos concursos, colocada em prática pelo atual governo. Como ficaria, então, os tais cortes de despesas que poderiam viabilizar, posteriormente, a redução da taxa de juros?
A saída poderia se situar na manutenção das atuais taxas de crescimento da economia, implicando elevação das receitas tributárias e uma maior folga orçamentária. Contudo, nesse ponto, voltamos ao problema externo. A atual dinâmica de crescimento da economia – com abertura financeira, câmbio flutuante, e altas taxas de juros – impõe a valorização do Real, o barateamento e crescimento das importações, e a perigosa redução do saldo comercial do país. O Brasil volta a ficar refém dos capitais externos para fechar as suas contas com o exterior, com mais desnacionalização do parque produtivo, maior participação de capitais especulativos na dívida pública e em bolsa de valores, e maior vulnerabilidade externa frente a qualquer turbulência financeira que estabeleça uma abrupta reversão de expectativas e uma rápida saída desses capitais para fora do país.
Por isso, caso Dilma queira superar a herança de Lula, enfrentar o que o seu criador não topou seria inevitável.
Para erradicar a miséria, conforme o seu desejo, e gerar empregos de qualidade no país, com ênfase em um projeto que de fato se assente em uma economia doméstica diversificada e sob comando de setores brasileiros – única forma de internalizarmos um processo virtuoso de geração de tecnologia e conhecimento científico, sob nosso controle, e com o aporte educacional necessário para um processo dessa natureza – somente com coragem para mudar o atual modelo econômico.
Para tanto, Dilma precisaria substituir o atual comando do Banco Central, adotar mecanismos de controle sobre a movimentação de capitais externos, abolir a política fiscal baseada nas metas de superávit primário e abrir espaço no orçamento público, através da redução da taxa de juros e da reestruturação dos termos de refinanciamento da dívida pública interna, para o aumento dos gastos públicos, em particular dos investimentos.
Poderia Dilma assumir um programa dessa natureza? Valter Pomar, dirigente nacional do PT, e líder de uma de suas correntes de esquerda, acredita que Henrique Meireles esteja com os seus dias contados, a frente do Banco Central. Em entrevista ao Programa Faixa Livre, ele declarou que Dilma irá compor uma equipe econômica mais homogênea, mais à feição da linha desenvolvimentista, existente hoje, segundo o próprio Pomar, na área do ministério da Fazenda.
Seria um primeiro passo, ainda que insuficiente. O problema não se situa apenas nos quadros dirigentes, mas na opção política a ser adotada. E, nesse caso, exorcizar o mantra financista, a verdadeira herança maldita que nos sufoca como nação independente, seria o mais relevante.
Paulo Passarinho é economista e conselheiro do CORECON-RJ.
Fonte:Correio do Brasil
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