Servidores
da Papuda acusam Ministério Público de promover insegurança no presídio e pedem
afastamento de seis procuradoras
Ao
pedir o afastamento de seis procuradoras da Papuda, a Associação dos Servidores
do Sistema Penitenciário coloca a questão essencial. Cabe apurar a atividade de
quem é acusado de tentar criar um clima artificial de insegurança no presídio,
a partir de denuncias que não são provadas e acusações que ninguém sustenta.
Este comportamento gera um ambiente político capaz de impedir que os presos da
AP 470 tenham acesso a direitos assegurados por lei e mais do que nunca
confirmados pelo STF depois da votação dos embargos infringentes. Reportagens
tendenciosas da imprensa, que estigmatizam os presos, são lamentáveis. Mas
ações que atingem direitos reconhecidos em lei, como o regime semi aberto, são
inaceitáveis e devem ser repelidas por todo cidadão com convicções
democráticas.
A
reportagem da VEJA sobre a vida de José Dirceu na Papuda, sem apresentar um
fato concreto, sem conferir um boato junto a quem poderia confirmar ou desmentir
o que se pretendia publicar, é aquilo
que todos nós sabemos. Não é séria nem respeitável.
Não
passa de um esforço redundante para acrescentar uma nova camada de boatos (no
juridiquês da Papuda eles se chamam “supostas irregularidades noticiadas”) para
prejudicar os réus da AP 470, esforço redobrado depois que eles conseguiram
vitórias importantes, como o reconhecimento do erro no crime de formação de
quadrilha e lavagem de dinheiro.
Quem
está sendo chamado a dar explicações e
prestar esclarecimentos, na verdade, é o Ministério Público do Distrito
Federal.
Num
documento assinado pela Associação de Servidores do Sistema Penitenciário do
Distrito Federal, seis integrantes do MP – todas são mulheres, por coincidência
-- são acusadas de atuar contra a ordem na sistema prisional.
O
pedido foi encaminhado ao Conselho Nacional do Ministério Público, o órgão
responsável por examinar, julgar e punir desvios de comportamento por parte dos
procuradores.
A
acusação diz que elas estimulam a
“publicação de fatos ou atos” que
perturbam a “paz prisional ”.
A
base é o artigo 198 da lei de execução penal, que diz que “é proibido ao
integrante dos órgãos de execução penal e ao servidor, a divulgaçao de
ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos …”
Conforme
o documento, as procuradoras ajudam a promover a desordem entre os presos e
suas famílias através da reproducão, no site do próprio Ministério Publico, de
rumores e boatos que não foram comprovados nem confirmados. Através disso,
conclui-se pela leitura do documento, cria-se um ambiente artificial de
agitaçao e descontentamento entre a população encarcerada.
Sabemos
como isso começa. Sem cometer a deselegância de perguntar quem assopra essas
coisas (fatos? Hipóteses? Delírios?) para jornalistas, estamos falando de
suspeitas e hipóteses divulgadas por
jornais e revistas com a técnica marota de sempre.
A
partir de depoimentos anonimos, verbos no tempo condicional, fontes
desconhecidas e outros recursos típicos de quem sabe que pode estar embarcando
numa fria, publica-se uma reportagens recheada de (fatos? Hipóteses? Fantasias?
Delírios? ) que seriam graves se fosse
demonstrado que são verdadeiros.
Em
seguida, essa reportagem é reproduzida no site do ministério publico do DF –
mais uma vez, sem qualquer checagem para confirmar sua veracidade.
Numa
terceira etapa, estes “fatos” -- imaginários ou não -- aterrisam em documentos
oficiais e são usados para prejudicar os réus e pressionar as autoridades do
sistema prisional.
Em
suas petições, o juiz Bruno Ribeiro, da Vara de Execuções Penais, cobra
investigações para apurar “supostas irregularidades noticiadas”, definição cujo
sentido desafia os estudiosos do direito e da língua portuguesa.
Convém
não esquecer uma realidade elementar. Tudo o que é um suposto ser também é um suposto não-ser, ensina-se no jardim de
infancia da filosofia.
Se
as irregularidades são apenas supostas, podemos supor, pela simples lógica, que
elas também podem ser “regularidades “ – e, talvez, nada de errado esteja
acontecendo, como se poderia pensar, supostamente.
O
único elemento consistente no pedido de investigação reside no fato de as
“supostas irregularidades,” terem sido “noticiadas. ”
Uma
notícia, como se sabe, pode ser produzida a partir de uma apuração cuidadosa e
responsável. Mas também pode ir para o papel sòmente porque lá pelas 19 horas
um editor de jornal clicou “salvar” e
depois “enviar ” antes de mandar um texto para o leitor. O que isso tem a ver
com Direito, com a Justiça, com a Liberdade de cada um? Nada.
Jornais
e revistas erram todos os dias. Erram sem querer e erram por querer. Podem ter
interesse na verdade, mas também ganhar com a mentira. São empresas comerciais
e também atuam politicamente.
Têm
interesses privados nem sempre transparentes, agendas ocultas e um padrão cada
vez mais frágil de proteger.
Também
contam com a proteção de um regime legal que não estimula posturas
responsáveis. As vítimas de seus erros – e também falsidades – não tem direito
de resposta. Empresas de faturamento bilionário são levadas a pagar – quando
isso acontece – multas irrisórias.
Um
exemplo recente. Depois de fugir durante oito anos de suas responsabilidades
pela divulgação de uma denúncia irresponsável sobre contas de ministros no
exterior, a mesma VEJA que agora denuncia Dirceu está sendo chamada a pagar uma
multa de R$ 100 000 para a família de uma das vítimas, Luiz Gushiken.
Lê-se
na sentença assinada pelo desembargador Antonio Velinils que a revista “não tinha prova consistente”
para dizer o que disse. Fez uma reportagem sem oferecer “um único indício de
confiança.” Em vez de assumir uma postura prudente, como a situação
recomendava, preferiu “insinuar que as
informações eram, sim, verdadeiras.”
Mais
tarde, quando o caso chegou a Justiça, a revista tentou justificar-se sem
conseguir apresentar um único argumento aceitável para explicar o que fez,
Usando de subterfúgios e truques de linguagem, construiu uma “falácia de doer
na retina,” acusa o desembargador, que ainda concluiu que VEJA “abusou da
liberdade de imprensa.”
É
disso que estamos falando. Abusos. Os presos não constestam, na Papuda, as
penas que receberam. Querem cumprir o que a lei determina. Lutam por este
direito – o que dá uma ideia do absurdo que enfrentam.
Mas
não é isso o que acontece. A repetição de pedidos de investigação das “supostas
irregularidades noticiadas” está longe de configurar um esforço para se cumprir
a obrigação de apurar e investigar todo indício de crime, o que seria natural.
O
que se faz é criar um circulo vicioso.
Lembra o fatiamento que Joaquim Barbosa inventou para apresentar a denúncia da
AP 470?
Cada
suposição leva a outra, que leva a seguinte, depois a próxima, e mais uma … num calderão de “irregulardades noticiadas”
que não precisam ser provadas. Basta que em seu conjunto formem uma nuvem
política, uma conviccão maligna que pode levar muita gente acreditar que a
Papuda é um presidio inseguro, instável, perigoso – e que o jeito é mandar os
réus da AP 470 para um presidio federal, como um deputado do Solidariedade
pretende fazer.
Claro
que não seria uma medida fácil. Como recorda a Associaçao dos Servidores, a
Papuda encontra-se entre os melhores presidios do país:
“Há
mais de uma década não temos rebelião; nunca tivemos decapitação de seres
humanos; há mais de seis anos não há homicídios intramuros; há inexistência de
faccões criminosas…”
A
verdade, porém, é que tudo tornou-se perigosamente possível depois que Joaquim
Barbosa confessou que havia manipulado as penas da AP 470 para conseguir
condenações mais duras, em regime fechado. Assim, sem retratar-se.
Não
importam os fatos, nem mesmo a lei. Importa a vontade do juiz.
Lembra
da frase “A constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é”?
Quando
uma “suposta irregularidade noticiada”
não chega aonde se imagina que deveriam chegar, encontra-se um atalho
para manter a pressão.
Foi
assim com o telefonema de Dirceu. Nada indica que tenha ocorrido. Não se
provou.
Em
vez de se questionar a denúncia, o que se questiona é a investigação. A tese,
agora, é que foi “ atípica. “ Por que
não admitir uma “suposta denuncia” ou mesmo uma “denuncia suposta”?
O
que está claro é que as “supostas irregulariades noticiadas” foram investigadas, apuradas – e só tinham
valia como cortina de fumaça para estigmatizar os presos, reduzir seus direitos
e impedir a progressão de suas penas.
As
primeiras foram as célebres visitas em dias especiais. Elas não são uma
raridade na Papuda, mas uma tradição, oferecida a todo preso considerado
“vulnerável.” Foi assim que, por oito anos, os familiares dos jovens de classe
media que assassinaram o índio Galdino, em Brasília, visitavam seus filhos numa
data diferente daquela reservada aos parentes de outros internos. Isso porque
havia, entre eles, não só ministros de Estado, mas também um juiz federal,
motivo para se tentar prevenir reações imprevistas por parte da massa
carcerária.
Em
nome do “combate ao privilégio” todas as visitas em caráter especial da Papuda
foram suspensas no final de 2013. Em função disso, “muitos pais e familiares
não se arriscam a visitar seus entes, junto a massa carcerária,” diz o
documento dos servidores. “Fato lamentável!”, dizem os servidores.
Outro
privilégio “suposto” foi a feijoada em lata que Deludio e duas dezenas de
colegas de sua ala no Centro de Progressão de Pena comeram. Num local onde há
um fogareiro, panelas e uma cantina que vende até costelinha, o que se gostaria
que presioneiros fizessem? Pedissem para serem algemados?
O
que se vê, aqui, é um fato analisado e resolvido através de uma sentença do
Superior Tribunal de Justiça:
“Foge
ao limite do controle jurisdicional o juizo de valoração sobre a oportunidade e
conviência do ato administrativo, porque ao judiciário cabe unicamente analisar
a legalidade do ato, sendo vedado substituir o Administrador Público.”
O
que se diz aí é que mesmo cidadãos condenados a viver atrás das grades tem
direitos que devem ser respeitados, o que inclui, inclusive, o respeito pela
divisão de poderes que caracteriza o regime democrático.
Não
é preciso acrescentar mais nada, certo?
Num
país que assiste a passagem dos 50 anos do golpe de 64, é bom refletir sobre o
que acontece com seus prisioneiros. Não custa recordar que a face mais horrenda
da ditadura foi construída em seus cárceres
Servidores
da Papuda acusam Ministério Público de promover insegurança no presídio e pedem
afastamento de seis procuradoras
Ao
pedir o afastamento de seis procuradoras da Papuda, a Associação dos Servidores
do Sistema Penitenciário coloca a questão essencial. Cabe apurar a atividade de
quem é acusado de tentar criar um clima artificial de insegurança no presídio,
a partir de denuncias que não são provadas e acusações que ninguém sustenta.
Este comportamento gera um ambiente político capaz de impedir que os presos da
AP 470 tenham acesso a direitos assegurados por lei e mais do que nunca
confirmados pelo STF depois da votação dos embargos infringentes. Reportagens
tendenciosas da imprensa, que estigmatizam os presos, são lamentáveis. Mas
ações que atingem direitos reconhecidos em lei, como o regime semi aberto, são
inaceitáveis e devem ser repelidas por todo cidadão com convicções
democráticas.
A
reportagem da VEJA sobre a vida de José Dirceu na Papuda, sem apresentar um
fato concreto, sem conferir um boato junto a quem poderia confirmar ou
desmentir o que se pretendia publicar, é
aquilo que todos nós sabemos. Não é séria nem respeitável.
Não
passa de um esforço redundante para acrescentar uma nova camada de boatos (no
juridiquês da Papuda eles se chamam “supostas irregularidades noticiadas”) para
prejudicar os réus da AP 470, esforço redobrado depois que eles conseguiram
vitórias importantes, como o reconhecimento do erro no crime de formação de
quadrilha e lavagem de dinheiro.
Quem
está sendo chamado a dar explicações e
prestar esclarecimentos, na verdade, é o Ministério Público do Distrito
Federal.
Num
documento assinado pela Associação de Servidores do Sistema Penitenciário do
Distrito Federal, seis integrantes do MP – todas são mulheres, por concidência
-- são acusadas de atuar contra a ordem na sistema prisional.
O
pedido foi encaminhado ao Conselho Nacional do Ministério Público, o órgão
responsável por examinar, julgar e punir desvios de comportamento por parte dos
procuradores.
A
acusação diz que elas estimulam a
“publicação de fatos ou atos” que
perturbam a “paz prisional ”.
A
base é o artigo 198 da lei de execução penal, que diz que “é proibido ao
integrante dos órgãos de execução penal e ao servidor, a divulgaçao de
ocorrência que perturbe a segurança e a disciplina dos estabelecimentos …”
Conforme
o documento, as procuradoras ajudam a promover a desordem entre os presos e
suas famílias através da reproducão, no site do próprio Ministério Publico, de
rumores e boatos que não foram comprovados nem confirmados. Através disso,
conclui-se pela leitura do documento, cria-se um ambiente artificial de
agitaçao e descontentamento entre a população encarcerada.
Sabemos
como isso começa. Sem cometer a deselegância de perguntar quem assopra essas
coisas (fatos? Hipóteses? Delírios?) para jornalistas, estamos falando de
suspeitas e hipóteses divulgadas por
jornais e revistas com a técnica marota de sempre.
A
partir de depoimentos anonimos, verbos no tempo condicional, fontes
desconhecidas e outros recursos típicos de quem sabe que pode estar embarcando
numa fria, publica-se uma reportagens recheada de (fatos? Hipóteses? Fantasias?
Delírios? ) que seriam graves se fosse
demonstrado que são verdadeiros.
Em
seguida, essa reportagem é reproduzida no site do ministério publico do DF –
mais uma vez, sem qualquer checagem para confirmar sua veracidade.
Numa
terceira etapa, estes “fatos” -- imaginários ou não -- aterrisam em documentos
oficiais e são usados para prejudicar os réus e pressionar as autoridades do
sistema prisional.
Em
suas petições, o juiz Bruno Ribeiro, da Vara de Execuções Penais, cobra investigações
para apurar “supostas irregularidades noticiadas”, definição cujo sentido
desafia os estudiosos do direito e da língua portuguesa.
Convém
não esquecer uma realidade elementar. Tudo o que é um suposto ser também é um suposto não-ser, ensina-se no jardim de
infancia da filosofia.
Se
as irregularidades são apenas supostas, podemos supor, pela simples lógica, que
elas também podem ser “regularidades “ – e, talvez, nada de errado esteja
acontecendo, como se poderia pensar, supostamente.
O
único elemento consistente no pedido de investigação reside no fato de as
“supostas irregularidades,” terem sido “noticiadas. ”
Uma
notícia, como se sabe, pode ser produzida a partir de uma apuração cuidadosa e
responsável. Mas também pode ir para o papel sòmente porque lá pelas 19 horas
um editor de jornal clicou “salvar” e
depois “enviar ” antes de mandar um texto para o leitor. O que isso tem a ver
com Direito, com a Justiça, com a Liberdade de cada um? Nada.
Jornais
e revistas erram todos os dias. Erram sem querer e erram por querer. Podem ter
interesse na verdade, mas também ganhar com a mentira. São empresas comerciais
e também atuam politicamente.
Têm
interesses privados nem sempre transparentes, agendas ocultas e um padrão cada
vez mais frágil de proteger.
Também
contam com a proteção de um regime legal que não estimula posturas
responsaveis. As vítimas de seus erros – e também falsidades – não tem direito
de resposta. Empresas de faturamento bilionário são levadas a pagar – quando
isso acontece – multas irrisórias.
Um
exemplo recente. Depois de fugir durante oito anos de suas responsabilidades
pela divulgação de uma denúncia irresponsável sobre contas de ministros no
exterior, a mesma VEJA que agora denuncia Dirceu está sendo chamada a pagar uma
multa de R$ 100 000 para a família de uma das vítimas, Luiz Gushiken.
Lê-se
na sentença assinada pelo desembargador Antonio Velinils que a revista “não tinha prova consistente”
para dizer o que disse. Fez uma reportagem sem oferecer “um único indício de
confiança.” Em vez de assumir uma postura prudente, como a situação
recomendava, preferiu “insinuar que as
informações eram, sim, verdadeiras.”
Mais
tarde, quando o caso chegou a Justiça, a revista tentou justificar-se sem
conseguir apresentar um único argumento aceitável para explicar o que fez,
Usando de subterfúgios e truques de linguagem, construiu uma “falácia de doer
na retina,” acusa o desembargador, que ainda concluiu que VEJA “abusou da
liberdade de imprensa.”
É
disso que estamos falando. Abusos. Os presos não constestam, na Papuda, as
penas que receberam. Querem cumprir o que a lei determina. Lutam por este
direito – o que dá uma ideia do absurdo que enfrentam.
Mas
não é isso o que acontece. A repetição de pedidos de investigação das “supostas
irregularidades noticiadas” está longe de configurar um esforço para se cumprir
a obrigação de apurar e investigar todo indício de crime, o que seria natural.
O
que se faz é criar um circulo vicioso.
Lembra o fatiamento que Joaquim Barbosa inventou para apresentar a denúncia da
AP 470?
Cada
suposição leva a outra, que leva a seguinte, depois a próxima, e mais uma … num calderão de “irregulardades noticiadas”
que não precisam ser provadas. Basta que em seu conjunto formem uma nuvem
política, uma conviccão maligna que pode levar muita gente acreditar que a
Papuda é um presidio inseguro, instável, perigoso – e que o jeito é mandar os
réus da AP 470 para um presidio federal, como um deputado do Solidariedade
pretende fazer.
Claro
que não seria uma medida fácil. Como recorda a Associaçao dos Servidores, a
Papuda encontra-se entre os melhores presidios do país:
“Há
mais de uma década não temos rebelião; nunca tivemos decapitação de seres
humanos; há mais de seis anos não há homicídios intramuros; há inexistência de
faccões criminosas…”
A
verdade, porém, é que tudo tornou-se perigosamente possível depois que Joaquim
Barbosa confessou que havia manipulado as penas da AP 470 para conseguir
condenações mais duras, em regime fechado. Assim, sem retratar-se.
Não
importam os fatos, nem mesmo a lei. Importa a vontade do juiz.
Lembra
da frase “A constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é”?
Quando
uma “suposta irregularidade noticiada”
não chega aonde se imagina que deveriam chegar, encontra-se um atalho
para manter a pressão.
Foi
assim com o telefonema de Dirceu. Nada indica que tenha ocorrido. Não se
provou.
Em
vez de se questionar a denúncia, o que se questiona é a investigação. A tese,
agora, é que foi “ atípica. “ Por que
não admitir uma “suposta denuncia” ou mesmo uma “denuncia suposta”?
O
que está claro é que as “supostas irregulariades noticiadas” foram investigadas, apuradas – e só tinham
valia como cortina de fumaça para estigmatizar os presos, reduzir seus direitos
e impedir a progressão de suas penas.
As
primeiras foram as célebres visitas em dias especiais. Elas não são uma
raridade na Papuda, mas uma tradição, oferecida a todo preso considerado
“vulnerável.” Foi assim que, por oito anos, os familiares dos jovens de classe
media que assassinaram o índio Galdino, em Brasília, visitavam seus filhos numa
data diferente daquela reservada aos parentes de outros internos. Isso porque
havia, entre eles, não só ministros de Estado, mas também um juiz federal,
motivo para se tentar prevenir reações imprevistas por parte da massa
carcerária.
Em
nome do “combate ao privilégio” todas as visitas em caráter especial da Papuda
foram suspensas no final de 2013. Em função disso, “muitos pais e familiares
não se arriscam a visitar seus entes, junto a massa carcerária,” diz o
documento dos servidores. “Fato lamentável!”, dizem os servidores.
Outro
privilégio “suposto” foi a feijoada em lata que Deludio e duas dezenas de
colegas de sua ala no Centro de Progressão de Pena comeram. Num local onde há
um fogareiro, panelas e uma cantina que vende até costelinha, o que se gostaria
que presioneiros fizessem? Pedissem para serem algemados?
O
que se vê, aqui, é um fato analisado e resolvido através de uma sentença do
Superior Tribunal de Justiça:
“Foge
ao limite do controle jurisdicional o juizo de valoração sobre a oportunidade e
conviência do ato administrativo, porque ao judiciário cabe unicamente analisar
a legalidade do ato, sendo vedado substituir o Administrador Público.”
O
que se diz aí é que mesmo cidadãos condenados a viver atrás das grades tem
direitos que devem ser respeitados, o que inclui, inclusive, o respeito pela
divisão de poderes que caracteriza o regime democrático.
Não
é preciso acrescentar mais nada, certo?
Num
país que assiste a passagem dos 50 anos do golpe de 64, é bom refletir sobre o
que acontece com seus prisioneiros. Não custa recordar que a face mais horrenda
da ditadura foi construída em seus cárceres.
Paulo
Moreira Leite
Diretor
da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do
Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de
direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da
Casa".
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