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O so ciólogo e cientista político Emir Sader entende que o PT enfrentará sua
eleição mais fácil em 2014 na reeleição da presidente Dilma Rousseff. Ideólogo
e pensador dos mais fieis ao PT, filiado
desde 1984,argumenta que a facilidade se deve à redistribuição de renda e aos
resultados dos programas sociais “que mudaram o País”.
Sader
diz que os discursos do governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) e do
senador Aécio Neves (PSDB-MG), ambos presidenciáveis, estão dissociados da
realidade social brasileira, razão pela qual, crê, os dois não têm chances
contra o PT.
E
vai além: o cientista político avalia que, ao lançar-se contra Dilma, Eduardo
perdeu a chance de ser o candidato de Lula nas eleições presidenciais de 2018.
O
sociólogo abriu o 5º Congresso Latino-Americano de Juízes do Trabalho, em Porto
de Galinhas, onde concedeu entrevista ao jornalista Ayrton Maciel, do Jornal do
Commercio (leia aqui). Sader admite que o PT perdeu uma de suas duas grandes
bandeira, a da ética na política, com o julgamento do mensalão. A outra é a da
justiça social.
Sader
acompanha com expectativa as negociações entre PT e PMDB para as eleições
regionais. Primeiro suplente do senador
Lindbergh Farias (PT-RJ), assumirá vaga caso o correligionário entre e vença a
disputa pelo governo do Rio de Janeiro.
A
entrevista:
JC -
Diante de uma crise mundial, ameaça de
inflação e PIB pequeno, o que justifica o otimismo exagerado?
EMIR
– O Brasil sofreu a ditadura militar, a crise da dívida (externa, quitada no
governo Lula) e com governos neoliberais. São três retrocessos brutais que a
América Latina, em geral, sofreu. A região foi penaliza pelas mudanças no
mundo, e o Brasil em particular. O resgate disso é formidável. É a auto-estima
dos brasileiros, o prestígio do Brasil no Exterior, o Estado que estava desfeito, ainda mais em um
mundo recessivo, num mundo conservador. Em outras circunstâncias, um crise
(mundial) como esta nos teria levado a uma recessão estúpida. Nós baixamos o
nível de crescimento, mas por quê? Porque nós temos integração regional,
intercâmbio de relações com vizinho, intercâmbio Sul-Sul, com a China em
particular, e o mercado interno de consumo popular. Como diz o Lula, o pobre
não é problema, é solução. Você distribui renda e ele consome, você depende
menos da demanda do centro do capitalismo (Estados Unidos, Japão, Europa).
Então, tem que valorizar isso, que só foi possível pelo grau de democracia
existente. Hoje, há uma maioria progressista no Brasil, que elegeu Lula,
reelegeu Lula, elegeu e vai reeleger Dilma, graças às políticas sociais. Temos
que ter uma continuidade política que não é uma manobra do Estado, é o
prestígio social de políticas que não foram feitas anteriormente. É
estabilidade política. O Brasil não é um país de risco econômico, mesmo
baixando o ritmo de crescimento.
JC -
Há risco à estabilidade do país, quando nas redes sociais a direita faz
convocação para reeditar a Marcha da Família de 1964?
EMIR
– Isso é bobagem. Golpe militar é outra coisa. Tem que ter uma crise profunda
do Estado, crise profunda da economia, crise social, não é assim que se faz.
Faz-se o jogo deles (nas mídias), começando a divulgar isso
desproporcionalmente. A Dilma tem todas as chances de se reeleger no primeiro
turno, porque tem uma maioria política e social no Brasil que não é nem o susto
do primeiro governo Lula. Há uma estimativa de que é uma eleição previsível,
que até se ganhasse a oposição, não iria fazer coisa muito diferente.
JC -
A novidade da eleição 2014 é um ex-aliado, Eduardo Campos (PSB), unido a Marina
Silva – ex-petista – para enfrentar Dilma. Pode ser o diferencial?
EMIR
– É a eleição mais fácil que o PT tem, ajudado por uma oposição equivocada. Os
tucanos fazem a parte deles. O Eduardo está disputando votos com o Aécio
(Neves, PSDB-MG). Criticando tanto a Dilma, que tem 40 e tantos por cento dos
votos, ele está tentando conquistar os votos da Dilma que estão consolidados.
Imagine com o tempo de televisão que tem a Dilma para divulgar as ações do
governo, vai ser avassalador. E ele está disputando votos com o Aécio, pela
aliança e por falar as mesmas coisas que o Aécio fala. A hora da candidatura dele está errada, o
programa está errado, o tom tá errado e os aliados estão errados. Ele vai se
escangalhar. Vai perder no Nordeste, e talvez perca em Pernambuco se Lula fizer
uma campanha forte. Se ele quiser se lançar daqui a quatro anos, pode ser. Não
perde nada, é um governador do Nordeste desconhecido que vai ser (com a
campanha) conhecido, mas não tem nenhuma chance de competir.
JC -
A avaliação e a candidatura do PSB são, então, apenas eleitoral?
EMIR
- É uma ambição pessoal. Ele poderia até ser o candidato do Lula,
eventualmente, com quatro anos mais (em
2018), mas não se conteve na ansiedade ou por outro motivo, não sei porquê, e
se lança, mas dá a impressão que ele está num círculo fechado sem saber o
sentimento do País. Ele fala coisas desencontradas. Ele eleva o tom com coisas
em relação à presidente Dilma, e aí sai o nível de criação de empregos no
Brasil que não tem nada que ver com o que ele fala. Ele está desencontrado do
País. Ele fala o que seria conveniente. O País tinha que estar muito mal para
ele se dar bem.
JC -
O discurso sobre nova política, novas práticas, não é novo no País. Houve com
Getúlio Vargas (1930), Jânio Quadros
(1960) e Fernando Collor de Mello (1989). Ele substitui o discurso da reforma
política. Em circunstâncias históricas diferentes, retorna quando há crise
econômica, política ou questionamento ético ao governo. Este é um discurso
padrão?
EMIR
- Este é o discurso da Marina (Silva, Rede Solidariedade), que Eduardo assumiu.
Ele não tem nada de nova política. Que governo o PSB fez aqui? Com quem ele se
aliou em Pernambuco? A Marina poderia sintonizar com as manifestações de ruas
do ano passado, é a única candidata que cresceu no prestígio. Não tanto, mas
cresceu, e que poderia representar isso (que Eduardo fala). É a única que
falaria para os jovens e teria um certo diálogo. O Aécio (Neves) também fala
que é preciso renovar o País. É porque cada um acha que é o mais novo possível.
Esse discurso não aparece tanto, porque se aparecesse ele não estaria, mesmo
com o apoio da Marina, tão baixo nas pesquisas. Nem a prática política nem a
imagem (de Eduardo) correspondem ao discurso. Pode ser até que ele tenha
algumas ideias, mas a imagem dele na sociedade não tem nada a ver com política
nova.
JC -
O nascimento do PT teve duas vertentes: a intelectual e a sindicalista. Em 33
anos, houve perda de quadros intelectuais e distanciamento das propostas e
princípios iniciais. Isso tem a ver com a perda de quadros intelectuais que
orientavam o partido?
EMIR
- O PT deu certo. Não pela via original. Muita gente fala "tenho saudade
do PT". Tenho certeza que o povo brasileiro não tem saudade. Não que
aquele PT fosse ruim, mas nas condições de conservadorismo, retrocessos e
derrotas, ele não teria ganho (o poder), não teria conseguido fazer a política
social que faz, não teria conseguido fazer política internacional que faz. Lula
foi um genial arquiteto. Conseguiu construir uma política, inclusive de
alianças para viabilizar as transformações que o povo usufrui. A militância (petista)
diz, "Ah, eu gostaria de voltar...", só que aquele PT estaria na
oposição até hoje, e o povo estaria na mesma situação miserável de
antes.
JC -
Mas, a imagem do PT também mudou. Não é a mesma do principio.
EMIR
– A avaliação de um partido não é só a da sua vida interna. É a sua interação
com o conjunto do País. Tem muita coisa a ser mudada no PT e o PT, como
partido, pagou um preço injusto pela crise de 2005 (o mensalão). A imagem do PT
foi prá baixo e a imagem do Lula foi para cima. Com justiça, pela política
social que ele fez. Na verdade, o governo (petista) também tem um prestígio tal
que o partido fica muito à sombra dele.
JC -
O PT precisa, então, ser repensado pelos petistas?
EMIR
- O problema do PT é (responder á indagação): qual é o papel de um partido
político de esquerda, hoje? Os partidos de direita perderam função. É a mídia
que desempenha o papel de direção política da oposição. Na esquerda, qual é o
papel? Não dá para organizar 1,5 milhão de pessoas (número de filiados). Aí,
fica uma democracia interminável. Tem que ter um partido que dê orientação, que
dê formação, mas quem tem que organizar é o povo. São momentos sociais. Tem que
repensar essas coisas. Agora, não há sentimento negativo em relação ao PT. É
preciso refletir, mas no marco político geral do País. Não é voltando para
dentro de si mesmo. Ao observar o lugar do PT na história (recente) do Brasil,
certamente ele é vitorioso. Nenhum partido tem o apoio político que ele tem.
Então, é preciso ampliar o marco da reflexão sobre a situação do PT.
JC -
A indefinição ideológica não favorece a surgimento de crises internas no PT?
EMIR
– O PT é mais forte do que nunca, tem mais voto do que nunca. Vai eleger pela
quarta vez o presidente da República. O PT não tem definição (ideológica, na
esquerda), porque a esquerda, em escala mundial, está numa crise de identidade.
O socialismo do século 20 desembocou numa derrota. Era totalmente artificial
achar que a esquerda latino-americana está preparando o socialismo do século
21. O que é que se ache da Venezuela, não agora, mas em um período melhor, não
era socialismo. É nacionalismo. É objetivo de futuro. Então, não está
redefinido o que é socialismo. Hoje, o PT é frontalmente anti-neoliberal.
Alguns setores querem ser anti-capitalistas, outros, não. É uma discussão ainda
a se fazer. O Lula resolveu, empiricamente: aonde tinha resistência, recuava;
aonde tinha fragilidade, avançava. É um processo do qual tem-se feito um
balanço até para saber se hoje dá para ser só anti-neoliberal ou se tem que ser
anti-capitalista.
JC -
Então, o PT vive numa contradição interna?
EMIR
- O Brasil está doente de capitalismo. O
incentivo à especulação financeira é inerente a esse grande capital que está
aí. O forte elemento recessivo que vem de fora e que está dentro, resiste a
distribuir renda, a reciclar o sistema para produzir para a massa da população.
É estrutural, e não só a taxa de juros. Dá para com esse grande capital privado
que está aí continuar com a democratização do País ou o Estado tem que ter uma
intervenção muito mais significativa para redirecionar a posição? Até agora,
foi redirecionado para a redistribuição de renda. Mas, há uma resistência
forte. Hoje, o hegemônico no mundo não é o capital automobilístico é o
financeiro, na modalidade especulativa. Quer ganhar dinheiro assim, porque
ganha mais que o produtivo, tem liquidez total, paga menos imposto e tem poder
de pressão mais forte. Quebrar a hegemonia do capital financeiro é possível só
no modelo redistributivo atual? Esse é um dos três problemas hoje pendentes: o
capital especulativo, o peso do agronegócio e o peso do monopólio das
comunicações. São três pendências que têm que ser resolvidas para se avançar na
democratização.
JC -
O PT chegará, então, a um momento em que vai se encontrar diante de si mesmo,
quando então terá de se definir? Não será agora?
EMIR
- Faz parte da indefinição da esquerda em escala mundial. Deveria ser (agora),
mas as transformações estruturais da
sociedade brasileira ainda não foram feitas. As relações de poder, a democratização
da terra e do crédito, são elementos estruturais de reforma que não foram ainda
feitas. Então, tem que se ter uma reflexão muito mais profunda do que aquela
coisa empírica de distribuir renda e criar uma nova demanda, redirecionar a
produção. Isso chegou a um certo limite, relativamente. Mas, tem que ter essa
discussão mais profunda, sim, que não é só ideológica sobre o socialismo ou
não. É sobre a sociedade brasileira, sobre o que é possível e necessário fazer.
Provavelmente a direita vai ter uma derrota grande. Nunca os tucanos vão estar
reduzidos a uma proporção tão pequena, e a mídia também, porque ela está
empenhada pró-oposição. Estão desencontrados do sentimento do povo brasileiro.
Vai-se abrir espaço para uma avanço maior nas transformações da democratização
do País.
JC -
Uma das principais bandeiras do PT era a o combate à corrupção. Com o episódio
do mensalão, em 2005, desde então essa bandeira saiu das campanhas eleitorais
do partido. O PT vai conseguir, mais à frente, superar isso e resgatar essa
bandeira?
EMIR
- O que quer que tenha acontecido, factualmente, e evidentemente não foi o
enriquecimento dos que participaram, foi uma formidável operação de
marketing político. A criação do
imaginário do mensalão, na cabeça das pessoas ficou como: chegavam os políticos
com a mala vazia, no Palácio do Planalto, subiam para uma sala, enchiam de
dinheiro e iam embora. Ficou isso. O PT perdeu esse debate lá atrás. Ou porque
não tinha outra versão a dar ou porque a que tinha não possuía meios para isso.
Todos os desenlaces posteriores, inclusive as condenações, são resultantes da
perda daquele debate. Os juízes (ministros do STF) não são canalhas. Eles não
queriam passar para a sociedade a ideia de que são coniventes com a corrupção,
porque ficou (a imagem) que era corrupção. Se era enriquecimento pessoal ou
não, houve desvio de recursos. Punido com as normas legais, houve desvio,
evidentemente. E isso afetou o PT. O partido tinha duas marcas: a justiça
social e a ética na política. A campanha de 94 (Lula versus FHC) foi exatamente
isso. Esse foi um tema que o PT perdeu. O PT passou a reiterar a outra perna da
história, que é a política social. O PT não pode falar (mais) sobre ética na
política sem prestar contas disso. Em termos de marketing e imagem pública, ele
perdeu o debate. O que resgatou o PT foram as políticas sociais. Se imaginava
que Lula seria derrotado pelo mensalão e não foi, porque as política sociais
começaram a funcionar. Até o PT mudou a sua base social. Não é mais aquela base
de classe média e sindicalista. É muito mais o povão das grandes periferias das
cidades do centro-sul e do Nordeste. É resultado das políticas sociais do
governo.
JC -
E o PMDB, a presidente Dilma vai conseguir controlar a ânsia por cargos?
EMIR
- Uma candidata que 85% dizem que vai ser reeleita, alguém acha que o PMDB vai
ficar fora dessa parada? Não vai ficar. Está disputando para ter mais espaço
dentro do governo. É o partido mais governista da história do País. A Dilma
sabe que se desgasta no Congresso, mas cada vez que ela resiste e pega pesado
(com o PMDB) ela ganha apoio popular. Está nas pesquisas. É um jogo de
equilíbrio.
JC -
Se o PMDB abandonasse o governo, Dilma e o PT aceitariam Eduardo como vice?
EMIR
- Não, o PT está rompido com Eduardo. Se o PT resistia, é porque ele de vice
estaria em condições privilegiadas para preparar a sucessão depois, embora
vários setores do PT estavam sensíveis à ideia de alternância (em 2018). E
seria com ele (Eduardo). Acho que ele jogou fora. Se o Lula e a Dilma
estivessem convencidos disso, era um nome fortíssimo. Agora, não. Além do mais,
seria excluir o PMDB, que uma parte dele foi muito fiel ao governo.
Infelizmente, a esquerda fica mais enfraquecida para ter maioria no Congresso,
vai depender mais do PMDB, porque o PSB se desgarrou. Ganhando a Dilma, o PSB
vai ser o quê? Governo, oficialmente? Depois do nível de vocabulário que estão
veiculando? A esquerda vai ficar dividida.
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