segunda-feira, 24 de março de 2014

O império da hipocrisia




A hipocrisia, sempre presente na vida da Humanidade, continua presidindo a ação dos homens, especialmente na atividade política. Muitos políticos, contando com um espaço garantido na mídia, fazem declarações sobre os adversários, mesmo conscientes de que o que estão dizendo nem sempre corresponde à verdade. Ainda recentemente o líder do PSDB na Câmara Federal, deputado Antonio Imbassahy, acusou a presidenta Dilma Rousseff de ter praticado "um crime" contra o Brasil por ter a Petrobrás comprado uma refinaria em Pasadena, nos Estados Unidos. A compra, aprovada por unanimidade pelo Conselho Administrativo da empresa, na época foi considerada um bom negócio, mas hoje está sendo vista pela oposição como um negócio prejudicial ao país.
Sem entrar nos detalhes da transação e mesmo admitindo-se ter sido um mau negócio – o que não parece, considerando-se que a refinaria está dando lucros – pergunta-se ao líder tucano: se a compra de uma indústria em solo americano foi um "crime", conforme disse, como classificar a venda da Vale do Rio Doce para o capital estrangeiro, incluindo as riquezas do subsolo brasileiro? A venda da Vale, a empresa que mais dava lucros ao país, na verdade foi um crime de lesa-pátria, mas o parlamentar prefere fazer vista grossa para essa transação – a exemplo da Grande Mídia, que se beneficia com gordas verbas publicitárias – e hipocritamente faz acusações à adversária política do seu partido. Isso é apenas um pálido exemplo do que se tornou rotina no comportamento de muitos políticos.
Do mesmo modo, um grupo de alienados – muitos dos quais certamente não vivenciaram os anos de chumbo – decidiu fazer uma manifestação em favor de um golpe militar, às vésperas do 50º aniversário do golpe de 1964, aparentemente convencido de que uma ditadura seria a melhor solução para acabar com a corrupção que supostamente campeia no país. Em primeiro lugar é preciso lembrar que a corrupção é uma praga que existe no mundo desde os primórdios da Humanidade e que hoje está mais visível devido à liberdade de expressão, o que não acontece numa ditadura. Isso não significa que a corrupção está maior, mas só numa democracia, com a liberdade de denúncia, é possível combatê-la. Ainda bem que a tal Marcha com Deus acabou num tremendo fiasco, com cerca de 700 pessoas desfilando com faixas pelas ruas de São Paulo, o que significa que o povo está esperto e não dá importância a essas maluquices.
Por sua vez, os dois principais candidatos oposicionistas à Presidência da República, Aécio Neves e Eduardo Campos, concluíram que a melhor maneira de atrair votos é batendo na presidenta Dilma Rousseff. Para ambos, todos os atos do governo federal estão errados e, por isso, o Brasil vai muito mal. Eles sabem que esse cenário não é verdadeiro, mas insistem em apenas apontar problemas sem, contudo, indicar as soluções. Indiretamente estão contribuindo com aqueles que desejam uma intervenção militar no país, embora sejam netos de homens que lutaram contra a ditadura quando ainda se encontravam nas fraldas: Tancredo Neves e Miguel Arraes. Na verdade, graças à estrada democrática aberta com a participação dos seus avós é que eles estão buscando chegar ao Palácio do Planalto pelo voto popular. Deviam, portanto, pensar melhor antes de algumas declarações estapafúrdias.
O que mais surpreende, porém, é que homens que se escafederam do país durante o regime militar, como Fernando Henrique Cardoso e José Serra, continuam deitando falação contra o governo mesmo com enormes rabos de palha, enquanto os que ficaram aqui e lutaram contra a ditadura, como José Dirceu, estão presos justo pela democracia que ajudaram a restaurar. O doce exílio de Serra e FHC no Chile, este desfilando pelas ruas de Santiago em seu Mercedes azul, contrasta com a vida de perigos de Dirceu e José Genoino, que permaneceram aqui lutando por um Brasil livre. Condenados sem provas, com base na "teoria do domínio do fato", ou seja, em rumores veiculados pela chamada Grande Imprensa com foros de verdade, eles pagam hoje o preço do seu idealismo, o que nem a ditadura conseguiu.
Parece estranho, por outro lado, o imobilismo diante da afronta à Constituição de quem tem o dever de defendê-la. O ex-ministro José Dirceu continua há quatro meses preso em regime fechado, contrariando o semiaberto para o qual foi condenado, sem que alguma providência concreta seja tomada para coibir o abuso de poder do ministro Joaquim Barbosa e do seu pupilo Bruno Ribeiro, juiz de Execuções Penais do DF. Até hoje Dirceu é o único que não teve decidido o seu pedido para trabalhar fora do presídio. Tem-se a impressão de que o processo do mensalão foi montado com o único e exclusivo objetivo de atingi-lo, deixando os outros como figurantes. Muitos já criticaram a maldade praticada contra Dirceu, mas ninguém adotou ainda qualquer medida concreta para defendê-lo, nem mesmo o seu próprio partido.
Enquanto isso, a imprensa do condicional continua fazendo vítimas, rotulando pessoas de corruptas e destruindo reputações. O jornalismo do "off", do "teria", do "entreouvido", mais interessado em influenciar do que informar, prossegue em sua prática deletéria, fazendo a cabeça de muita gente, até mesmo dentro do Judiciário, onde o senso de justiça vem sendo substituído pelo partidarismo. O povão, no entanto, felizmente já demonstrou que não mais se deixa influenciar, conforme atestam as pesquisas. E provavelmente está convencido, a despeito do noticiário tendencioso, de que mais cedo ou mais tarde a Justiça prevalecerá. E que o império da hipocrisia não terá no futuro o espaço que tem hoje, o que tornará as pessoas melhores e mais confiáveis.

Ribamar Fonseca

Jornalista, membro da Academia Paraense de Jornalismo e da Academia Paraense de Letras; tem 16 livros publicados

Nenhum comentário: