sábado, 26 de fevereiro de 2011

Uma trégua para Dilma


Eneas de Souza



Por que estamos em tempo de relativa calmaria? Por que este início de 2011 está assim tão morno? Ao menos, no Brasil. Férias? Não sei. Temos poucas declarações fortes, pequenos ataques miúdos — sem muita artilharia — e uma oposição meio sem rumo e sem nenhuma estratégia. A vitória eleitoral da Dilma matou os adversários. A mídia tradicional vai ter que recuar os atacantes porque, na distribuição da verba do governo, ela pode ter um gol contra. E o governo, sabendo disso, manera o jogo, aceita porque tem que fazer uma composição política complexa e sempre difícil de renovar e de sustentar o pacto social que garante um governo. No presente, ele olha os atores: capital financeiro internacional, capital bancário brasileiro, capital produtivo tropicalista, classe média ansiada por novos bens, trabalhadores e o conjunto da população. Como articular esse descontínuo e desigual espectro? Se no ano passado, a temperatura do crescimento foi lá em cima, hoje, agora, neste ano, vai ser necessário controlar os gastos públicos (que foram deslumbrantes no ano eleitoral) e controlar a cabeça desse cão danado que é a inflação.


Mas esse controle e esse cão não podem ser tratados com aquele purgante blá, blá, blá dos neoliberais: ajuste fiscal com corte de gastos. Corte de gastos, nessa visão, atua sempre sobre funcionários, previdência, salários, baixa de impostos para o capital, mas nunca corte de juros, por exemplo. O que a Dilma vai fazer tem que ver com a preservação do investimento, com o arrefecimento de algumas despesas vinculadas a interesses políticos e com uma reorganização, uma hierarquia e uma dilatação no tempo dos dispêndios. Tudo para fazer e preservar o gasto público para que o investimento nacional — PAC, “Minha casa, minha vida”, inversões do setor privado, etc. — chegue a 21/22 % do PIB. Veja-se que, no governo de FHC, mal chegava a 15%. Claro, algo tem que diminuir o ritmo: vai haver uma menor corrida na recuperação de salários, uma distensão na contratação de pessoal no setor público, etc. Logo, é absolutamente indiscutível: vai haver uma racionalidade do gasto. O que não será jamais a velha conversa fiada e afiada do ajuste público neoliberal.


E isso será possível porque se pode combinar uma estratégia de longo prazo com as escaramuças do curto. E essas, internamente, são limitadas porque o Lula e a vitória eleitoral de Dilma dizimaram a oposição. Embora o neoliberalismo não esteja totalmente derrotado, já que tem tentado retornar ou tem se mantido presente nos Estados Unidos. Contudo, no caso brasileiro, o seu resultado foi e é pífio. Um leite derramado, para falar como o Chico Buarque. As realizações de Lula, sobretudo, em torno de uma política coerente para os grupos desfavorecidos jogaram definitivamente para o silêncio histórico o neoliberalismo, FHC e Serra. Digo bem, silêncio histórico. Embora a dupla venha gastando as suas inodoras palavras nas entrevistas em grandes (?) jornais brasileiros. E até mesmo Alckmin e Aécio Neves parecem chegando à cena política como sombras fugazes. O discurso de FHC, então, tem sido patético, um ex-presidente sem eco, uma voz arrastada e salobra — ele que chegou a ser um grande intelectual, o príncipe da sociologia, pois não é que se encaminha, lomba declinante, para ser uma figura abaixo daquela do ex-presidente Dutra. Ele, FHC, cujo alvo era superar Vargas — “a era Vargas acabou”, disse — e o próprio JK! Pois Dutra, que foi um presidente inexpressivo, contudo teve o mérito de calar-se no seu pós-governo. FHC dá sempre a impressão de que se pedirem, ele volta a ser candidato, pois, para ele, o cargo de presidente foi eterno…


Seu discípulo Serra, com o seu mau humor — nem sequer simpático como o de alguns franceses — mostrou em todos esses últimos anos a incompetência política, revelada por falta de faro, por escolher sempre combates equivocados, por fugir das tarefas árduas, etc. E o mais fantástico, ele, que preservou um ar de personagem nacionalista no escancarado governo globalizado de FHC, acabou desmascarado nas suas falsas posições pró-Brasil. Apareceu fortemente como um homem das privatizações (depoimento de FHC) e arengando de forma pedestre contra a Petrobras. Porém FHC e Serra e o PSDB continuam lutando, talvez para manter São Paulo. O que se revela neste teatro político algo como um retábulo da Idade Média. Pois como é que esse Estado vota em Alckmin que, na Prefeitura, comandou uma obra de metrô que se tornou uma das mais vastas crateras urbanas de São Paulo e do Brasil? (Isso sem falar das atuais e quase permanentes chuvas de verão!) Lembro, para salientar esse caso, de Godard falando do cinema: o cinema não é uma técnica, o cinema não é o real, o cinema quer ser mais que o real, o cinema é, em verdade, um mistério. São Paulo caminha nessa linha, é mais real que o real. O que é então? É um tema inexplicável: ainda ouvem FHC, Serra e Alckmin. Até bem pouco tempo, não deixavam de escutar o Maluf. Godard teria razão se falasse de São Paulo em vez de cinema: São Paulo é um mistério!


Resta, no PSDB, Aécio. Ele continua com duas grandes qualidades: uma herdada, neto de Tancredo, e uma pessoal, também na linhagem do avô, a serenidade. O seu problema é que sua ideologia mais comum é a do neoliberalismo, porque por sua simpatia poderia ter ameaçado Dilma na eleição passada. Agora vai ter que fazer um esforço tremendo: conquistar o PSDB ou fazer um outro partido. Sabe amarrar alianças, tem fidelidade, e é simpático. E é mineiro. Só que quais são as idéias que vai arrumar para ganhar a população? O incrível de Aécio é que, antes da eleição, ele era um político nacional, poderia ganhar da Dilma. Hoje, mesmo sem ter concorrido — e com o fracasso de Serra e do PSDB, como ideologia e como partido — ele retornou ao nível de político estadual com pretensões a nacional. Logo, vai ter que correr e nadar muito. E o vento no Brasil não está favorável ao caminho neoliberal. Muitos industriais já estão gritando pela entrada do governo na economia e pelo desenvolvimentismo. Portanto, águas revoltas contra Aécio e música para Dilma.


Assim, o que sobra é o seguinte: depois das primeiras vitórias do governo na Câmara e no Senado, a velha pergunta de início de mandato — é preciso dar uma trégua para o governante? — tem, no presente caso da Dilma, uma resposta simples. Não, não é preciso dar uma trégua, porque não existem adversários organizados e fortes e com posições críticas e com ideologias inovadoras. Portanto, a oposição que jogue seu esqueleto fora e comece a construir um outro corpo político, o que requer repensar o Brasil, re-inventar uma nova concepção de país, definir a construção de uma nova e vigorosa estratégia nacional e, quem sabe, a reformulação ou a invenção de novo ou novos partidos. E, sobretudo, emerge uma bela oportunidade: trazer ao primeiro plano da sociedade brasileira figuras políticas de perfil contemporâneo. O passado neoliberal no Brasil acabou!


Publicado originalmente no blog Econobrasil

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