terça-feira, 11 de novembro de 2008

CONCORDO EM NÚMERO, GÊNERO E GRAU


Utopias industriais

Ainda discorrerei com mais propriedade sobre o que penso desta crise financeira. Mas queria adiantar umas palavras. Tenho um pouco de leitura de economia clássica, mas acho que, neste caso, com em quase todos, nada melhor do que um pouco de filosofia comum. Ou seja, o velho, o milenar, o incomparável bom senso. Talvez até valha um poema. Ezra Pound inspirava-se em economia para escrever, assim como Bukóswki o fazia lembrando de seus porres e frustrações amorosas.

Em primeiro lugar, não acredito nesta crise. É uma crise superfaturada, artificial. Crises genuínas derivam de excesso de produção, ou ausência de demanda, acidentes climáticos, guerras, epidemias devastadoras. Nada disso aconteceu. A produção agrícola e industrial do mundo prossegue vigorosa. A demanda, mais ainda. O aquecimento global tem, ironicamente, beneficiado a produção agrícola mundial (o que não lhe tira o potencial nocivo para o futuro). Os países em desenvolvimento têm apresentado um crescimento notável nos últimos anos.

Politicamente, o mundo também está numa boa fase, com consolidação da democracia em grande parte do globo. Tirando a África, a pobreza tem caído rapidamente na Ásia e na América Latina. A Rússia superou os depressivos anos que sucederam a queda da União Soviética e conseguiu renovar seu parque industrial e restabelecer-se geopoliticamente através da descoberta de gigantescas jazidas de petróleo. Hoje a Rússia é, de longe, o maior exportador de petróleo do mundo.

É curioso ouvir analistas dizendo que a queda nos preços do petróleo irá atrapalhar a vida na Venezuela e Rússia. Ora, é extremamente saudável que esses países "acordem" para uma economia pós-petróleo, porque se trata de um combustível que não vai durar para sempre. Venezuela, principalmente. Qual o grande problema de Chávez? Ao não conseguir se posicionar politicamente de maneira pragmática frente a iniciativa privada, Chávez deixou a indústria venezuelana minguar. Nisso os empresários do país talvez tenham sido os principais culpados, mas Chávez também teve culpa. Por causa da facilidade proporcionada pelo petróleo, a Venezuela não conseguiu diversificar a sua economia, o que é muito negativo. Acredito, todavia, que o problema tem causas mais profundas do que somente a questão do petróleo. As elites venezuelanas decidiram, deliberadamente, sabotar a economia do país, e será preciso que as novas classes, emergentes, substituam as velhas, e não apenas reconstruam o parque industrial, mas que produzam uma nova mentalidade empreendedora, única maneira do país ingressar na via do desenvolvimento sustentável.

No Brasil, a crise financeira não causará grandes danos, porque somos um país com vastos recursos naturais, e conseguimos diversificar nossas exportações de maneira extraordinária e consolidar um vigoroso mercado interno.

A crise financeira é fundamentalmente americana, embora com forte consequência na Europa. Os EUA, há tempos, lidam com um déficit comercial monstruoso, e um endividamento externo cada vez mais insustentável, o que significa que os americanos vêm gastando o que não têm, alimentados por uma ideologia imediatista, baseada no luxo e no disperdício.

Uma possível queda das exportações brasileiras para os EUA não causariam danos graves à economia brasileira. No máximo, obrigaria nossos empresários a valorizarem ainda mais nosso mercado interno, além de causar queda natural no preço das mercadorias, ajudando a estabilizar a inflação e gerando aumento de consumo. Não podemos esquecer que, por ocasião da crise de 1929, cerca de 90% das exportações brasileiras iam para EUA e Europa. Uns 70% iram para os EUA. E o que aconteceu? O Brasil sofreu com a crise, mas foi a oportunidade de iniciarmos, finalmente, o nosso processo de industrialização.

Por fim, gostaria de falar, especificamente, nas constantes crises das indústrias automobilísticas. Nesse ponto, acho que sou meio xiita. Sou contra carro. Quer dizer, adoro dirigir, pegar táxi, andar de carro. Mas acho que a civilização não pode continuar abarrotando as cidades de carros como vêm fazendo. Eu tive uma idéia revolucionária. Uma idéia que talvez seja implantada daqui a algumas décadas. A idéia é a criação de uma estatal (ou corporação privada, não importa, o que vale é ser universal) de aluguel de carros, que tenha locadoras distribuídas em todas as cidades e em todos os bairros do país, de maneira que, se eu quero usar o carro por uma semana, uma noite, um mês, alguns dias, eu vou na agência e alugo. Muito mais barato que enterrar R$ 50 mil numa mercadoria que desvalorizará a taxas de quase 10% ao ano, além de me consumir impostos altíssimos, multa, estacionamentos, manutenção. Se a sociedade parasse para pensar o quanto gasta com máquinas que vão para o lixo em poucos anos, teria um choque. Eu ando nas ruas e as vejo abarrotadas de carros vazios, estacionados, atravancando a passagem de seres humanos. Os carros são sub-utilizados, e ficam parados 90% do tempo. Com as agências, teríamos oportunidade de usar carros somente quando precisássemos. Pensei numa estatal porque teria garantia de universalidade em todo país, funcionamento 24 horas, e preços baixos e regulados. As pessoas poderiam usar carro quando quisessem, e as cidades poderiam respirar aliviada.

As cidades deveriam ser cortadas por grandes e modernas ciclovias, feitas não para o lazer, mas para a locomoção intra-municipal. As estradas deveriam ter ciclovias e vias para pedestres. Acho simplesmente grotesco que os governos gastem bilhões para construir estradas que não permitem o trânsito de pedestres. É pior que na Idade Média, do que em Roma Antiga, onde as pessoas podiam andar de uma cidade a outra, tranquilamente.

E trens, claro. Não dá para fazer, pelo menos num primeiro momento, um sistema ferroviário capilar no Brasil, mas deveria haver trens ligado as regiões. Sudeste ao Sul, Sudeste a Centro-Oeste, Sul a Norte, Sul a Nordeste. Ou ligando as capitais brasileiras. A viabilidade econômica desses trens seria garantida não apenas pelo transporte de passageiros, mas sobretudo pelo de cargas pesadas.

Alguns afoitos podem achar que minha idéia sobre os carros poderia causar crise na indústria automobilística, reduzindo a venda de auto-peças no mundo. Bobagem. Essa idéia poderia até aumentar o número de carros no país, mas desconcentraria, certamente, o volume de trânsito nas grandes cidades. Ao facilitar o acesso, a locação pública levaria o carro para o interior do país, permitindo que todo brasileiro pudesse usar um carro quando quisesse.

Moro no centro do Rio, perto de Santa Teresa, bairro histórico onde dou um passeio às vezes. Em Santa Teresa não há calçada. Somos obrigados a andar pelo meio da rua, correndo o risco de sermos atropelados por ônibus, bondes ou carros. Por quê? Porque os dois lados das calçadas estão ocupados por carros estacionados, por carros parados, mortos, muitos dos quais são usados raramente. Permanecem ali, parados, enfeiando a cidade, perdendo valor, atravancando o trânsito dos pedestres.

Pegando o trem de idéias utópicas, outra que eu tenho é para resolver o grande gargalo do cinema brasileiro: a distribuição. O governo federal poderia criar uma estatal com objetivo exclusivo de construir salas de cinema em todo país, com foco nas áreas mais carentes em cultura, como as periferias das grandes cidades e os municípios pequenos e médios. Uma iniciativa desse porte teria excelentes resultados no campo da educação e, portanto, ajudaria a melhorar a qualificação dos trabalhadores e, provendo lazer, reduziria a criminalidade nas áreas violentas. Se é função do Estado dar educação a seu povo, creio que nada melhor do que dar cinema a preço de custo! Sei que Arnaldo Jabor prefere cinemas a R$ 25 dentro shopping centers, passando exclusivamente filmes americanos. Mas dane-se o Jabor! Essa estatal poderia ter uma programação selecionada por uma comissão nacional formada por especialistas de vários segmentos, e poderia incentivar não apenas filmes brasileiros, mas também obras latino-americanas. Aliás, tal iniciativa poderia ser uma estatal, ou para-estatal, gerida pelo Mercosul, com objetivo de melhor integrar os povos. Sonhar não custa nada!

Nenhum comentário: