domingo, 16 de novembro de 2008

CRISE! NÃO ESTOU VENDO A CRISE


Ah, essas crises!

Não é que eu seja um cândido otimista, mas toda vez que lembro o que nós éramos, há poucos milhões de anos, simples amebas deixando a vida nos levar, sinto-me revigorado. Nem preciso ir tão longe. Imaginem o estrago e o pavor causados no Brasil pela crash da bolsa de NY em 1929. Pessoas saltando de prédios em Wall Street, o mundo capitalista ruindo, e as exportações brasileiras sendo praticamente paralisadas. Num tempo em que não tínhamos petróleo, indústrias de base, nada. E, paradoxalmente, foi aquela crise que nos despertou politicamente. Vargas liderou uma revolução, pôs fim à política do café com leite, que girava exclusivamente em torno de concessão de privilégios cambiais e empréstimos paternais a fazendeiros de Minas e São Paulo (uma espécie de era tucana pré-Vargas), e deu início a um período de rápida e intensa industrialização. Após 24 anos da chamada era Vargas (1930 a 1954), teremos um Brasil preparado para o futuro.

Sempre é bom recordar o que fez Vargas. A ideologia neoliberal, na sua eterna tentativa de desmerecer o papel do Estado na economia, procura, há décadas, descontruir a importância de Vargas para a história brasileira. Vargas criou a Eletrobrás, a Petrobrás e a Companhia Siderúrgia Nacionais. Para quem não sabe, o sistema elétrico brasileiro estava em mãos de companhias britânicas e metade do país estava às escuras, pois essas firmas não tinham interesse em ampliar a rede para regiões pouco habitadas e sem industrialização. O paradoxo é que justamente por não terem eletricidade, as regiões não se desenvolviam e perdiam população para as grandes cidades. A oposição à Vargas, com apoio irrestrito de jornais como O Globo, lutou por 7 anos contra a criação da Eletrobrás, através de obstruções parlamentares. Vargas encontraria a mesma fúria oposicionista na sua luta para criar a Petrobrás e para instituir o salário mínimo. A oposição, após ser derrotada no Congresso, e sempre apoiada por jornais conservadores como O Globo, O Estado de São Paulo e a Folha, apelou para o Supremo Tribunal Federal contra a lei do salário mínimo. Enfim, perdeu também lá.

A história de derrotas da direita no Brasil experimenta uma reviravolta em 1964, com a implantação do regime militar. A partir daí, não haveria mais lutas parlamentares, nem pressão social. As decisões impopulares e anti-trabalhistas seriam impostas brutalmente.

Mas não quero me estender sobre história. Queria falar sobre a crise. A midia, de fato, vem ampliando seus efeitos por aqui, disseminando pânico e pregando um pessimismo generalizado, sem procurar análises econômicas mais consistentes, de médio e longo prazo, que permitam ao país olhar para si mesmo com mais confiança, acima dessa ansiedade e nervosismo superficiais.

É ridículo. O Brasil acaba de encontrar as maiores reservas de petróleo do planeta. Com a perspectiva de forte aumento da demanda mundial de etanol, o Brasil será o principal beneficiado, pois é o único com disponibilidade de terras e clima, além da tecnologia e know-how, para abastecer esse mercado em ascenção. O açaí, cuja extração é totalmente ecológica, promete ser uma das grandes frutas do século. Temos café, soja, milho, carnes. A produção brasileira de trigo, setor onde ainda somos deficitários (porque somente no Rio Grande do Sul há clima favorável para esta cultura, e a Argentina nos fornece, historicamente, trigo a custo mais baixo), cresceu mais de 40% este ano.

Estou sendo otimista em demasia? Eu tenho culpa de viver num país tão grande, com tantos recursos naturais?

Como podemos ter superado a crise de 1929, em condições infinitamente mais adversas e, mais que isso, tê-la transformado num salto histórico, num período de rápida e intensa industrialização, e agora tremer diante desta outra, que nos encontra em nosso melhor momento?

Essa crise está servindo a vários propósitos interessantes. Gerou uma virada ideológica nos EUA, elegendo um negro de esquerda. Desmoralizou a ideologia neoliberal, que tanto estrago fez no mundo. E fez o mundo ver a importância do Estado como instância civilizadora dos mercados.

No meu caso, essa crise me fez pensar o seguinte: porque existem bancos privados? Tô falando sério. Estou achando que não devia existir instituições financeiras privadas, apenas estatais. Qual a contribuição do banco privado para o capitalismo? Nenhuma! O banco privado serve apenas para gerar crises períodicas. De dez em dez anos, governos são obrigados a "doar" alguns bilhões, ou trilhões, de dólares para "salvar" bancos privados. No Brasil, na época do Proer, o governo FHC "doou" aos bancos o que seria hoje, em valores atualizados, R$ 70 bilhões.

As pessoas não acreditam, mas não sou comunista. Sou capitalista. Acredito no livre mercado. Mas bancos privados, a meu ver, não são livre mercado. Eles não democratizam o crédito. Ao contrário, seus critérios são obscuros, aristocráticos, não capitalistas e não modernos. O crédito de um país deveria estar nas mãos de instituições estatais, quiçá independentes de governos, se preferirem. Mas em poder de instituições estatais reguladas pela Constituição, que estivessem proibidas de usar o crédito de um país em operações especulativas.

Essa crise tem reforçado a minha convicção de que bancos privados são nocivos à economia capitalista. Veja só. O Banco Central transferiu dezenas de bilhões de reais aos bancos privados para que estes irrigassem o sistema produtivo nacional. E os bancos privados, simplesmente, na maior cara de pau, não repassaram o dinheiro! Não, usaram para comprar títulos e, agora vemos, para comprar outros bancos! Quer dizer, temos um enorme colchão financeiro para nos proteger da crise, para não reduzir o volume de crédito circulante em nossa economia, e quando pegamos esse dinheiro, os bancos privados o sequestram! Dizem que é preciso "se capitalizar". Ora, a função do banco não é se "auto-capitalizar", e sim ajudar a sociedade a se capitalizar.

E agora, governos do primeiro mundo foram obrigados a comprar e sanar bancos privados, gastando trilhões de dólares em operações altamente obscuras. Esse dinheiro poderia ser usado para solucionar a crise econômica social da África e Oriente Médio, minorando sensivelmente o problema de imigração e criando um gigantesco mercado comprador para os próprios europeus. Mas não. Os recursos foram usados para salvar bancos privados "em crise".

Não tem lógica. Os bancos privados acumulam lucros trilionários e ninguém vê a cor do dinheiro. E quando têm crise, eles correm para a mídia para dizer que, se não forem salvos, a economia mundial irá desmoronar? Nada disso. Não engulo essa. Eu levo a minha vida, humildemente, com muita dificuldade, e nenhum governo vem me ajudar. Nem quero que me ajude. Quero que o governo ajude os que precisam mais do que eu, que tenho instrução, energia e saúde para me virar. E aí vejo governos ajudando banqueiros e magnatas da indústria automobilística? Não consigo entender. Quer dizer, entendo muito bem. É negociata. É malandragem.

Tem mais: eu podia dizer aqui que o Clovis Rossi é um estúpido. Pensando bem, ele é um escravo. A Folha esfola o coitado. Você lê matérias imensas escritas por ele, na parte de economia, e o cara ainda é obrigado a redigir, diariamente, uma notinha editorial na página 2! Deus! Na notinha editorial, ele repete, idiotamente, que não entende nada de economia, e aí é escalado para cobrir encontros internacionais de... economia!

Nosso amigo Eduardo Guimarães está certo. A mídia está fazendo terrorismo econômico, e convencendo empresários a demitir e cortar investimentos. Mas vou dizer uma coisa. Esses empresários imbecis que acreditam na mídia vão se ferrar. Essa é a beleza da história. Os empreendedores de estados que vivem momentos de forte crescimento, como os do nordeste, que apostarem no Brasil terão a sua chance agora. O efeito da crise, no Brasil, será reduzir ainda mais o peso de São Paulo na economia, já que são os empresários paulistas os mais "aterrorizados" pela crise.

A Folha, por exemplo, diz que foram cortados dezenas de milhares de postos de trabalho da indústria paulista. Mas não diz quantos foram contratados, para a gente verificar O SALDO. Nível de emprego a gente verifica no saldo, quantos saíram, quantos entraram. Num estado com mais de 40 milhões de pessoas, um corte de 40 mil empregos não quer dizer muita coisa. Existe muita mobilidade na economia paulista. Corta-se 40 mil vagas aqui, abre-se 60 mil vagas acolá. Informem direito! Por exemplo, se foram cortadas 80 mil vagas em outubro, mas criadas 50 mil. Então o saldo negativo é de 30 mil, o que minimiza e contextualiza o primeiro número.

Empresários entrevistados admitiram que as vendas não caíram. Cortam vagas porque vem perdendo "a confiança". Ou seja, estão lendo demais a Folha. Tenho a impressão de que a melhor medida anti-crise para o Brasil seria o fechamento de alguns jornais. Depois da internet, os jornais brasileiros não tem mais nenhuma função prática que não fazer política partidária. Até aí tudo bem. O negócio é que estão todos do mesmo lado, rebanhos obedientes tocados pelo pastor José Serra, e que esse lado representa o que há de mais atrasado ideologicamente. O pouco de prestígio que o tucanismo ainda possuía acaba de ser enterrado com essa crise. A extrema-direita, pendurada nos ombros do PSDB, agora se vè mais perdida e perplexa do que nunca, depois da vitória esmagadora de um negro de esquerda nas eleições presidenciais norte-americana.

Uma das piores sequelas da ditadura foi ter fortalecido os jornais de direita e quebrado os com perfil mais progressista. Tivéssemos ainda um Última Hora, um Correio da Manhã, um Jornal do Brasil (o original, não a versão caduca e falida de hoje), haveria um equilíbrio mais saudável e mais divertido na imprensa.
Comentário.
Tenho recebido algumas reclamações, ainda que esporádicas, que os textos do Óleo do Diabo são longos. É verdade, os textos do blog de Miguel do Rosário são, na sua maioria, longos, mas também é verdade que, não obstante ser Miguel um sujeito de cultura ímpar, ele escreve didaticamente, sem contar, não raro, com um viés cômico, o que torna prazerosa a leitura, o que não ocorre, por exemplo, com um artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo.

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