domingo, 23 de novembro de 2008

PRONTO! ACABOU-SE O MUNDO

Jurista alemão citado por De Sanctis em justificativa foi teórico do nazismo


Eduardo Ribeiro de Moraes

Magistrado responsável por casos polêmicos, autor de algumas medidas pouco ortodoxas na condução dos seus processos, o juiz da 6ª Vara Criminal Federal, Fausto De Sanctis respondeu às críticas que vem recebendo. Em palestra no Rio de Janeiro, realizada na segunda semana de novembro, ele justificou seus atos —que até admitem técnicas especiais nas investigações da Polícia Federal—, citando Carl Schmitt, jurista alemão que foi um dos teóricos do nazismo.

Diante da repercussão dos desdobramentos da operação Satiagraha, De Sanctis, responsável pelo caso, vem sendo alvo de manifestações de diversos setores do mundo jurídico. Durante o julgamento do habeas corpus do banqueiro Daniel Dantas, os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) chegaram a fazer severas críticas à atuação do magistrado.

Em tom de desabafo, o magistrado disse que a Constituição não é mais importante que o povo e que serviria apenas como um modelo. Quando afirmou que o texto constitucional não passaria de um documento e que o povo é a Constituição, De Sanctis citou Carl Schmitt.

Esta referência feita pelo magistrado vem proporcionando discussões acaloradas. Para o constitucionalista e professor da Faculdade de Direito da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, o pensamento de Schmitt serve para fundamentar Estados autoritários e ditatoriais e não deve servir de base para o exercício da jurisdição.

“Talvez o esforço do magistrado seja para querer justificar o exercício de algum poder estatal sem a observação da Constituição. O que não é admitido em um Estado Democrático de Direito”, analisa Serrano.

No mesmo sentido aponta o professor titular de direito administrativo da PUC-SP e profundo conhecedor do direito público, Adilson de Abreu Dallari. Para ele, a citação feita remete a fundamentos nazistas. “A obra de Schmitt é grande, como teórico do Estado, mas numa determinada base ele efetivamente deu subsídios para o nazismo”, diz.

“Talvez premido pelas circunstâncias, pelo fato de ter que justificar as suas atitudes, o juiz Fausto De Sanctis encontrou, no texto de Carl Schmitt, uma saída que, realmente, não se sustenta. Este pensamento é completamente contrário à jurisprudência dominante na orientação do Supremo”, avalia Dallari.

Serrano explica que dentro da lógica do pensamento de Schmitt, o fundamento da soberania não é o povo em essência como diz o juiz, mas a capacidade do chefe do Executivo (soberano) em decidir.

“Com todo respeito que merece o eminente magistrado De Sanctis, penso que, ao citar Carl Schmitt, ele cometeu um equívoco com a sua própria função, pois todo o discurso criado pelo jurista alemão foi exatamente para enfraquecer o poder do Judiciário e do Legislativo na sociedade. Pelo pensamento de Schmitt, o Executivo deveria ser fortalecido, com o chefe do Poder desempenhando o papel de imperador”, ressalta o constitucionalista.

Poder Judiciário

Pedro Serrano considera que a formulação feita por De Sanctis ignora um aspecto que, de certo modo, dá a razão de existência ao Judiciário, da forma como ele é constituído hoje. Pelo pensamento de Schmitt, não há espaço para existir um Judiciário como nos moldes atuais. “Não há espaço para existirem juízes, basta o Führer, basta o imperador para existir o Estado”, diz o professor.

Para Dallari, o grande problema da declaração de De Sanctis está justamente em contrariar completamente a atual orientação do STF, que é no sentido de dar máxima eficácia aos preceitos constitucionais.

“De Sanctis disse que o povo está acima da Constituição. O Supremo entende que a Constituição está acima do povo porque é ela que retrata aquilo que o povo queria. A Carta é fruto da vontade popular. O povo não está acima da Constituição porque foi este mesmo povo quem realizou esta mesma Constituição. Cumpre então, ao Judiciário aplicar a Lei Maior da maneira que o povo a concebeu” afirma Dallari.

Na análise de Pedro Serrano, dentro do pensamento de Schmitt, o inimigo não possuía garantia alguma e o governante (o Führer, no caso) era quem detinha o direito sobre a vida e a morte das pessoas. Ele lembra que nem mesmo o direito à vida era salvaguardado às pessoas que eram tachadas como inimigos do Estado. “A conseqüência da reflexão do eminente magistrado De Sanctis, na minha modesta opinião —porém divergindo dele—, é tratar uma parcela da comunidade como sendo um ser não-humano, posto que desprovida totalmente de direitos”, observa Serrano.

Para Dallari, De Sanctis ultrapassou os limites da sua função. “O magistrado desbordou, ele foi além dos limites da discricionariedade judicial. O juiz possui uma grande liberdade, mas esta liberdade tem limites, a atuação de Fausto De Sanctis foi além destes limites. E depois ele tentou justificar, só que a justificativa foi bem pior do que os atos praticados. Ele se enterrou mesmo na justificativa, que até poderia ser feita, desde que dentro do sistema jurídico, de acordo com valores”, considera o professor.

Corrente doutrinária

O professor de direito constitucional entende que tentar resgatar as idéias de Schmitt seria uma postura absolutamente equivocada, mas lembra que o juiz Fausto De Sanctis não seria o único a utilizar este argumento, que tem sido adotado por várias pessoas no ambiente acadêmico. “Penso que há hoje uma tendência nas universidades e no ambiente jurídico de alguns setores em querer, de certa forma, recuperar Carl Schmitt, o que, para mim, não é possível”, considera Serrano.

Apesar de entender como inviável hoje o resgate das idéias de Schmitt —principalmente pela sua natureza anti-semita, mas também pela redução da soberania do Estado face ao poder do soberano— Pedro Serrano recorda que, na década de 80, na Alemanha, em alguns outros países da Europa e nos EUA, houve alguma mobilização nesse sentido.

“A possibilidade de existir um Estado de exceção não regrado por nada, que dá poder absoluto ao chefe do Executivo, seria uma temeridade no mundo de hoje. Seria o retorno à época do Estado absolutista, à época dos déspotas esclarecidos. Se existe a vontade de resgatar o pensamento de Carl Schmitt, é preciso primeiro contextualizar o seu discurso”, alerta Serrano.

Para Dallari, durante muito tempo no Brasil, existiu uma escola de direito alternativo que frutificou mais no Rio Grande do Sul. O professor lembra que esta escola fazia uma leitura bem aberta do texto legal para que o intérprete aplicador da lei se preocupasse exclusivamente em atender ao interesse público. Dentro desta posição, a este intérprete ficaria a perigosa incumbência de escolher o que seria interesse público.

“Esta posição do juiz De Sanctis não é absolutamente perdida no espaço, pois possui alguma base nesta escola de direito alternativo —entretanto, para mim, se é alternativo, não é direito”, ironiza Dallari.

Nota

Após a grande repercussão negativa que a citação recebeu, o magistrado, na segunda-feira (17/11), aproveitando a nota em que divulgou que o STF não foi objeto de grampos durante as investigações da operação Satiagraha, afirmou que a referência ao jurista alemão não reflete os seus valores democráticos.

“Este magistrado preza as leis e a Constituição, que, como também dizia John Marshall, esta última seria ‘a Constituição que nós estamos expandindo’, complementando Bernard Schwartz ‘um vivo e dinâmico instrumento que deve ser construído para atender às necessidades práticas da sociedade contemporânea’ (History of Supreme Court, New York e Oxford: Oxford University Press, 1993, página 380). Qualquer frase ou palavra deste magistrado pinçada ou extraída isoladamente, fora de um contexto lógico, não expressa seus valores democráticos na teoria e na prática”, disse a nota do juiz.

Fonte:Última Instância.Domingo, 23 de novembro de 2008
Comentário.

Por que essa celeuma toda?Menos, senhores juristas. Se as decisões do juiz De Sanctis fossem beneficiando o megamafioso Daniel Dantas, ou outro de sua laia, que, em regra, é defendido por advogado famoso, todos estariam elogiando as decisões do respeitável, impoluto magistrado, orgulho da magistratura nacional De Sanctis. Agora, como todas as decisões ferraram Daniel Dantas o juiz é alçado à condição de nazista.De registrar que, ao contrário da opinião do professor Dallari, vejo o Direito Alternativo com bons olhos, em qualquer dos ramos do Direito. Por exemplo, é inconcebível que um cidadão seja condenado, só porque o crime está previsto em lei, pela Justiça Criminal por ter matado um tatu, ou outro animal qualquer, para alimentar seus filhos.Nada justifica a condenação.E isto nada mais é que a aplicação do Direito Alternativo. Para mim, cadeia foi feita para bandido perigoso, sendo pobre ou rico, principalmente, para este, que tem poder e dinheiro.Tem mais, deixem Dr. De Sanctis continuar com seu trabalho competente, sério e corajoso. Escrevam artigos, dêem entrevistas mostrando a necessidade da condenação, da prisão de Dantas, um bandido, ao meu ver, de alta periculosidade.Por fim, não é por causa da linha doutrinária de um juiz, na sua arte de interpretar a lei e a Constituição. que o proceso tem de ser anulado, que o mundo vai se acabar.

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