Antônio Carlos Queiroz e Marcos Helano Montenegro
Ao que parece, o Correio Braziliense acaba de descobrir, com 43 anos de atraso, que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço financia obras de habitação.
A matéria de capa do Correio desta quinta-feira, 26, é um primor ou de ignorância ou de manipulação. O jornal afirma que o programa Bolsa-Moradia, lançada na quarta-feira pelo presidente Lula, será paga pelo trabalhador. Na manchete interna, o mote é repetido de maneira diferente: “Cortesia com o chapéu do trabalhador”. Mas, qual seria mesmo a cortesia?
Diz o jornal: “Sem recursos em caixa para arcar com todo o custo, o governo precisou buscar dinheiro no FGTS. Para subsidiar os compradores, o aporte do Tesouro é maior R$ 20,5 bilhões contra R$ 7,5 bilhões do FGTS. Mas, no financiamento, todo o dinheiro virá do patrimônio dos trabalhadores. O orçamento do fundo deste ano para a habitação mais que dobrou, passando para R$ 19 bilhões. Até 2011, serão R$ 57 bilhões”.
Ora, é o próprio jornal que afirma que a maior parte (quase três vezes mais) dos recursos para subsidiar a fundo perdido os beneficiários do programa virá do Tesouro Nacional. E é o próprio Correio que informa que a maior parte dos recursos do financiamento virá do FGTS.
O que o Correio não informa é que a parte dos recursos do FGTS que será utilizada em subsídios do programa Bolsa-Moradia será retirada não das contas de titularidade dos trabalhadores, mas de rendimentos financeiros que integram o patrimônio líquido do fundo, obtidos com aplicações em títulos da dívida pública realizada na época do governo FHC, quando o fundo praticamente deixou de investir em habitação popular e saneamento básico.
Se esses recursos não estão vinculados às contas dos trabalhadores, qual seria mesmo a cortesia que o governo Lula quer fazer com o chapéu desses trabalhadores?
A Lei 8036, de 11 de maio de 1990, com emendas posteriores, estabelece que os recursos do FGTS devem ser aplicados em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana. A lei determina que o Ministério das Cidades é o gestor da aplicação do fundo e que a Caixa Econômica Federal é o agente operador. Cabe ao Conselho Curador do fundo, onde estão representados o governo, os empresários e os trabalhadores, a fixação das diretrizes e os programas de alocação de “todos os recursos do FGTS, de acordo com os critérios definidos nesta lei, em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal” (art. 5°,
alínea I).
Os requisitos para a aplicação do fundo, listados no artigo 9° da Lei 8036, são numerosos, rígidos, ,mas asseguram financiamentos mais baratos que os dos agentes financeiros privados. Pergunta-se outra vez: qual é a cortesia que o governo Lula quer fazer com o chapéu dos trabalhadores, cujos recursos aplicados no FGTS financiarão parte do programa Bolsa-Moradia e serão devolvidos com juros e correção monetária?
Mal redigida e pior manchetada, a matéria do Correio oferece outras afirmações no mínimo curiosas. Dizer que a solenidade de anúncio do programa Bolsa-Moradia “teve evidente conteúdo político” parece uma afirmação indigna até do conselheiro Acácio, não é não?
É prerrogativa da chamada “imprensa livre” ter a opinião que quiser a respeito dos programas do governo ou de qualquer outro programa. Mas a pauta negativa e sectária que tem marcado o Correio Braziliense nos últimos tempos deveria ficar restrita à sua página de opinião, para não contaminar o serviço de esclarecimento ao leitor que o jornal se propõe prestar.
Antônio Carlos Queiroz é diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e da Cooperativa Habitacional dos Jornalistas
Marcos Helano Montenegro é engenheiro civil sanitarista
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