terça-feira, 31 de março de 2009

A retomada em obras



31/03/2009

Luiz Antonio Cintra


Anunciado em clima de campanha pelo presidente Lula, pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pela ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, o pacote habitacional lançado na quarta-feira 25 foi festejado pelo empresariado e sindicatos ligados à construção civil. Economistas ocupados em reverter a drástica desaceleração econômica vivida pelo País também viram com bons olhos as medidas. Em todos os casos, chamou atenção o volume de dinheiro envolvido no programa, de 34 bilhões de reais do Orçamento federal, com prioridade à parcela da população mais pobre, que terá crédito subsidiado. Pelos cálculos do governo, 80% dos recursos atenderão as famílias com rendimento de até 2,8 mil reais.

O viés econômico do conjunto de medidas levou em conta a ampla capacidade de geração de empregos e renda característica do setor, que hoje emprega mais de 2 milhões de pessoas no País. Soma-se a esse fator a baixa utilização de matérias-primas importadas. É consenso que o pacote terá o efeito de estimular o mercado doméstico, sem pressionar as importações e a balança comercial de modo geral, nos últimos meses em estado de alerta diante do agravamento da crise mundial.

A produção de minério de ferro e de produtos siderúrgicos está entre os setores mais beneficiados, hoje às voltas com a queda vigorosa da demanda em países desenvolvidos, como EUA e Japão, mas também na China. A consequência foi a queda generalizada dos preços internacionais dessas commodities. A exportação de minério de ferro caiu 30% nos primeiros meses do ano. A de produtos siderúrgicos, 50%.

“O programa vai mobilizar a produção de aço, alumínio, revestimentos, madeira e bens de capital, entre outros. Com isso, vamos movimentar a formação bruta de capital fixo e sustentar os investimentos”, afirmou Mantega durante o lançamento. O ministro estima que serão criados mais de 1 milhão de novos postos de trabalho, levando em conta a expectativa de construção de 1 milhão de novas casas e apartamentos. “O PIB crescerá mais 2% além daquilo que cresceria normalmente”, afirmou. Para evitar cobranças, Lula preferiu não estabelecer prazo para a meta visada.

O pacote também terá o efeito de aumentar a parcela de recursos destinados ao financiamento imobiliário no País, historicamente baixo. Nos EUA, onde o crédito para a compra de imóveis detonou a crise atual, o total de empréstimos imobiliários é de aproximadamente 70% do PIB. Na Inglaterra, de 75%. Espanha e Alemanha, de 45%. No Brasil, escassos 2%.

No caso dos financiamentos às populações de baixa renda, o dinheiro seguirá o caminho tradicional: sairá dos cofres federais para os programas estaduais e municipais de moradia popular.

O governo também ampliou as possibilidades de uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na aquisição de imóveis. Na quinta-feira 26, o Conselho Monetário Nacional (CMN) passou de 350 mil reais para 500 mil reais o valor máximo dos imóveis financiados com recursos do fundo. Além disso, criou uma linha de crédito para as construtoras implementarem a infraestrutura dos conjuntos habitacionais a ser construídos. Lula também assinou uma medida provisória que permitirá o uso de terras da União para a construção das moradias. E reduziu os custos com a burocracia para o registro dos imóveis de menor valor.

Embora recebido com otimismo, o pacote desapontou urbanistas e estudiosos atentos à problemática urbana nacional. O enfrentamento do crônico problema da habitação popular, e mesmo o déficit habitacional estimado em quase 8 milhões de moradias no País, afirmam os especialistas, ainda aguarda uma nova rodada de medidas e maior planejamento público. As cidades brasileiras, como ressaltam os especialistas, são marcadas pela precariedade e a irregularidade de uma ampla parcela das residências já existentes, sem as qualificações técnicas necessárias. E os desdobramentos das medidas anunciadas sobre o panorama das cidades brasileiras são no mínimo incertos, especialmente nas regiões metropolitanas.

“É perigoso confundirmos política habitacional com política de geração de empregos. Embora tenham relações óbvias, não são sinônimos. Construir moradias é produzir cidades. E o risco é transformarmos o sonho da casa própria em pesadelos de cidades apartadas e insustentáveis”, escreveram os urbanistas Raquel Rolnik, professora da FAU-USP, e Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, ao tomarem conhecimento das primeiras medidas do plano.

À CartaCapital Nakano complementou: “Será um desafio grande garantir terras urbanizadas e adequadas às prefeituras. E de qualquer forma o pacote prevê resolver apenas 1/8 do déficit existente, o que reforça a ideia de que o problema habitacional não será solucionado por meio de uma canetada. Requer uma política planejada que necessariamente extrapola o período de um mandato”. O urbanista chama atenção para a relevância da participação dos Conselhos Municipais de Políticas Urbanas na definição das moradias populares a serem construídas pelo País. Sem isso, certamente aumentará a probabilidade de o “sonho virar pesadelo”.

Nos últimos anos, com a maior oferta de financiamento, o que se viu foi um aumento do estoque de imóveis populares “encalhados” em regiões distantes dos centros urbanos. Para morar relativamente perto do trabalho, os potenciais compradores desses imóveis optam por reformar suas casas, mesmo aquelas localizadas em favelas. Os preços dos terrenos nas periferias subiram, reforçando a exclusão urbana.

A análise do economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, vai na mesma direção. “Como política anticíclica, o plano é bem-feito. Nota-se que o programa se destina a ativar as empresas de engenharia e as construtoras do País, mas não para resolver a questão da habitação popular. Para tanto, seria preciso enfrentar a precariedade da infraestrutura urbana e a falta de crédito a custo baixo para os mais pobres para a compra de material de construção.”

As medidas fazem parte do esforço do governo de se contrapor à crise, cujos efeitos são o aumento do desemprego e queda generalizada dos investimentos. Na mesma linha de outras medidas anunciadas desde o fim do ano passado, a começar pela redução da taxa de juro básica, considerada tímida e lenta pelos críticos, mas também a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre os automóveis. A redução do IPI, por sinal, deverá ser renovada por mais três meses na terça-feira 31, quando expira o prazo dado inicialmente. Ou o refinanciamento das dívidas de pessoas físicas e jurídicas com a Receita Federal, cujo prazo de adesão encerra-se também no dia 31. Nesse caso, o governo agora trata de negociar com o Senado o teor da Medida Provisória 449, aprovada pela Câmara também na semana passada.

A versão original da medida, baixada pelo Ministério da Fazenda, prevê o perdão das dívidas de até 10 mil reais vencidas há mais de cinco anos até o dia 31 de dezembro de 2002. E o parcelamento em até 60 meses com redução de juros e multa para as dívidas de mesmo valor, vencidas até 31 de dezembro de 2005. Até a terça-feira 31, o contribuinte inadimplente encontrará o link no site da Receita para aderir ao refinanciamento.

Ao chegar ao Congresso, no entanto, os deputados, inclusive da base governista, ampliaram o escopo da MP, que ainda promete dar dor de cabeça ao ministro Mantega e sua equipe. Após longa negociação com as lideranças, conseguiram que o relator da medida, deputado Tadeu Filippelli (PMDB-DF), reduzisse seu apetite. Ainda assim, Filippelli conseguiu ampliar o prazo de financiamento para 180 meses, corrigido pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), hoje em 6,5% ao ano. No original, a correção seria de 11,25%. CartaCapital.

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