17 DE ABRIL DE 2009
Kucinski
Em artigo publicado na edição deste mês da Revista do Brasil, o jornalista e professor da USP Bernardo Kucinski comenta como a grande imprensa tem feito a cobertura da crise nos últimos meses. Segundo ele, o Valor Econômico publicou. noticiou no início do mês de março, nada mais nada menos que 15 manchetes e títulos com a palavra "crise".
Era "crise" para todo o lado, quando havia e quando não havia. "Teles lucram mais apesar da crise". Bem se lucram mais, não há crise para elas, então porque dizer "apesar da crise"? Ou "Mesmo com crise, JBS aposta nos EUA". Ou ainda: "Contra a crise Volvo investe na AL".
Nessas manchetes, diz Kucinski, o fato noticiado é a negação da crise, mas o sentido transmitido é de crise. "Manchetes revelam como os editores querem que o leitor receba a notícia. Direcionam o modo de leitura. E muitos leitores ficam só nas manchetes. Imagine o empresário lendo essa edição do Valor. Depois da palavra ‘crise’ tanto martelar sua cabeça, imediatamente manda rever os investimentos, cortar gastos e horas extras", explica.
Segundo Kucinski, a palavra "crise" virou o que o filósofo francês Roland Barthes chamou de "mito", não no sentido de lenda, e sim como um conjunto de significações que vão além de própria palavra. Nosso empresário pensou imediatamente em queda brutal nas encomendas, atrasos nos pagamentos, necessidade de agir rápido para evitar o fim de sua querida firma. O fim do seu mundo. O fim do mundo. A narrativa da crise virou a narrativa do fim do mundo. "Crise" tornou-se obsessão lingüística e editorial.
1929
Já no início, a mídia se referenciou na crise de 1929 — tomada por economistas como o precedente do que está acontecendo —, a qual recebeu na história econômica o nome especial de "depressão", reservado apenas para esse episódio, assim como "holocausto" é designação exclusiva de outro fim de mundo. A crise de 29 foi realmente um fim do mundo. No pico da depressão, o desemprego chegou a 30% da força de trabalho e nem por um prato de comida havia emprego. Assim nasceu a narrativa mítica desta crise, como reprise de uma história que já havia virado lenda.
Em dezembro, o catastrofismo da mídia inglesa chagou a tal ponto que a Confederação das Indústrias Britânicas acusou formalmente a mídia de realimentar a crise difundindo previsões alarmistas não-fundamentadas e relacionando empresas sólidas a outras em dificuldades. Chamá-la de "crise global", como se fosse de todo o planeta, ajudou a ofuscar sua relação com o financiamento das guerras imperiais americanas através do alto endividamento e, principalmente, com o modelo neoliberal.
O colapso dos bancos foi tratado como fruto de anomalias, desvios passíveis de ser corrigidos. Hoje, segundo Kucinski, o fio condutor já é a catástrofe em si mesma, como se ela fosse um desastre natural, e não resultado da ação humana. Assim, a queda num setor acaba sendo explicada pela queda em outro.
Da Redação, com informações do Portal do Mundo do Trabalho
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