sexta-feira, 17 de abril de 2009

Queda do superávit e do spread: o choro dos neoliberais



Há no Brasil uma corrente de opinião que, mesmo quando parece morta e enterrada, dá o ar da graça. É o pensamento liberal, que por fazer parte do escopo ideológico que corre nas veias das oligarquias sempre se manifesta com força — e muitas vezes pela força. Isso ocorre agora, com a decisão do governo de forçar a queda do spread e de cortar a meta de superávit primário de 3,8% para 2,% do Produto Interno Bruto (PIB). Vozes convictas se ergueram das ruínas do regime neoliberal para proclamar a ''catástrofe'' que virá inexoravelmente com o “erro” do governo.



Por Osvaldo Bertolino, para o Vermelho

As manchetes dos jornalões, portalões e televisões não deixam dúvidas — o governo abril mão da “responsabilidade fiscal” para promover mais “gastanças”. Sempre nos últimos parágrafos, aparece a constatação que deveria ser as manchetes garrafais: com os mais de R$ 40 bilhões que serão tirados da ciranda financeira o governo poderá manter investimentos em infra-estrutura, programas sociais e incremento da máquina pública. Nas manchetes e nos lides aparecem figuras que ressurgem de um mundo que se imaginava já ser do além.

É o caso emblemático do ex-presidente do Banco Central (BC) e um dos sócios-diretores da consultoria Tendências, Gustavo Loyola. Na “era FHC” ele foi um dos ''pais'' do Plano Real e substituiu Gustavo Franco, o principal porta-voz dos banqueiros que comandavam o país, no comando da política monetária quando o desatre da paridade cambial era iminente. No comando do BC, mostrou-se mais liberal-canino do que o predecessor. Agora, Loyola reapareceu no noticiário econômico da mídia para condenar a ''politização indevida'' no debate sobre os juros no país.


Viés autoritário do “mercado”


Seu diagnóstico revela que, como no ditado, o lobo muda os dentes mas não muda a mente. ''É natural que as taxas subam em momentos de crise, pelo aumento da inadimplência. É uma defesa dos bancos'', disse Loyola, que teve encontros com membros do corrupto governo tucano gaúcho, comandado pela governadora Yeda Crusius, e com a direção do Banrisul, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul, “para traçar um impacto da crise nos próximos meses” — segundo a mídia. (Quando essa gente diz que está traçando alguma coisa, é bom abrir bem os olhos.)

Loyola faz uma análise que revela o viés autoritário do chamado “mercado” — sofisma criado pelos neoliberais para designar os mandantes da farra financeira. Para ele, o “mercado” não perdeu o satus de Deus.''(Os juros) são questões estruturais que têm de ser atacadas, mas que não podem ser resolvidas no curto prazo, nem mandando o presidente do Banco do Brasil reduzir, na marra, as taxas'', disse. Segundo Loyola, o “risco” (para quem?) é de uma instituição praticar taxa rebaixada, fora da precificação do seu custo, e resultar em perda de capital”.

Medida vai turbinar o PAC

Outro “risco” apontado pelos neoliberais é o de o país não crescer os 2% previstos pelo governo federal e a situação entrar em uma “zona cinzenta”, segundo outro “especialista em contas públicas”, o também liberal Raul Velloso, em declarações ao jornal O Estado de S. Paulo. Segundo ele, nesse caso o BC terá de reduzir a taxa básica de juros (Selic), hoje em 11,25% ao ano, para evitar um aumento da relação dívida/PIB. ''Toda a dúvida sobre a decisão do governo é se a economia vai ou não crescer 2% este ano”, diz ele. Velloso vê o corte de juros como um ''risco'' — a redução do superávit pode criar uma certa “intranqüilidade” no “mercado”, e reduzir o volume de entrada de dólar no país.

Outro especialista em contas públicas, de viés progressista, Amir Khair, ex-secretário da Fazenda da cidade de São Paulo, explica bem o problema: para ele, o corte nos juros é a solução. ''Com taxas menores, o resultado nominal das contas públicas, que regula a relação dívida-PIB, tenderia a ficar no mesmo patamar do ano passado'', afirma. Ele também destaca o efeito da redução do superávit no volume de investimentos no país, neste momento de crise. ''A medida vai ajudar inclusive a turbinar o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)'', diz.


O jornalista econômico José Paulo Kupfer ajuda a desmontar a falácia dos neoliberais. Em seu blog, ele explica que segundo projeções conservadoras o déficit nominal, em 2009, ficaria em torno de 1,5% do PIB e a dívida pública não passaria do equivalente a 35% do PIB, mantendo a trajetória de queda. “Essa é uma situação melhor — melhor não, muito melhor — do que o limite aceito pela União Européia que, pelo Tratado de Maastricht, definiu um teto de 3% do produto bruto para o déficit nominal e um volume de dívida pública de até 60% do produto bruto”, esclarece.


Argumentação descabelada

Kupfer lembra que “nem por isso a histeria fiscalista, vigente nas hostes do pensamento dominante entre nós, assentou o facho”. “Sua argumentação, descabelada, circula com desenvoltura, vocalizada pelos meios de comunicação, sem a menor cerimônia”, destaca. Ele publica um resumo dos pontos ''cansativamente martelados'':


1) Nos Estados Unidos, Europa e Ásia podem aumentar gastos públicos, na aplicação de uma política fiscal anticíclica. Aqui, não. Não temos margem e nossa história pregressa, de calotes, troca de moeda, gastança compulsiva etc. e tal nos veda essa alternativa;


2) Gastamos muito e gastamos muito mal. O governo deveria cortar seus gastos de custeio, que aumentam muito acima do PIB e da inflação, para, com isso, poder aumentar os investimentos. O atual conforto das contas públicas é só aparente e logo mais estaremos de volta aos nossos velhos dramas e constrangimentos fiscais.

3) Tomada às vésperas da eleição de 2010 e incluindo o ano eleitoral, a liberação de recursos fiscais, às custas do Tesouro, é uma medida populista e eleitoreira.

Capitalismo de panelinhas

Segundo Kupfer, “exceto uma parte da crítica à qualidade do gasto, é tudo uma óbvia bobagem, sem base na realidade, que se sustenta em mitos já derrubados pelos fatos”. Uma tentativa de escamotear a verdadeira motivação dos ataques à “gastança” é a disputa pelos recursos públicos, aos quais os detentores do capital e seus porta-vozes se lançam com uma velhíssima voracidade e que recrudesce sempre que surgem ameaças de ''desvios'' de dinheiro público para destinos sociais, enfatiza. O jornalista ironiza: “As contas públicas brasileiras ainda estão assim de entulhos do FMI. Agora que somos até credores do FMI, não há mesmo motivo algum para não acabar com eles. Nada pode ser mais chique — e mais proveitoso para melhorar o nosso país.”

Apesar da finíssima tirada, o assunto é sério. Os entulhos neoliberais têm, além de tudo, um componente moral. No auge das críticas à corrupta loja de luxos paulistana Daslu, Loyola disse que o fato de um investimento de cerca de R$ 150 milhões de reais gerar mil empregos diretos justificava tudo. ''As críticas feitas ao consumo de luxo não têm nenhuma lógica econômica'', disse. ''O que não ajuda a reduzir a pobreza é não haver consumo, seja de luxo ou de qualquer outra coisa'', afirmou.

Para os neoliberais, o capitalismo de panelinhas, somado aos setores financeiros especulativos, é a fórmula definitiva da evolução política. Seria o ponto final da história, na definição de Milton Friedman. A baronesa Margaret Thatcher foi a primeira a demonstrar isso na Inglaterra. Ela alterou o consenso keynesiano com mão de ferro e enfrentou os conceitos sobre o papel do Estado com teses que na verdade eram retalhos de velhas idéias liberais lançadas por terra ao longo da maior parte do século 20.

Figura das sombras do tucanato

Há grandes diferenças entre essas idéias e as do fascismo? Parece que não. Como exemplo, temos o caso da ditadura do general Augusto Pinochet, que já no início da década de 70 implantou as idéias de Friedman no Chile. No Brasil, dirigentes da economia do país na “era FHC” se entregaram completamente aos gestores de imensas massas de capital capazes de mover-se, com velocidade eletrônica, de uma ponta a outra do planeta.

Seu objetivo era: ganhar dinheiro. Seu método: tomar empréstimos na moeda X, trocá-la pela moeda Y e jogar na queda da primeira para pagar menos no vencimento do débito e colocar no bolso a diferença. Por aqui esse trabalho, batizado de ''Plano Real'', recebeu o apoio fanático dos prelados da mídia, dos economistas de direita e de adivinhos profissionais que vendem seus serviços como consultores.

Hoje, não há dúvida de que a festa acabou — apesar de que ninguém, salvo os liberais velhos e novos, jamais disse que havia uma festa. Era, a rigor, uma orgia, Loyola pertencia a um grupo que marcou época no reinado de FHC, formado por figuras como Daniel Dantas — figura das sombras do tucanato, tido por Mário Henrique Simonsen, ícone do liberalismo brasileiro, como um de seus três melhores alunos na Fundação Getúlio Vargas —, Pérsio Arida, André Lara Rezende, Edmar Bacha, Eduardo Modiano, Gustavo Franco, Edward Amadeo e o ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan.

Era a ''turma dourada'' do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro do final da década de 70 e início dos anos 80. Eles comandaram aquele processo, iniciado quando o neoliberalismo deus seus primeiros passos no início dos anos 90, pelo qual os interessados em comprar empresas do Estado iam buscar dinheiro quase de graça no BNDES.

Capitalismo à força

O economista Ney Bassuino Dutra, em artigo publicado no Monitor Mercantil, diz que o Brasil tem a sua economia algemada desde 1964, quando a indexação de juros imposta pelos monetaristas conseguiu a façanha de transformar o país no maior centro de agiotagem financeira do Mundo. Foi a arma que os neoliberais usaram, na década de 90, para pavimentar o caminho que levaria o Brasil ao abismo em pouco tempo.

Segundo ele, os monetaristas, desde 1964, ludibriam o povo brasileiro impondo um falso combate à inflação. “Os monetaristas que se apresentam prometendo ao povo extinguir a inflação, não passam de meros farsantes”, diz. “A terrível crise financeira que amedronta, abala, castiga implacavelmente as economias do mundo é resultante da aplicação imoderada da doutrina monetarista do neoliberalismo”, afirma. Para ele, os trabalhadores em geral são as maiores vítimas do monetarismo.

Não conseguindo exterminar a inflação utilizando juros extorsivos, os monetaristas imaginaram poder livrar a economia da ruína por meio do desemprego generalizado, explica Dutra. “Não entenderam, sequer, que a economia existe para servir a sociedade, não o contrário”, enfatiza. Pode ser que entenderam sim. O problema é que, como diz Noam Chomsky em entrevista à revista IstoÉ, o único lugar onde o capitalismo existe é nos países do Terceiro Mundo, onde ele é imposto à força. Vale complementar: à força de mentiras.


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