quarta-feira, 17 de junho de 2009

Entre Berlim e o Vaticano

17/06/2009

“Por Deus e contra a Turquia”, Lema da democracia-cristã alemã, na campanha para o Parlamento Europeu.

Pode parecer estranho, mas a crise econômica mundial não teve um papel importante na vitória das forças conservadoras, nas eleições para o Parlamento Europeu, do dia 7 de junho de 2009. Seu resultado final consolidou tendências que já vinham de antes da crise, e apontavam já faz tempo, para o fortalecimento da direita, em toda a Europa, incluindo a Grã Bretanha e a Espanha, onde os conservadores ganharam as eleições européias, mas permanecem na oposição, nos seus países. Por outro lado, o comentado crescimento da “extrema-direita” só se deu em alguns poucos países pequenos e inexpressivos, do ponto de vista eleitoral, dentro da UE. Da mesma forma, a derrota dos social-democratas e o declínio da esquerda, já vinha de antes, e não reverteu nestas últimas eleições por uma razão muito simples: os social-democratas são parte essencial da própria crise.

Relembrando uma história conhecida: a social-democracia européia abandonou a “utopia” socialista, depois da II Guerra Mundial, e só se converteu às teses e políticas keynesianas, no final da década de 50. Mas seguida, a partir dos anos 70, aderiu às novas teses e políticas neoliberais hegemônicas até o início do século XXI. E até hoje, na burocracia de Bruxelas, e dentro do Banco Central Europeu, são os social-democratas e os socialistas que em geral defendem com mais entusiasmo a ortodoxia macroeconômica e liberal. Neste momento, por exemplo, o ministro das Finanças alemão, o social-democrata Peer Steinbruech, é considerado por todos como a autoridade financeira mais ortodoxa e radical, nos governos das grandes potencias capitalistas. Além disto, os social-democratas e socialistas europeus não participaram da origem do projeto de integração européia, e nunca conseguiram formular uma visão consensual do projeto de unificação. Portanto, nestas últimas eleições parlamentares, os social-democratas e socialistas europeus não podiam ser vistos como uma alternativa frente à crise do modelo neoliberal, porque eles são de fato uma parte essencial da própria crise, e além disto não dispõem de nenhuma proposta específica para os impasses atuais da União Européia.

Deve se ter em conta, entretanto, que se este resultado eleitoral era previsível, ela também não anuncia nenhuma grande novidade pelo lado conservador. Em primeiro lugar, porque ela não altera a correlação das forças fundamentais que já existia dentro do Parlamento Europeu. E, em segundo lugar, porque a multiplicação dos votos e das organizações conservadoras aumentou em vez de diminuir as divisões que já existiam dentro da direita, e dentro dos 27 países que compõem a UE. Quase todos se opõem à entrada da Turquia na UE, querem acabar com a dependência energética da Rússia, e defendem a repressão dos imigrantes islâmicos. Mas ao mesmo tempo, a maior parte da “extrema-direita” é contra a própria unificação européia, e mesmo os conservadores ingleses são quase todos “eurocéticos”. Além disto, não existe neste momento, um acordo sobre a política econômica para enfrentar a crise e se mantém as principais divergências estratégias entre os atuais governantes conservadores. Ou seja, as forças de direita que ganharam as últimas eleições parecem uma Torre de Babel mais confusa como do que a Babel dos social-democratas, e de toda a esquerda continental.

Mas apesar de toda esta confusão, a Europa vai seguindo lentamente uma trilha que não aparece aos olhos do cidadão comum. O projeto de unificação européia foi concebido originalmente, no início dos anos 50, em grande medida, para incluir e desmilitarizar a Alemanha, e para conter a União Soviética, sob a batuta franco-americana. Mas depois de 1991, este projeto virou de ponta cabeça, com a reunificação da Alemanha e o fim da URSS. A partir daí, a Alemanha se aproximou da nova Rússia, e estendeu sua influencia a toda a Europa Central, alargando sua liderança econômica dentro da EU. Por isto, quando a primeira-ministra Ângela Merkel foi eleita, em 2005, pôde montar um governo de “união nacional” com os social-democratas, fortalecendo o governo e o estado alemão, para seu trabalho contínuo e silencioso em favor da aprovação da nova Constituição européia, o Tratado de Lisboa, e pelo controle político de todos os novos estados que se associaram à UE. Mais recentemente, a Alemanha assumiu a liderança das posições ortodoxas, dentro da Europa, transformando-se numa referencia mundial, na luta contra o intervencionismo estatal e contra qualquer tipo de ativismo do Banco Central Europeu.Decidiu absorver a sua própria crise, aceitando uma forte recessão, e transferindo para os grandes países importadores, a responsabilidade pela reativação da economia mundial. Além disto, vem utilizando o FMI, para socorrer as economias da Europa Central, dependentes da sua própria economia.

Por onde se olhe, as evidencias são cada vez maiores, de que Alemanha da Sra Merkel está tentando reproduzir a estratégia da Prússia, a sua ante-passada do século XIX. Em particular, a maneira em que a Prússia conseguiu expandir o seu poder, integrando na sua órbita de influencia, um por um, todos os 36 estados e 4 cidades livres da Confederação Germânica criada pelo Congresso de Viena de 1815, começando com a criação de uma União Aduaneira - o Zollverein, em 1834 - e culminando com a formação do Estado Alemão, em 1871.

Este novo projeto alemão do século XXI, entretanto, traz uma grande novidade ideológica, com relação ao seu “modelo original” do século XIX. No mesmo ano em que foi eleita a democrata-cristão, Ângela Merkel, o cardeal alemão conservador, Joseph Ratzinger foi eleito Papa, e desde então, apesar de suas “trapalhadas” internacionais, tem tido um papel decisivo na luta ideológica, dentro da EU. Defendendo a necessidade da Europa voltar às suas raízes cristãs, para recuperar sua identidade, sua força e sua liderança mundial. Daí sua crítica ao Islã e à entrada da Turquia na UE, e sua defesa da cristianização do projeto europeu, numa sintonia ideológica e religiosa cada vez mais fina, entre Berlim e o Vaticano.

José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Artigo originalmente publicado no site da Carta Maior (www.cartamaior.com.br)

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