06/08/2009
Paulo Cezar da Rosa
Nesta quarta-feira, 5 de agosto, o Ministério Público Federal apresentou relatório da investigação que vem fazendo há mais três anos sobre a corrupção no governo gaúcho. A investigação analisou mais de 20 mil telefonemas, e produziu mais de mil e trezentas páginas de relatório. O MPF decidiu por uma ação civil de improbidade, ao invés de uma ação penal. Ou seja, o MPF ao invés de tentar colocar os criminosos na cadeia decidiu por solicitar a perda dos cargos, o ressarcimento dos cofres públicos e a suspensão dos direitos políticos.
O Ministério Público Federal, em entrevista coletiva à imprensa, afirmou ter chegado a uma posição “segura e serena”. Um dos procuradores declarou: “Não haverá moleza para estes réus”. Outro, reconhecendo que a verdade apurada é negativa, manifestou esperança de que a sociedade não se deixe abater ainda mais.
A governadora e seus principais apoiadores não foram tipificados especificamente, mas o MPF deixou claro que os nove acusados foram “beneficiários, operadores ou intermediários” na operação que desviou 44 milhões de reais do Detran do Rio Grande do Sul. O processo ainda está sob sigilo e por isso o Ministério Público não pode ainda expor os motivos específicos pelos quais chegou às conclusões apresentadas. O PSDB reiterou apoio à governadora e diz que vai aguardar defesa.
Quando um Detran é mais que um Detran
O Departamento Estadual de Trânsito gaúcho, nos anos 80 e início dos anos 90, era muito mal visto pela população. “Tirar” uma carteira de motorista era uma operação complexa, que exigia inúmeras propinas. O Detran, de alto a baixo, era um organismo corrompido e corruptor. O governo Antônio Britto (PMDB, 1994-1998) decidiu fazer uma reforma radical no Detran, profissionalizando o órgão. O que antes era barato oficialmente, mas muito caro na prática pelas inúmeras propinas aos agentes do órgão, passou a ser caro na nota fiscal. O Rio Grande do Sul começou a ter uma das Carteiras de Motorista mais caras do Brasil.
Ainda não existe um relatório oficial a respeito, mas tudo indica que desde os anos noventa teria havido um processo de centralização da corrupção e uso dos recursos oriundos do Detran para financiar a política gaúcha. No transcorrer dos anos, o que antes era Caixa 2 passou a também ser fonte de enriquecimento pessoal de agentes políticos. Esta última fase, quando o PSDB gaúcho ascende ao poder, seria a fase terminal do processo. Membros do próprio PSDB já fizeram acusações não desmentidas de que o marido da governadora, na campanha de 2006, pegava o dinheiro da campanha no fim do dia e não prestava contas do destino dado no dia seguinte. Conforme denúncias na chamada “Operação Rodin”, o desvio de recursos no período recente seria da ordem de 44 milhões de reais.
Caixa 2 é coisa séria
Faz uns anos, um político importante no Rio Grande do Sul me segredou: “Paulo Cezar, disse ele, só existem três organizações centralizadas e transparentes que eu conheço nesse país: jogo do bicho, escola de samba e caixa 2.... Quando o caixa 2 não é transparente ou é descentralizado, pode saber que o político não vai longe.” A julgar pelas denúncias que vem sendo feitas sobre a conduta da governadora e de seus apoiadores mais próximos nos últimos dois anos, Yeda Crusius parece ter cometido os dois erros.
Mas enquanto os políticos desaprendem de fazer caixa 2 ( e não têm coragem ou interesse em aprovar o financiamento público das campanhas) o que está acontecendo no Rio Grande do Sul é emblemático. Acostumado a afirmar-se como uma terra de políticos éticos, o Rio Grande do Sul vem se revelando humano, afinal. E assim como tem cabido ao governo federal “vitaminar” a economia gaúcha com inúmeros recursos do PAC e outras linhas de financiamento e investimento, agora também é um órgão federal – o Ministério Público Federal – quem está pondo um freio na corrupção gaúcha.
O destino de Yeda
A governadora passou esta última semana praticamente incomunicável, provavelmente porque já soubesse o que estava por vir. Encastelou-se em Canela, no Palácio que o governo gaúcho mantém na serra gaúcha.
A ação do MPF pede o afastamento dos denunciados que ocupam cargos públicos enquanto perdurar o processo, o bloqueio de bens dos mesmos, e a quebra de sigilo envolvendo as provas pertinentes ao processo. Além disso, a ação civil de improbidade administrativa prevê a perda dos bens adquiridos ilicitamente, o ressarcimento do prejuízo aos cofres públicos, a perda do cargo ou função pública, a suspensão dos direitos políticos por um período de 8 a 10 anos, o pagamento de multa civil e a proibição de contratação com o setor público.
O caso agora está nas mãos da juíza Simone Barbisan Fortes, de Santa Maria, que notificará os denunciados para que apresentem sua defesa preliminar. A juíza decidirá também sobre o pedido de quebra de sigilo em torno das provas relativas ao processo e sobre o afastamento imediato das funções públicas.
CPI agora sai, mas e daí?
Uma das consequências imediatas da ação do MPF é a instalação na Assembléia do Estado de uma CPI para analisar as denúncias. De iniciativa da bancada do PT, o pedido de CPI tinha 17 assinaturas. Nesta quarta-feira, três deputados do PDT aderiram, assinando o pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito. Os efeitos de uma CPI, agora, no terreno jurídico, serão pequenos (o que uma CPI poderá vir a pedir – o impeachmente da governadora – na prática já foi solicitado pelo Ministério Público), mas no terreno da política a CPI na Assembleia poderá se tornar palanque da oposição. Ou pelo menos é isso que a oposição parece pretender.
Os próximos dias serão nervosos no pampa gaúcho, e não só por conta da gripe suína que assola o Estado. O Rio Grande do Sul finalmente de abrasileirou, e ninguém mais, daqui para a frente, vai poder dizer que o Rio Grande é terra de gente diferente. Afinal, somos todos humanos. CartaCapital.
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