Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico - 18/12/2009
A geração de empregos formais no Nordeste ultrapassou a do Sul; Goiás tem, proporcionalmente, mais pobres que o Rio Grande do Norte; e o PIB per capita do Amazonas supera o de Minas Gerais.
As desigualdades regionais fomentaram um infindável debate ao final da reeleição. Houve quem dissesse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia sido eleito pelos pobres do Nordeste, enquanto os ricos do Sul tinham engrossado o quinhão do PSDB.
Fernando Henrique Cardoso já havia sido eleito e reeleito pela maioria como presidente da estabilidade. Na recondução de Lula se descobriria uma repentina divisão do país, como se descobrisse naquele momento que a maioria era de desprovidos.
O estudo divulgado esta semana pelo Ipea sobre a presença do Estado na Federação (www.ipea.gov.br/sites/000/2/presenca_estado_brasil/index.html) não muda radicalmente o cenário das desigualdades nacionais, mas pode abortar desde já essa discussão estéril no debate presidencial do ano que se avizinha.
Se o capitalismo e a ausência dele chegaram a ser evocados como razão para as diferenças do voto de Norte a Sul, a notícia agora é que, sim, para o bem e para o mal, estão todos no mercado. As vendas no Nordeste superam as do Sul. E que diferença isso faz?
Quem não tem BNDES agora demora menos para inteirar o mês com um salário mínimo. A conjuntura sugere que a faixa será de quem convencer o eleitor de que avançará mais na redistribuição do butim.
O economista do Ipea, Mansueto de Almeida, tem ficado incomodado com as preliminares desse debate. Diz que o estudo mostra uma mitigação de desigualdades que, se conforta de imediato, inquieta no longo prazo. Fomenta um modelo que empurra o PIB agora, mas carece de sustentação lá adiante.
Inquieta-se com o que chama de "excesso de confiança no passado". A ver: o retorno à visão dos anos 50 e 60 que atribuía os problemas regionais à falta de investimento em grandes obras.
Lembra que foi este o modelo que inspirou a Cassa per il Mezzogiorno para redimir o sul da Itália e a Sudene. E não vê por que, depois de ter fracassado num caso e noutro, pegaria agora no tranco.
Não se deslumbra com o estaleiro Atlântico Sul. Nada contra as grandes obras, mas veria com melhores olhos se uma fatia do dinheiro investido em Suape se disseminasse no incentivo ao turismo.
Reconhece o avanço do microcrédito, que, pelo estudo do Ipea, registra um volume no Nordeste dez vezes superior ao concedido no Sudeste. Mas vê o instrumento como insuficiente para conter disparidades no fomento de grandes e pequenos.
Faz as contas e desanima: o BNDES recebeu este ano do governo um volume de recursos 70 vezes maior do que o orçamento anual do Sebrae para uma política industrial excessivamente concentrada na criação de grandes empresas líderes.
Diz que o modelo atual se baseia numa folga fiscal que permite inchar o BNDES e manter uma política de valorização do salário mínimo, mas despreza, por exemplo, a necessidade de formalizar os bolsões da indústria de confecção sertão adentro. Lamenta ainda que essa folga não seja usada para radicalizar o acesso dos mais pobres à educação e saúde. Se esse modelo de desenvolvimento já movimenta a sucessão, não é pelas diferenças, ainda desconhecidas, que os dois principais candidatos possam ter sobre o tema.
As políticas sociais estão desintermediadas. O SUS e o Fundeb estão estruturados de maneira que, fossem melhor aquinhoados, seriam capazes de universalizar o acesso à saúde e à educação seja num governo do PT ou do PSDB.
O butim do Brasil gigante está nos ministérios e autarquias que hoje comandam os grandes investimentos. Não há dúvida de que o PT tem o controle da infraestrutura nacional, mas é na concessão das franjas desse poder que a relação com seu principal aliado é fomentada. A renovação das bases dessa aliança é que está em jogo na crise que invade a relação entre o governo e o PMDB.
Lula, aparentemente, acha que o partido está com poder demais. Inventou uma lista tríplice para dela tirar o vice na tentativa de enquadrar o PMDB antes que este faça de uma Dilma presidente sua refém.
Essa tensão entre o governo central e os agregados da infraestrutura também marcou a crise do final do governo FHC e seus pefelistas de plantão. A diferença é que agora, ao contrário de 2002, a perspectiva é de crescimento continuado de um país que assume ares de gigante na economia mundial.
Aumenta, assim, a disputa pela condição de parceiro do partido no poder. A condução dessa aliança será sempre um dos grandes imbróglios da República, mas a opção por um modelo excessivamente calcado antes na grande política industrial do que no fomento pulverizado só dificulta o controle da cobiça.
Para onde vão Minas e Aécio
A carta com que o governador Aécio Neves desiste da disputa presidencial protesta contra a divisão do Brasil entre pobres e ricos e Norte e Sul. Só faltou dizer que era contra também a divisão entre PT e PSDB, mas foi essa a sinalização de Aécio na última disputa eleitoral de que participou, com a eleição do prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, apoiado por tucanos e petistas.
Oito em cada dez mineiros apostavam até ontem que Aécio seria candidato a presidente . É potencialmente um eleitorado sobre o qual terá influência em 2010. Principal eleitor de um Estado com 14 milhões de votos, segundo maior colégio eleitoral do país, sua saída de cena não garante que seu quinhão cairá necessariamente no colo do governador de São Paulo, José Serra.
Na carta, Serra não é mencionado. Se isso sinaliza para os mineiros a possibilidade de que Aécio tenha sido preterido, a transferência de votos não acontecerá. Só a improvável presença de Aécio como vice numa chapa encabeçada por Serra evitaria a cristianização. Nas duas últimas disputas, Minas elegeu Aécio e Lula.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política
Valor Econômico - 18/12/2009
A geração de empregos formais no Nordeste ultrapassou a do Sul; Goiás tem, proporcionalmente, mais pobres que o Rio Grande do Norte; e o PIB per capita do Amazonas supera o de Minas Gerais.
As desigualdades regionais fomentaram um infindável debate ao final da reeleição. Houve quem dissesse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia sido eleito pelos pobres do Nordeste, enquanto os ricos do Sul tinham engrossado o quinhão do PSDB.
Fernando Henrique Cardoso já havia sido eleito e reeleito pela maioria como presidente da estabilidade. Na recondução de Lula se descobriria uma repentina divisão do país, como se descobrisse naquele momento que a maioria era de desprovidos.
O estudo divulgado esta semana pelo Ipea sobre a presença do Estado na Federação (www.ipea.gov.br/sites/000/2/presenca_estado_brasil/index.html) não muda radicalmente o cenário das desigualdades nacionais, mas pode abortar desde já essa discussão estéril no debate presidencial do ano que se avizinha.
Se o capitalismo e a ausência dele chegaram a ser evocados como razão para as diferenças do voto de Norte a Sul, a notícia agora é que, sim, para o bem e para o mal, estão todos no mercado. As vendas no Nordeste superam as do Sul. E que diferença isso faz?
Quem não tem BNDES agora demora menos para inteirar o mês com um salário mínimo. A conjuntura sugere que a faixa será de quem convencer o eleitor de que avançará mais na redistribuição do butim.
O economista do Ipea, Mansueto de Almeida, tem ficado incomodado com as preliminares desse debate. Diz que o estudo mostra uma mitigação de desigualdades que, se conforta de imediato, inquieta no longo prazo. Fomenta um modelo que empurra o PIB agora, mas carece de sustentação lá adiante.
Inquieta-se com o que chama de "excesso de confiança no passado". A ver: o retorno à visão dos anos 50 e 60 que atribuía os problemas regionais à falta de investimento em grandes obras.
Lembra que foi este o modelo que inspirou a Cassa per il Mezzogiorno para redimir o sul da Itália e a Sudene. E não vê por que, depois de ter fracassado num caso e noutro, pegaria agora no tranco.
Não se deslumbra com o estaleiro Atlântico Sul. Nada contra as grandes obras, mas veria com melhores olhos se uma fatia do dinheiro investido em Suape se disseminasse no incentivo ao turismo.
Reconhece o avanço do microcrédito, que, pelo estudo do Ipea, registra um volume no Nordeste dez vezes superior ao concedido no Sudeste. Mas vê o instrumento como insuficiente para conter disparidades no fomento de grandes e pequenos.
Faz as contas e desanima: o BNDES recebeu este ano do governo um volume de recursos 70 vezes maior do que o orçamento anual do Sebrae para uma política industrial excessivamente concentrada na criação de grandes empresas líderes.
Diz que o modelo atual se baseia numa folga fiscal que permite inchar o BNDES e manter uma política de valorização do salário mínimo, mas despreza, por exemplo, a necessidade de formalizar os bolsões da indústria de confecção sertão adentro. Lamenta ainda que essa folga não seja usada para radicalizar o acesso dos mais pobres à educação e saúde. Se esse modelo de desenvolvimento já movimenta a sucessão, não é pelas diferenças, ainda desconhecidas, que os dois principais candidatos possam ter sobre o tema.
As políticas sociais estão desintermediadas. O SUS e o Fundeb estão estruturados de maneira que, fossem melhor aquinhoados, seriam capazes de universalizar o acesso à saúde e à educação seja num governo do PT ou do PSDB.
O butim do Brasil gigante está nos ministérios e autarquias que hoje comandam os grandes investimentos. Não há dúvida de que o PT tem o controle da infraestrutura nacional, mas é na concessão das franjas desse poder que a relação com seu principal aliado é fomentada. A renovação das bases dessa aliança é que está em jogo na crise que invade a relação entre o governo e o PMDB.
Lula, aparentemente, acha que o partido está com poder demais. Inventou uma lista tríplice para dela tirar o vice na tentativa de enquadrar o PMDB antes que este faça de uma Dilma presidente sua refém.
Essa tensão entre o governo central e os agregados da infraestrutura também marcou a crise do final do governo FHC e seus pefelistas de plantão. A diferença é que agora, ao contrário de 2002, a perspectiva é de crescimento continuado de um país que assume ares de gigante na economia mundial.
Aumenta, assim, a disputa pela condição de parceiro do partido no poder. A condução dessa aliança será sempre um dos grandes imbróglios da República, mas a opção por um modelo excessivamente calcado antes na grande política industrial do que no fomento pulverizado só dificulta o controle da cobiça.
Para onde vão Minas e Aécio
A carta com que o governador Aécio Neves desiste da disputa presidencial protesta contra a divisão do Brasil entre pobres e ricos e Norte e Sul. Só faltou dizer que era contra também a divisão entre PT e PSDB, mas foi essa a sinalização de Aécio na última disputa eleitoral de que participou, com a eleição do prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, apoiado por tucanos e petistas.
Oito em cada dez mineiros apostavam até ontem que Aécio seria candidato a presidente . É potencialmente um eleitorado sobre o qual terá influência em 2010. Principal eleitor de um Estado com 14 milhões de votos, segundo maior colégio eleitoral do país, sua saída de cena não garante que seu quinhão cairá necessariamente no colo do governador de São Paulo, José Serra.
Na carta, Serra não é mencionado. Se isso sinaliza para os mineiros a possibilidade de que Aécio tenha sido preterido, a transferência de votos não acontecerá. Só a improvável presença de Aécio como vice numa chapa encabeçada por Serra evitaria a cristianização. Nas duas últimas disputas, Minas elegeu Aécio e Lula.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política
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