quinta-feira, 15 de abril de 2010

O fantasma do candidato Serra


Recife (PE) - Para comentar o discurso de Serra no lançamento de sua candidatura, temos que enfrentar dificuldades. Uma delas é o espaço da coluna e a boa vontade do leitor. É um discurso tão repetitivo, em círculos, que a cópia na página deixa a impressão de que foram coladas as mesmas palavras. Acompanhem, ou comecem a rodar:

“Alguns dias atrás, terminei meu discurso de despedida do Governo de São Paulo afirmando minha convicção de que o Brasil pode mais.... o Brasil, de fato, pode mais.... o Brasil pode ser muito mais do que é hoje.... o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais.... Vamos juntos. O Brasil pode mais... Sim, meus amigos e amigas, o Brasil pode mais... Mas a Saúde pode avançar muito mais... Mas vai ter de crescer mais... Porque sabemos como fazer e porque o Brasil pode mais!.. Porque o Brasil, meus amigos e amigas, pode mais.... Vamos juntos, brasileiros e brasileiras, porque o Brasil pode mais.”

Nesse discurso, cercado por senhores que não primam nem se irmanam pela moralidade, o candidato faz uma pregação de fé para virtuosos. Apesar do tom sério e dos olhos arregalados, chega a ser mais que cômico, quando vemos Fernando Henrique e Roberto Freire, mais os bravos acólitos do DEM e do PSDB, ouvindo uma nova Oração aos Moços:

“O Brasil pertence aos brasileiros que trabalham; aos brasileiros que estudam; aos brasileiros que querem subir na vida; aos brasileiros que acreditam no esforço; aos brasileiros que não se deixam corromper; aos brasileiros que não toleram os malfeitos; aos brasileiros que não dispõem de uma ‘boquinha’; aos brasileiros que exigem ética na vida pública porque são decentes...”

Imaginem as caras contritas de Roberto Freire, que possui uma sinecura em São Paulo. Imaginem a cara de FHC que tinha encontros com jornalistas interessantes no apartamento do orador, que gerou filho, de Fernando, e pensão pagos por todos os brasileiros, e acrescentem mais as caras gordas e ociosas do DEM e PSDB, diante de tais exortações ao trabalho e ao estudo. “O meu reino não é desse mundo”, devem ter pensado. Mas o Brasil pode mais.

Entre suas grandezas políticas, Serra enumerou a proibição do fumo nos aviões, que mais tarde estendeu para os restaurantes paulistas, e falou sobre educação, com as platitudes mais banais, insulsas e medíocres:

“Eu vejo em cada criança na escola o menino que eu fui, cheio de esperanças, com o peito cheio de crença no futuro. Quando prefeito e quando governador, passei anos indo às escolas para dar aula (de verdade) à criançada da quarta série.... No país com que sonho para os meus netos, o melhor caminho para o sucesso e a prosperidade será a matrícula numa boa escola, e não a carteirinha de um partido político. E estou convencido de uma coisa: bons prédios, serviços adequados de merenda, transporte escolar, atividades esportivas e culturais, tudo é muito importante e deve ser aperfeiçoado. Mas a condição fundamental é a melhora do aprendizado na sala de aula...Esse é um compromisso”.

De que estado veio José Serra? Mais, qual a educação que ele deu a São Paulo? Mais: como pode falar em “melhora do aprendizado na sala de aula”, quando São Paulo possui um dos piores índices de aprendizagem do Brasil? Com que cara ousa dizer que se revê em meninos que não sabem ler, escrever nem contar, mas têm índices de aproveitamento falseados nas provas? Mas o Brasil quer mais, e por isso o bom Serra prega:

“Quem governa, deve acreditar no planejamento de suas ações. Cultivar a austeridade fiscal, que significa fazer melhor e mais com os mesmos recursos. Fazer mais do que repetir promessas. O governo deve ouvir a voz dos trabalhadores e dos desamparados, das mulheres e das famílias, dos servidores públicos e dos profissionais de todas as áreas”

Não foi assim que ele agiu com os servidores da educação, aquela educação com que sonha para os futuros netinhos. Não os ouviu, aos servidores, nem a seus gritos, quando lhes aplicou a pedagogia da polícia, que mandou firme nos mestres. Aliás, mais: os professores, diretores e alunos jamais foram ouvidos, nessa curva da “austeridade fiscal, que significa fazer melhor e mais com os mesmos recursos”, quando o seu governo educou assinaturas milionárias para as revistas da Abril e jornais Folha de São Paulo para todas as escolas.

Mas há uma explicação para as caras fora do script do candidato nesse discurso cômico: Serra leu o texto de um ghost-writer, um fantasma que escreveu hipocrisias ao redor do mantra "o Brasil pode mais, porque você pode mais”. Esse foi o mesmo slogan de Alckmin, derrotado por Lula há quatro anos. Serra começou bem. A comédia é boa.

Urariano Mota, Direto da Redação

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