domingo, 23 de outubro de 2011

Otan e mídia de mercado estão vibrando





Muammar Kadhafi morreu em combate. Foi coerente, porque desde o início da guerra civil incentivada pelo Ocidente dizia que resistiria até a morte. A mídia de mercado, juntamente com dirigentes de países integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ficaram exultantes. Criticam Kadhafi por ter resistido.

A mídia tupiniquim para variar fez das suas. Para ficar em alguns veículos, os âncoras da CBN, uma das primeiras emissoras a informar a morte/assassinato, vibraram com o acontecimento e não escondiam nos comentários. O Globo também não escondeu sua euforia nos editoriais e no próprio noticiário. Os demais veículos impressos e eletrônicos repetiram a dose.

Até a presidenta Dilma Rousseff, mesmo afirmando que não se deve comemorar a morte de Muammar Kadhafi, escorregou ao afirmar que a Líbia está em fase de transição para a democracia. Não está, até porque vem logo a pergunta: que democracia é esta que surge através de pesados bombardeios diários durante cerca de sete meses? Isso nada mais é do que democracia armada da OTAN.

Os opositores do antigo regime líbio queriam preparar um show midiático exibindo um troféu ao estilo Saddam Hussein, mas não conseguiram. O que está fazendo agora o Conselho Nacional de Transição é tentar de todas as formas convencer a opinião pública mundial que Kadhafi estava escondido numa tubulação de esgoto e pedia para não o matarem.

Aí surge a primeira contradição entre os que derrotaram Kadhafi. Dirigentes europeus, como o Ministro do Exterior francês Allan Juppée, revelaram logo de saída que a OTAN tinha atingido um comboio onde estava Kadhafi fugindo de Sirte, a sua cidade natal. Confirmaram então o bombardeio, que o Conselho Nacional de Transição tentou esconder.

Falta ainda esclarecer o que fizeram os “democratas” da nova Líbia com o corpo do dirigente deposto. As imagens apresentadas nada esclarecem e foram feitas mais com o objetivo de evitar que a verdade aparecesse, ou seja, de que o fim de Kadhafi foi lutando, diferente do acontecido no Iraque com Saddam Hussein. A ONU pediu uma investigação sobre as circunstâncias em que ocorreu o confronto que o levou a morte.

A TV Al Jazzeera e a CNN entraram no jogo dando crédito às versões que tentavam a todo custo ridicularizar Kadhafi e evitar a versão verdadeira. Os opositores de Kadhafi, que seriam pé de chinelo se não fosse a OTAN, pegaram o corpo do dirigente deposto e o levaram para um frigorífico em Misrata,onde ele estava sendo objeto de curiosidade de líbios que o fotografavam.

Vamos aguardar para ver como Kadhafi será enterrado, pois seu túmulo sendo localizado poderá se tornar um local de peregrinação de cidadãos líbios inconformados com o processo de recolonização que está sofrendo o país norte africano, mas que a mídia de mercado tenta a todo custo esconder.

Valem algumas perguntas que o tempo responderá com maior precisão. Empresas de que países ocidentais vão lucrar com a reconstrução da Líbia, cuja infraestrutura foi severamente afetada com os bombardeios da OTAN? Até o Brasil já se ofereceu para esta empreitada, mas antes os países que destruíram terão prioridade.

O petróleo deverá ficar sob controle não mais do Estado líbio, mas totalmente em poder das transnacionais do setor, que conseguirão muito mais concessões do que já tinham conseguido na Era Kadhafi?

O Pentágono não vai querer abrir mão do Africom (Comando Militar dos EUA para a África), incrivelmente com sede em Stutgart, na Alemanha, para se instalar na Líbia, área estratégica para o controle do continente africano? Por sinal, o economista egípcio Samir Amin considerou esse detalhe como o motivador do surgimento dos rebeldes em Benghazi e o apoio dos EUA a esses grupos.

Dirigentes da OTAN anunciaram o fim das operações militares no próximo dia 30 de outubro, mas isso não significará que a Líbia estará livre da influência dos países que a bombardearam. Claro que não.

Maiores detalhes sobre esses e outros fatos relacionados com os acontecimentos mencionados podem ser encontrados no livro Líbia, Barrados na Fronteira – o que não saiu na mídia sobre a invasão na Líbia, que será lançado no próximo dia 11 de novembro, na sede da ABI, rua Araújo Porto Alegre 71, as 18,30, com um debate.

Quando, com o passar do tempo, se analisar os acontecimentos na Líbia, um dos destaques caberá à cobertura midiática. Para analistas independentes que acompanharam a guerra civil, a mídia deixou até de ser mídia para se tornar protagonista da guerra, a própria guerra, manipulando imagens e fazendo o jogo de um dos lados, exatamente o dos opositores de Kadhafi. Assim foi, por exemplo, a cobertura da Al Jazzeera, o canal estatal do Catar, que colocou imagens de grupos rebeldes de forma a parecer que eles tivessem grande apoio popular, o que nunca aconteceu ao longo de todos os meses.

Com a morte/assassinato de Kadhafi estão surgindo analistas de áreas acadêmicas dos mais diversos quadrantes prevendo o futuro da Líbia. Na mídia de mercado de um modo geral falam que agora a Líbia conhecerá a democracia e coisas do gênero. Vamos ver.

Mas, em suma, guardem o que está sendo dito pelos analistas de sempre e aguardem as próximas semanas e meses para constatar quem erra ou acerta mais. Eis um exercício recomendável para as escolas universitárias de comunicação, claro, se houver interesse de que na formação dos futuros jornalistas o espírito crítico fique aguçado, como requer o jornalismo propriamente dito.



Mário Augusto JakobskindÉ correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE Direto da Redaçao

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