05/02/2009
Promotoria investiga fraude na merenda em São Paulo
Folha de S.Paulo
O Ministério Público Estadual investiga a existência de conluio entre empresas da merenda escolar para fraudar licitação feita pela Prefeitura de São Paulo em maio de 2007, na gestão Gilberto Kassab (DEM).
As prestadoras do serviço terceirizado têm recebido do município, desde então, mais de R$ 200 milhões por ano.
A investigação sobre formação de cartel, lavagem de dinheiro e corrupção de agentes públicos se estende a pelo menos outros 13 municípios, envolvendo as mesmas empresas, e abrange também a má qualidade da alimentação fornecida aos alunos da rede paulistana.
Três depoimentos oficiais e uma gravação recebida pela Promotoria falam de um acerto entre empresários às vésperas do pregão realizado há dois anos durante a gestão Kassab.
Num depoimento, o advogado J. (cujo nome é mantido em sigilo a pedido da Promotoria), que foi ligado ao grupo SP Alimentação, diz que a combinação envolveu no mínimo três empresas para a distribuição de seis lotes em disputa --além da SP Alimentação, cita a Nutriplus e a Geraldo J. Coan. Ele diz ter tido acesso a gravação que comprova os acertos --e que cita outras empresas.
A escuta foi anexada ao processo, mas não deve ser utilizada como prova pelo Ministério Público devido à avaliação de que ela é clandestina -teria sido feita por um então colaborador de uma das empresas.
A Folha também teve acesso ao grampo --do qual não tem comprovação de autenticidade--, no qual os interlocutores se identificam como representantes de algumas empresas de merenda escolar e conversam sobre preços e combinações para forjar a disputa no pregão, cujas propostas seriam apresentadas no dia seguinte.
Num trecho da escuta, um homem que se identifica como Eloizo diz a outro de nome Magno estar reunido num hotel com representantes das principais empresas de merenda para fazer a divisão. No total, nove participaram da concorrência, das quais seis venceram e prestam serviços hoje.
Nas conversas, eles discutem a área em que vão ganhar --no caso, a de número 1-- e outra na qual tem de entrar só para fazer a cobertura (jargão para entregar proposta só para forjar a disputa) --no caso, a de número 2-- para a empresa Sistal.
O nome do presidente da SP Alimentação é Eloizo Gomes Afonso Duraes. O do vice, Olesio Magno de Carvalho. O Ministério Público suspeita que sejam os mesmos citados na gravação, mas a Folha desconhece que tenha sido feita perícia para comprovar isso.
Na gravação, os interlocutores falam dos preços que devem apresentar (incluindo a proposta inicial de R$ 6,066 milhões em uma das áreas, valor recomendado por um homem que se apresenta como "Tiago da empresa Coan") e sobre novo encontro no dia seguinte, no hotel Othon da rua Libero Badaró, a 300 metros do endereço do pregão, para os últimos acertos "porque ninguém confia em ninguém".
As combinações que constam da gravação são confirmadas pelo resultado da licitação. Cada um dos seis lotes ofertados pela prefeitura foi vencido por um grupo. Mas, na prática, quase não houve disputa.
No começo do pregão, as empresas entregaram suas propostas para diversas áreas. Mas, no decorrer do processo, abriram mão da disputa e cada uma só aceitou nova oferta no lote em que acabou vencendo.
Relatos colhidos a partir do início de 2008 pela Promotoria falam de uma rede de acertos entre empresários que fazem a merenda terceirizada em várias cidades do país.
O advogado J., que foi representante em licitações de uma empresa ligada à SP Alimentação, declarou à Promotoria que, além do "direcionamento" em licitações, tomou conhecimento de propinas de R$ 50 mil "a agentes públicos".
O promotor criminal Arthur Lemos diz que há outros dados que avalizam a tese de conluio da gravação. "Colhemos depoimentos de pessoas que confirmam isso, que já estiveram envolvidas no esquema, que participaram da licitação."
Outro lado
Parte das empresas que prestam serviços terceirizados da merenda escolar em São Paulo negou qualquer envolvimento em conluio ou irregularidades e outra parte não se manifestou.
A SP Alimentação, diretamente citada em depoimentos e na gravação, não quis falar.
Olésio Magno de Carvalho chegou a marcar encontro com a reportagem para ouvir as gravações nas quais seu nome aparece, mas desmarcou após consulta a advogados da empresa.
Ele disse que não poderia falar de algo de que não tomou conhecimento oficial. Afirmou ainda que a investigação no Ministério Público Estadual corria sob segredo de Justiça --pedido que, diz a Promotoria, foi suspenso nos últimos dias.
A Nutriplus divulgou nota dizendo que "não tem conhecimento de qualquer investigação" e que "nunca a empresa foi citada" e "nunca prestou depoimentos ou esclarecimentos a respeito". A empresa disse que "considera absurdas" as alegações da investigação informadas a ela pela reportagem.
Segundo a Nutriplus, "não há a menor possibilidade de ocorrer uma combinação de preços entre as empresas porque os valores cobrados são diferentes". Diz ter um preço 14% abaixo do maior na capital paulista.
A Nutriplus também disse que segue "rigorosamente" todos os preceitos determinados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar, que determina porções, frequência e componentes da merenda.
Diz ser certificada e " alinhada com os padrões internacionais". Afirma que as denúncias feitas em 2007 sobre redução na quantidade de merenda foram investigadas e a CPI da Câmara "inocentou a empresa".
A Nutriplus acrescenta que "denúncias desse tipo [...] têm origem entre os atacadistas que operam no mesmo setor" --e que são contra a terceirização da merenda escolar.
"Como a Prefeitura de São Paulo já anunciou que pretende terceirizar em todas as escolas da sua rede, esses atacadistas estão procurando razões para interferir no processo e continuar operando", disse.
A empresa Convida Alimentação informou que "por não ter acesso aos detalhes do que já foi apurado" e por não "ter sido comunicada oficialmente", prefere não emitir comentário. Afirma que "é uma empresa zelosa com a qualidade e a conservação dos produtos" e que "cumpre com todas as obrigações contratuais exigidas".
Geraldo J Coan, Terra Azul e Sistal foram contatadas a partir do meio da tarde, mas não responderam. A Folha não conseguiu contato com Serra Leste, SHA e Comercial Milano.
Comentário.
Ufa! Até que em enfim o MP pegou um DEMO. E não é para menos, afinal, servidores corruptos foram pego metendo a mão na merenda das crianças. CPI da Merenda já!
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