sexta-feira, 20 de março de 2009

Governo reserva R$ 109 milhões para fazer compras à Embraer


O governo federal parece disposto a dar uma “forcinha” para minimizar os efeitos da crise financeira da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), turbinando a entidade com recursos orçamentários neste mês de março. Órgãos ligados à Defesa e a outras pastas empenharam (reservaram em orçamento) cerca de R$ 109,6 milhões, quase tudo em março, em favor da Embraer. Coincidência ou não, após as demissões no último mês, o montante compromissado por órgãos do governo federal no primeiro trimestre já é o maior registrado desde pelo menos 2000.

De lá para cá, a União nunca havia empenhado mais de R$ 46 milhões para contratar produtos ou serviços da Embraer nos primeiros três meses do ano. A média anual de reserva em orçamento nos primeiros três meses de cada exercício, desde 2000, não passa de R$ 16 milhões, valor sete vezes menor do que o comprometido em 2009. No primeiro trimestre de 2008, por exemplo, a União não empenhou um centavo em favor da Embraer .

O Grupamento de Apoio de Brasília (GAP-BR), organização da Força Aérea Brasileira (FAB) que tem por finalidade a execução das atividades de apoio logístico, foi um dos órgãos que comprometeu recursos em favor da Embraer este ano. A verba reservada serve, por exemplo, para a compra de duas aeronaves de transporte presidencial (R$ 38,7 milhões) e 99 aviões modelo AL-X (R$ 8,4 milhões) e para a modernização de 46 F-5 (R$ 25,8 milhões) e de 53 A-1 (R$ 22,8 milhões). Clique aqui para ver as notas de empenho.

O Centro Logístico da Aeronáutica (Celog) também está entre os que reservaram verbas para a Embraer este ano. A unidade empenhou, no último dia 3, R$ 7 milhões para a aquisição de material aeronáutico destinado aos parques do Galeão, Afonsos, Lagoa Santa, Recife e São Paulo (veja empenho). O Celog é uma organização que tem por finalidade a busca e a implantação de soluções eficientes e inovadoras para o provimento de bens e serviços específicos, no Brasil e no exterior, necessários ao preparo e emprego da FAB.

O GAP e o Celog contrataram a Embraer sem a realização de licitação pública, amparadas pelo artigo 25 da lei 8.666, que estabelece normas para licitações. O artigo trata da inexigibilidade nos procedimentos quando houver inviabilidade de competição, como é o caso dos empenhos em favor da Embraer, única empresa brasileira que produz aeronaves. Além disso, segundo o próprio GAP, uma das prioridades do governo sempre foi realizar trabalhos com a Embraer.

As notas de empenho foram coletadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi) a partir de 7 CNPJs relacionados à Empresa Brasileira de Aeronáutica. Vale lembrar que empenho é uma fase da execução orçamentária em que a administração pública reserva recursos em orçamento para só depois efetuar o pagamento da despesa desejada.

Para o cientista político Antônio Flávio Testa, o governo deve fazer um esforço para ajudar a Embraer. Segundo ele, mesmo que as compras de aviões e peças aeronáuticas tenham sido previstas antes da crise, os gastos deverão acontecer durante a colapso. “Isso é oportuno e pode ser visto como ajuda, pois podem ser feitos aditivos e outros ajustes às necessidades da empresa. O Estado brasileiro tem tradição de ajudar empresas em dificuldades, tanto privadas, como públicas e de economia mista. Parece claro que a ajuda virá”, acredita.

Testa afirma ainda que a existência de problemas de gestão na Embraer e a “interferência excessiva” do Estado para manter um tipo de modelo de “gerenciamento não tão comercial” prejudicaram a competitividade da empresa. “Isso se reflete na crise gerada pelas demissões. Em relação a sua importância no mercado, é preciso considerar que a empresa é potencialmente muito competitiva, uma vez que existem poucos concorrentes no setor. Provavelmente a crise financeira internacional tenha influenciado o desempenho financeiro da Embraer”, diz.

O cientista político acrescenta que é muito provável que a Embraer seja recuperada e possa ampliar sua participação no mercado, gerando emprego e renda e conquistando mais respeitabilidade internacional. “Tudo isso dependerá de como as ações de recuperação serão gerenciadas e de seu posicionamento futuro em um mercado promissor, não obstante a crise internacional”, conclui.

Compras já estariam previstas

O Centro de Comunicação Social da Aeronáutica detalhou ao Contas Abertas as compras realizadas pelos dois órgãos vinculados à Aeronáutica e informou que os empenhos realizados no primeiro trimestre de 2009 são conseqüência de um planejamento feito antes do anúncio da crise financeira interna da Embraer. “Os valores empenhados são referentes a contratos de longo prazo, celebrados ao longo dos últimos anos. Além disso, o maior cliente da Embraer é a FAB. Há um esforço da Aeronáutica em concentrar a modernização e a compra de aeronaves produzidas pela empresa”, ressalta.

O centro afirmou, por exemplo, que a modernização dos F-5, processo que vem sendo feito ao longo dos últimos anos, tornará a frota uma das mais modernas do mundo. “A carcaça da aeronave continuará a mesma, mas os recursos tecnológicos serão totalmente novos”, afirma. Em relação à compra das duas aeronaves presidenciais, o centro afirmou que os modelos 737-200, conhecidos como sucatinhas, serão substituídos pelo Embraer 190. “Os aviões já foram comprados. É um processo de aquisição ao longo do tempo. A produção de aeronaves, principalmente as de combate, é bem diferente, por exemplo, da linha de montagem de carros. Os aviões são fabricados em uma escala limitada por ano”, esclarece.

A assessoria de imprensa da Embraer também afirmou que o montante recorde empenhado por órgãos do governo federal em favor da Embraer neste primeiro trimestre de 2009 não está relacionado à crise financeira da empresa. De acordo com a assessoria, o volume de empenhos segue à risca obrigações contratuais celebradas entre a FAB e a Embraer ao longo dos últimos anos e que, portanto, não tem nenhuma correlação com a crise mundial que afeta a aviação comercial em todo o mundo. “É importante ressaltar que todos os empenhos e conseqüentes pagamentos seguem rigorosamente contratos em vigor e possuem cronogramas físico e financeiro definidos e acompanhados à risca pela FAB e pela Embraer”.

De acordo com a assessoria, as demissões ocorridas em fevereiro foram decorrentes da crise que afeta a economia global, que acarreta graves conseqüências nas encomendas das empresas aéreas e clientes de aviões executivos. “Como a Embraer depende fundamentalmente de exportações nestes segmentos de mercado, este cenário extremamente desfavorável forçou uma revisão de custos, investimentos e mão de obra, de forma a adequá-los a esta nova realidade do mercado externo”, informa.

A assessoria explicou ainda que a Embraer não pediu nenhuma ajuda financeira ao governo federal para tentar contornar os problemas financeiros enfrentados. “A crise financeira e econômica é mundial, portanto, não foi gerada na Embraer e muito menos no Brasil. A Embraer, como empresa privada, tem excelente relação de negócios com seus clientes, em especial com o governo brasileiro e a FAB. Dentro deste ambiente, não cabem pedidos de ajuda financeira ao governo para suplantar perda de receitas decorrentes de um cenário de crise econômica externa”, diz.

Segundo a assessoria, agora cabe adotar as ações empresariais cabíveis que adequem internamente a empresa ao novo cenário de negócios. Além disso, a empresa deve buscar, no front externo, novas oportunidades que adicionem valor e assegurem a satisfação dos clientes, incluindo o governo brasileiro, e que busquem a suplantação deste momento difícil.

Embraer

A Embraer é uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo, fundada em 1969 como empresa de capital misto. Foi privatizada em 1994 e, atualmente, o controle da entidade está em mãos brasileiras. A empresa trabalha com projeto, fabricação, comercialização e pós-venda e já produziu cerca de 4.995 aviões, que operam em 78 países. A Embraer foi a maior exportadora brasileira entre os anos de 1999 e 2001, e foi a segunda maior empresa exportadora nos anos de 2002, 2003 e 2004. Hoje, totaliza cerca de 23 mil empregados, 87% deles no Brasil.

A Embraer também desempenha um papel estratégico no sistema de defesa brasileiro. Mais de 50% da frota da FAB foi fornecida pela empresa. A entidade já entregou à FAB, por exemplo, as oito aeronaves contratadas para o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Cerca de 20 forças aéreas no exterior também operam com os produtos da empresa.

Leandro Kleber
Do Contas Abertas

Nenhum comentário: