05/05/2009
Leia abaixo reportagem com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, publicada pela Revista IstoÉ Dinheiro desta semana:
Os comprimidos de omeprazol foram trocados pelo chá de camomila. Mas o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ainda mantém o hábito de dormir sempre que pode e comer pouco. É dessa forma que ele aguenta uma rotina pesada de viagens e missões nas quais representa não apenas o governo brasileiro, mas, muitas vezes também, as posições de outros países em desenvolvimento. Desde o início de sua gestão, Amorim já visitou 167 países - vários mais de uma vez - totalizando 468 dias fora do Brasil. E isso sem contar as mais de 80 viagens nas quais acompanhou o presidente Lula.
Ele estima que tenha se ausentado de Brasília quase dois terços do tempo em que comanda o Itamaraty. Tamanho esforço, segundo ele, tem o seguinte saldo: hoje o Brasil participa como protagonista das principais discussões globais, sejam políticas ou econômicas. "Quem diria, há seis anos, que os principais negociadores comerciais seriam estados Unidos, União Européia, Índia, China e Brasil?", disse. "As oportunidades aparecem, mas se você ficar o dia inteiro trancado no quarto, nem as vê. E muito menos as aproveita." Amorim tem plena consciência do que fala. Hoje, o Brasil integra o Mercosul, a Unasul, o G5, o G20 financeiro e o da OMC, que ajudou a criar; participa das reuniões do G8, além de integrar o Bric e o Ibas. As siglas diversas pouco importam no momento. Significam que o Brasil conseguiu um lugar ao sol na cena política internacional. "Mais que convidado, hoje, o Brasil é demandado", diz Amorim.
Se no cenário interno o ministro ainda se irrita com algumas críticas, como as que apontam que o Brasil estaria se ligando demais aos países em desenvolvimento ou que há uma obsessiva ambição em pertencer ao conselho de segurança da ONU, ele se vinga no plano internacional. Nos últimos trinta dias, o Brasil foi tema de duas capas da edição internacional da Newsweek. Ambas exaltam a forma como o país conseguiu se destacar no tabuleiro mundial, citando o bom estado da economia, o diálogo franco travado entre o presidente Lula e outros líderes e, claro, a força da diplomacia nacional. "Acho que nem se eu escrevesse seria tão favorável", brinca Amorim. O fato é que o Itamaraty tem conseguido, com uma boa dose de paciência, atrair os vizinhos sul-americanos para a sua órbita. Sem contar as visitas junto ao presidente, Amorim viajou 51 vezes para os países da região. Algumas vezes para apagar incêndios, como é o caso mais comum com a Argentina, mas a grande maioria foi para manter o contato estreito iniciado na gestão Lula.
A intensidade e a diversidade das relações brasileiras ficam evidentes no calendário de visitas. Nesta quarta-feira 6, o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad estará no Brasil (visita que seria cancelada após a publicação da revista). No dia seguinte, é a vez do presidente do Paraguai, Fernando Lugo. Às vezes, são várias no mesmo dia, como se pode ver nas bandeiras hasteadas em frente ao itamaraty. "Outro dia tinha a bandeira do Irã ao lado da do Reino Unido", conta Amorim. Ele já mandou instalar mais dois mastros desde o início do governo. O ritmo imposto à política externa, no entanto, não teria sobrevida se não contasse com o engajamento pessoal do presidente Lula. "Somos pessoas com histórias de vida diferentes, mas temos uma afinidade de pensamento", explica Amorim. Uma afinidade que é criticada por parte da diplomacia, que considera a política atual muito "de esquerda". Nos corredores do palácio ouvem-se críticas à atenção excessiva a países em desenvolvimento, com abertura de embaixadas na África e no Oriente Médio.
Amorim não se importa. Diz que a crise mostrou que a diversificação está sendo boa para o Brasil, hoje menos dependente dos mercados centrais. A relação com os Estados Unidos, se já era boa no governo George W. Bush, ficou mais respeitosa com Barack Obama. "Sem os Estados Unidos é difícil fazer uma coisa global, mas eles perceberam que sozinhos também não fazem nada. Por isso, quando eles pedem sugestões acho que estão sendo sinceros", afirma o chanceler. Na reunião do G 20, Obama chegou a referir- se ao presidente Lula como "o cara". Se ele assim o é, quem será Celso Amorim? "Sou o assessor do cara", brinca. "Eu não sou o cara, mas o Brasil é o país. Não há conversa sem o Brasil."
O ministro analisou as relações do Brasil com os países do continente e com outros emergentes. Confira, a seguir, trechos de sua entrevista:
O Brasil tem aparecido bastante no cenário internacional. O que mudou para que o País tivesse esse reconhecimento?
Mudou o Brasil, pra começar. O presidente Lula teve uma disposição muito grande. Nos primeiros dois anos de governo ele visitou e recebeu todos os presidentes sul-americanos. Quando criamos a Unasul, falavam que estávamos cutucando a onça com vara curta. Agora o presidente Barack Obama pediu uma reunião com o grupo. O presidente visitou 21 países da África. Agora, ele vai à China, Turquia e Arábia Saudita. É importante do ponto de vista econômico e comercial. E é curioso porque agora você lê conselhos que é o que já praticávamos ontem. Esse alinhamento sul-sul, alianças com países em desenvolvimento...
A crise, centrada nos países desenvolvidos, avalizou essa política?
Nós preferíamos que não tivesse crise. Mas ela foi uma comprovação irrefutável de que essa política de diversificação foi bem feita. Se tivéssemos feito os acordos de livre comércio na pressa, como muita gente queria que fizéssemos com os Estados Unidos e a União Européia, teríamos problemas. Todos os países que fecharam acordos de livre comércio com eles tiveram seus déficits aumentados. Num momento de crise como esse, nossa vulnerabilidade externa seria bem maior.
A China é hoje o principal parceiro comercial. Ela será a salvação do Brasil?
A China foi no mês passado, não sei se isso continua até o fim do ano. A salvação do Brasil é o Brasil. Temos um bom mercado interno. A distribuição de renda contribuiu para isso, as obras do PAC também. Agora, é claro que a recuperação da economia chinesa vai ajudar muito. Com a ênfase deles para o mercado interno, poderá até haver uma abertura maior para nossos produtos industriais.
O sr. fala que os próprios chineses reconhecem que o comércio está desequilibrado. É um discurso parecido com o nosso em relação à Argentina...
A vida é assim, né? O comércio internacional não é um jogo de dois parceiros, mas de múltiplos parceiros. Então você não pode esperar que todos os intercâmbios sejam absolutamente equilibrados. Nem a Argentina pode esperar isso de nós e nem nós da China.
A relação dos Estados Unidos com o restante da América Latina mudou na Cúpula das Américas?
Acho que os Estados Unidos entenderam que a América Latina não é um todo homogêneo. A palavra mais usada foi diversidade. Há um respeito mútuo. É claro que sempre há conflitos. Mas não há mais aquela postura "eu tenho razão e eu vou impô-la ao mundo".
Nesta nova relação dos Estados Unidos com a região, como fica a posição do Brasil como intermediário?
O Brasil sempre terá um peso importante na relação internacional. E parte do peso que tem é sua boa relação na região. Sua capacidade de enfrentar pacificamente, sem grandes conflitos, na região. Isso é parte do nosso poder.
Quais são os próximos passos da diplomacia brasileira?
Não podemos escolher uma única linha de ação internacional. A América do Sul sempre será a prioridade número um. Mas o País tem feito muito com a África e vai continuar fazendo. Tem feito com os Brics e vai aprofundar. Vamos continuar trabalhando em outras ações com países em desenvolvimento. O Ibas (Índia, Brasil e África do Sul) tem cada vez mais prestígio. Tem muita coisa pra trabalhar, mas de repente surge um tema novo.
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