quarta-feira, 27 de maio de 2009

A ministra e os desinformados



Autor(es): Luiz Weis
O Estado de S. Paulo - 27/05/2009

O PT comemora dois resultados da pesquisa nacional encomendada ao Vox Populi sobre o cacife eleitoral da ministra Dilma Rousseff. O primeiro é ter ela alcançado a marca de 20% das intenções de voto - o que os petistas, segundo dizem, esperavam que só ocorresse no fim do ano ou nos primeiros meses de 2010. O segundo resultado é o de que 54% das 2 mil pessoas entrevistadas pelo instituto ignoram que ela é a candidata do presidente Lula.

À medida que a informação se difundir no eleitorado, argumentam, a adesão a seu nome só vai aumentar. Afinal, a maioria dos que desconhecem que o presidente é o patrocinador da sua candidatura se concentra no grupo de menor escolaridade, a parcela mais lulista da população. A pesquisa, por sinal, confirma o favoritismo do governador tucano José Serra, com 43% das preferências, o dobro do índice obtido pelo colega e correligionário Aécio Neves.

O levantamento foi feito depois que Dilma anunciou que tinha extraído um câncer e iria fazer quimioterapia. Mas apenas 31% dos entrevistados sabiam disso, enquanto outros 36% disseram ter ouvido "alguma coisa" sobre a ministra nos últimos tempos. São números impressionantes. O problema de saúde de Dilma foi assunto de destaque em frequentes edições de todos os telejornais, que também deram as afirmações de Lula de que ela estava curada e poderá perfeitamente bem vir a ser a sua sucessora.

Logo em seguida à divulgação da doença, o aparato do governo armou um carnaval em torno da "mãe do PAC". Num evento em Manaus, no costumeiro formato de comício, as câmeras tinham diante de si faixas que saudavam a "mulher presidente" ao lado de outras que proclamavam a união dos brasileiros "por sua recuperação". Os microfones transmitiam o apelo de Lula, erguendo as mãos de Dilma, para que o povo rezasse por ela, culminando com a mensagem eleitoral: "Esse povo vai precisar muito de você daqui para a frente."

É sabido que o público dos telejornais tem uma audição seletiva - isso quando as pessoas na sala de jantar simplesmente não tiram o som do aparelho até o início da novela seguinte. Ou seja, muitos registram pela rama e retêm ainda menos do que lhes é apresentado no departamento de chatices como matérias políticas, salvo, quem sabe, quando expõem escândalos. Mas desta vez era de supor que se juntassem o drama humano, a forte carga emotiva de uma palavra que muita gente nem sequer gosta de pronunciar e a circunstância de que no centro da notícia está uma mulher para aguçar o interesse da imensa maioria que em geral não está nem aí para os jogos políticos.

Era de esperar também que se pusesse em marcha o mecanismo que os especialistas chamam "o segundo passo" no trajeto da comunicação - a troca de impressões nos círculos de relacionamento de cada qual sobre o que os jornais da TV andaram dando. É quando se compartilham, se comentam, se reelaboram e se fixam (ou se descartam) as informações divulgadas e se formam as opiniões a respeito. No caso, que informação! "O Lula tem uma ministra chamada Dilma que tem câncer e ele quer que ela seja presidente."

Isso deveria contrabalançar o fato igualmente sabido de que, em matéria de eleições, o tempo dos políticos é um e o tempo dos eleitores é outro - mesmo quando o político tem uma popularidade sem precedentes desde que essas coisas começaram a ser medidas no Brasil. Vai para mais de um ano que o presidente Lula começou a construir, para dentro e para fora, a candidatura da chefe da sua Casa Civil. Para os leitores das páginas políticas dos jornais e revistas, isso não é novidade. E, se as teorias do ciclo da comunicação se aplicam, a esta altura a história deveria ter chegado, por etapas, à grande maioria que não lê, mas vê e ouve.

Descarte-se a interpretação de que o povo vê, ouve, mas demora a entender. Bobagem: o povo entende o que precisa entender, na hora que lhe interessa entender. A rapidez com que a população brasileira aprendeu a fazer contas com a Unidade Real de Valor (URV) na transição para o real, em 1994, porque isso afetava diretamente o seu bolso, deveria ter desmoralizado de uma vez por todas as ideias preconceituosas sobre as limitações da capacidade cognitiva do povão.

De qualquer forma, é certo que, no seu devido tempo, os 69% desinformados do estado de saúde da ministra e os 54% desinformados da preferência de Lula por ela, ao serem abordados pelos entrevistadores do Vox Populi, minguarão até representarem um contingente residual do eleitorado. Quanto mais não seja, porque a exposição de Dilma na mídia se manterá elevada, marcando a associação entre a sua figura e a do presidente.

Sob as luzes, ela considerou "de mau gosto" as perguntas que lhe faziam sobre os presumíveis efeitos da sua condição clínica para o seu futuro político. Mas, ainda que a imprensa tomasse a surpreendente decisão de tirar o assunto de pauta ao entrevistá-la, é inevitável que ele permaneça no topo da pauta política - e a ministra não precisa ler os jornais para saber disso. O problema, a rigor, não é que os políticos, a começar dos companheiros de viagem do presidente, se perguntem como ficará a sucessão se... caso... na eventualidade de...

O problema é a desenvoltura com que, sempre na deles, abrem o jogo das suas especulações sobre o tal do "plano B". Poderiam ao menos mencionar - e isso é o tipo de coisa para a qual os políticos têm antenas sensíveis - que a imagem da ministra parece ter ficado não só mais nítida, como também mais positiva entre os que acompanham o noticiário de sua adversidade. Menos, quem sabe, pela solidariedade humana da plateia do que por sua conduta. No fio da navalha entre a proteção da sua privacidade e o reconhecimento do preço a pagar por ser uma figura pública, Dilma tem-se mostrado, numa palavra, verdadeira.

Não é pouco no mundo da videopolítica - e tem tudo para influir nas próximas pesquisas.

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