A partir do dia 29 deste mês, professores da rede estadual de ensino irão paralisar suas atividades para pressionar o governo do estado a retirar os Projetos de Lei Complementar (PLCs) que alteram regras na contratação dos professores. Na última quarta-feira, 14, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) se reuniu com o secretário de Educação, Paulo Renato de Souza, para discutir o tema.
Por Camila Souza Ramos, na Revista Fórum
Uma das propostas do governo é obrigar os professores contratados por concurso a realizarem um curso de quatro meses, afastando-se de seus empregos e recebendo menos. Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente da Apeoesp, afirma que a medida representa um gasto desnecessário de verbas públicas, e defende a formação continuada durante o estágio probatório, que é a formação continuada do funcionário público durante um determinado período.
Outra proposta criticada pelo sindicato é a nova forma de contratação dos admitidos em caráter temporário, limitando sua atuação a 200 dias. Para Maria Izabel, essa medida “estabelece, na prática, a rotatividade, que eles tanto combatem. A qualidade do ensino, nesses termos, vai ladeira abaixo”.
Leia abaixo a entrevista.
Qual o impacto das novas medidas do governo do estado para a educação?
Primeiro, quanto à questão da formação, estão querendo que o professor esteja na rede com uma formação melhor, mas não existe operacionalização para isso. Estão querendo seguir a lei federal que de fato prevê essa formação, mas para carreiras com menos profissionais, como a magistratura, por exemplo.
No caso do professor, é uma categoria numerosa. Afastar todos por quatro meses (para a formação) parece uma coisa impraticável. Vai acabar sendo um recrutamento para passar na outra provinha? Então não é formação. Formação para mim deve ser um processo mais distencionado. Até porque o professor, depois de passar pelo concurso, depois de três anos passa pelo estágio probatório, que já está regulamentado.
Se dessem essa formação até o estágio probatório, para confirmar a efetividade dele ou não, até acho plausível. O que não dá para aceitar é fazer uma formação aligeirada, afinal são só quatro meses. Nesse período o professor fica com 75% do salário na forma de bolsa para uma jornada inicial, de acordo com o secretário, e isso não está claro na lei.
A pergunta que fiz a ele (Paulo Renato) foi: se eu fiz um concurso universal, que permite que todos participem, estiver dentre os 10 mil selecionados para assumir, e trabalhar em caráter temporário por 40 horas, como vou reduzir meu salário? Ele disse que pode acumular, ou seja, posso fazer o curso e ter as 40 horas. Mas não é esse o sentimento da formação que eu tenho. Alguns vão poder fazer isso, outros não. Ele (Paulo Renato) falou que vai ser possível fazer o curso de manhã, à tarde ou à noite.
Mas tem professores que dão aula em todos esses períodos, vai ficar muito difícil, quase impraticável. Não discordo da formação, mas acho que tem que se fazer convênio com universidades públicas para dar esses cursos. Não concordo com formação à distância, afinal estamos discutindo qualidade de educação. É difícil de operacionalizar isso, mas se jogar essa formação para o estágio probatório, me parece uma saída. Daí não há problema porque tem três anos para trabalhar esse curso.
Não existe nenhuma formação continuada durante o estágio probatório?
Não, não tem, mas poderia ser feito aí. Outro ponto que nós colocamos é o caso dos novos contratados temporários. Eles só poderão pegar aulas por um ano, e se tiver demanda para o segundo ano, não poderão dar aulas. Estabelece-se, na prática, a rotatividade que eles tanto combatem. A qualidade do ensino, nesses termos, vai ladeira abaixo. Nós ponderamos isso com o secretário.
O que seria aceitável? O que já está em nível federal: o professor pode dar aulas por até no máximo quatro anos, e no quinto ano passar por concurso público. Você determina a contratação, fica por tempo determinado de até quatro anos. Assim se tem acordo com a Apeoesp, mas anualmente, não. E eu nem vou para o debate político-sindical, vou para o debate pedagógico.
Como se pode dar continuidade a um projeto político-pedagógico, se anualmente não será mais aquela pessoa que elaborou o projeto que vai dar aulas? Que continuidade é essa? Se isso valesse, por exemplo, para o governador também, ele iria disputar anualmente eleições. Mas por que isso é impossível? Porque o governador precisa fazer seu serviço para tentar fazer alguma coisa.
Como você interpreta politicamente todo esse pacote para a educação?
Eu não sou daquelas que não enxerga nada. O que acho positivo é admitir a estabilidade dos professores que estavam contratados até 2 de junho de 2007, que contribuiam com o IPS, instituto que se transformou no São Paulo Previdência (SPPrev). Esses têm estabilidade de no mínimo 12 horas-aula. Terão que passar por uma prova anual, mas, se passar pela prova, pode ampliar sua jornada.
A segunda coisa que acho positiva é a multiplicidade de jornada. Não se pode impedir que um professor opte por uma jornada menor. Mesmo porque, podem-se criar cargos para aqueles componentes curriculares com cargas menores, como Física, Química, Biologia, que têm componentes curriculares com cargas menores. A jornada de 12h e de 40h, não vejo problemas.
Vejo problemas nos três pontos que já falei. Discordo do direcionamento político de achar que por uma avaliação você estabelece a qualidade de ensino. Nós fizemos um estudo e descobrimos que vai se gastar cerca de R$ 400 mi entre a escola, o concurso e com quem vai substituir quem está na escola. Para mim, o concurso já é uma avaliação.
Ao mesmo tempo, se encaminhassem uma política de valorização do magistério, garanto que no estágio probatório todos seriam confirmados. Se ainda houvesse uma formação continuada no próprio local do trabalho, teria que se rever a jornada. Mas, lamentavelmente, a política instituída pelo PSDB em São Paulo não quer admitir essas proposta.
Fico um pouco decepcionada porque parece que o governo do estado fica muito preocupado com o que vai fazer o governo federal. Não interessa o governo federal, já há uma disputa com ele. Interessa é se vai melhorar a qualidade do ensino para o público pagante. Não é verdade que a escola pública é gratuita. Quem estuda nela já paga impostos e tem direito a essa escola pública de qualidade. E tem direito de pressionar todos os setores para isso. E não vejo mudança conceitual da política educacional, percebo que existe uma visão voltada para a gestão de pessoal.
Houve alguma mudança desde que o Paulo Renato assumiu a pasta da educação?
Ele tem dado continuidade. Tem mantido essa política de avaliação. Agora, há uma mudança na relação com o sindicato, a secretaria abre espaço para negociar, embora não negocie. Mas no mínimo você vai lá e expõe algumas coisas. Não posso dizer que é exatamente igual à Maria Helena, porque nunca fui recebida por ela. Mas, daqui para a frente, ele terá que fazer mais que isso. Terá que acatar um pouco, não dá para ficar só negando nossas reivindicações. Assim que saímos da reunião com ele, já apontamos indicativo de greve. Estamos dizendo: nos recebeu, mas não altera a política.
Quais são as alternativas ao modelo proposto pelo governo apresentadas pela Apeoesp ao governo do estado?
Duas eu já falei, sobre a contratação de temporários pro quatro anos, sobre a formação durante o estágio probatório. Como eu disse, tem que investir em salário.
Como pode ficar a imagem do governo com essas medidas, agora antes das eleições?
Se tem algum interesse nas eleições, não está apresentando. Porque não considero um projeto que prevê uma contratação precária de professores admitidos em caráter temporário como algo que seja prevendo a eleição. Acho que vai na contramão para eles. O próprio pai não aceita essa história de ficar trocando de professor todo ano. Em tese, é isso. Não preciso nem falar do interesse do professor, mas a própria população não aceita isso.
Você disse que as negociações do sindicato sempre são mais baseadas na questão pedagógica, nem tanto política ou sindical...
Você disse que as negociações do sindicato sempre são mais baseadas na questão pedagógica, nem tanto política ou sindical...
Não tem como você não tratar da questão pedagógica. A ferramenta de trabalho da educação é isso. O nosso discurso é pedagógico, mas também é sindical. Essa é a lógica sindical nossa, porque se você quer uma mudança pedagógica, essa é nossa ferramenta.
Quero deixar claro que se o governador ou o secretário não mudar essa política, o funcionalismo público vai parar, porque essa é uma luta que atinge todos os funcionários públicos, é uma luta conjunta. É preciso tratar o funcionalismo público com respeito, não se pode usar a lógica empresarial para o estado.
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