23/08/2009
Por: DIEGO SARTORATO
Cônsul cubano vem ao ABCD para divulgar campanha e fala sobre a ilha que enfrenta o império americano
“Fala-se muito de Cuba, mas quase nunca com Cuba”. Assim o cônsul da ilha socialista em São Paulo, Carlos Treja Sosa, descreve as complicadas relações que tem com a mídia privada dos vizinhos do Caribe e das Américas do Sul e do Norte. Daí seu comentário por responder algumas perguntas ao ABCD MAIOR: “Vocês não ficaram naquela coisa de dizer que temos um socialismo muito especial como os outros jornais de esquerda. Nos deram a chance de falar sobre o que acontece na ilha”. O resultado: Sosa fala de democracia, liberdade de imprensa, terrorismo e outros tabus (ou nem tanto) da revolução de Fidel Castro. O cônsul visitou o ABCD para divulgar uma campanha pela libertação de cubanos presos nos Estados Unidos. Veja abaixo trechos da entrevista.
ABCD MAIOR – O senhor está no ABCD para participar de um ato em apoio a cinco cubanos presos nos Estados Unidos. Resumidamente, do que se trata esse caso?
Carlos Trejo Sosa –Temos um confronto com os Estados Unidos há muito tempo. A história das agressões norte-americanas contra Cuba não começaram com a revolução, mas muito antes. Quando eles intervieram na nossa guerra de independência da Espanha houve a partir daí seis décadas de abusos contra a ilha, que era um protetorado ou colônia dos Estados Unidos. Quando houve a revolução, foi um grande desafio para a classe dominante do império. Começou um enfrentamento aberto contra Cuba. Tentaram, primeiro, medidas econômicas como o bloqueio, mas acompanhadas de medidas militares, como a invasão da Baía dos Porcos. Depois continuaram com ações terroristas contra pessoas, cultivos agrícolas e instalações. Isso continua. Uma parte dos emigrados de Cuba, porque tinham ligação com a ditadura (de Fulgêncio Batista, derrubado pela revolução) e posteriormente estiveram a serviço da CIA, criaram organizações terroristas que fizeram uma quantidade enorme de atentados que custaram a vida de mais de 2,5 mil cubanos e deixaram paraplégicos mais de 3,5 mil. Foi um custo muito alto para Cuba. Então fizemos algo que é reconhecido pelo direito internacional pela necessidade de reprimir atividades terroristas vindas de território americano: cinco cubanos se infiltraram nessas organizações para monitorar as atividades desses grupos. Repassamos toda essa informação para o governo norte-americano, todas as informações e todas as provas. O FBI, no entanto, enviou nossos cinco cubanos à cadeia como espiões em 1998. Nenhuma organização terrorista foi investigada pelos norte-americanos. Não havia espionagem, porque nunca fomos atrás de assuntos do estado norte-americano: queríamos ajuda para inibir ações terroristas. Por isso, existe hoje uma grande organização mundial pela libertação dos nossos cinco heróis, com mais de 370 comitês de apoio em todo o mundo, inclusive no ABCD. Queremos influir na opinião pública norte-americana para que esta situação chegue ao fim, já que é uma situação que vai contra os próprios princípios da constituição dos EUA.
ABCD MAIOR –O presidente Barack Obama mudou em alguma coisa o relacionamento com a ilha?
Sosa – Muito pouco. O discurso se alterou muito. Não existe mais o discurso ofensivo e fascista da era Bush. Obama tem declarado vontade de abrir relações com Cuba, mas isso não é fato. Obama reverteu uma decisão do governo Bush, que proibia as famílias cubanas de enviar dinheiro ou visitar parentes na ilha. Com isso, voltamos à era Clinton, quando não tínhamos problemas com remessas e viagens. Mas daí para a frente, nada mais aconteceu. Infelizmente, há até atos que demonstram a continuidade das agressões, como, por exemplo, quando Cuba foi novamente incluída na lista de países que financiam o terrorismo já com Obama como presidente. Claro, sem nenhuma evidência disso.
ABCD MAIOR –Como Cuba tem enfrentado os efeitos da crise econômica mundial?
Sosa – Tem sido muito difícil. Em 2008, enfrentamos a passagem de três furacões. Em um trimestre, Cuba perdeu 20% do seu PIB. Foram catástrofes que nos custaram US$ 10 milhões e atingiu muito nossa agricultura e mais de meio milhão de residências, além do sistema de energia elétrica e transmissão de televisão, pontes e etc. E então veio a crise econômica. O níquel produzido em Cuba, tinha um preço médio de US$ 22 mil a tonelada, e caiu para cerca de US$ 10 mil. O turismo cresceu numericamente, mas o gasto diminuiu muito devido à fragilidade do dólar. Fora os cubanos que vivem fora do país, que, como imigrantes, são os primeiros a perder o emprego. Tivemos que reduzir a expectativa de crescimento para este ano em 1,7% e buscar saídas. Em Cuba impera o princípio da solidariedade. O pouco que temos é repartido entre todos os cubanos. Não é que um setor da população passa bem e outro morre de fome. É um pouco mais sutil do que isso.
ABCD MAIOR – Houve uma aceleração nas mudanças promovidas pelo presidente Raúl Castro desde a posse? Analistas na nossa mídia costumavam colocá-lo como figura que poderia até abrir o sistema político cubano para o modelo de democracia defendido pelos EUA.
Sosa – O governo Raúl é uma continuidade da implantação do socialismo em Cuba. Recentemente, em 26 de julho, fez um discurso em que ressaltou que estamos continuando um processo que começamos a discutir no ano de 1985 e que só pode ser retomado agora. Por exemplo, coisas feitas em 2003, como a abertura para divisas estrangeiras ao lado do peso cubano e a abertura das unidades básicas de produção cooperativa, ou seja, a entrega de terras do estado para cooperativas de camponeses, além da abertura para investimentos estrangeiros na ilha, nos levou a um crescimento anual médio de 10%, o que nos permitiu fazer muitas coisas.
ABCD MAIOR –Como é o relacionamento da imprensa com o governo?
Sosa – A imprensa é do povo e da revolução cubana. É a imprensa do povo que defende o seu socialismo. Essa imprensa não tem espaço para contra-revolução. Em Cuba, o que chamam de dissidência são grupos familiares muitas vezes na folha de pagamento da embaixada americana, sabemos que são US$ 40 milhões por mês voltados para isso, amparados por uma lei que os autoriza a financiar a oposição. Eles fabricam e mandam para a ilha produtos midiáticos. Não os podemos considerar nada mais do que mercenários, que em qualquer lugar do mundo iriam presos. Não abrimos a imprensa para que as pessoas ataquem as conquistas do povo cubano em nome do interesse dos Estados Unidos. Se tentarmos colocar em um jornal brasileiro ou norte-americano a visão cubana do que acontece nesses países, certamente não vai entrar. Querem que nós criemos um tipo específico de liberdade de expressão que eles mesmos não aceitam para eles. Isso não é justo.
ABCD MAIOR – Mas existe espaço para crítica da população em relação ao governo?
Sosa – Montões. Você tem que ler, sai diariamente. São dezenas e dezenas e dezenas de críticas diárias, sobre questões internas que estão ruins, ou de serviços públicos. Isso é publicado com nome e sobrenome, e aqueles integrantes do governo responsáveis por essas áreas são obrigados a responder. Tem que responder. As críticas são encaminhadas aí. Se não, acontecem abertamente nas prestações de contas dos deputados. Lá, os políticos não são escolhidos para concorrer nas eleições pelos partidos, mas pela população. Eles não recebem salário por isso – continua a receber como marcineiro, engenheiro ou qualquer outra profissão que já tinha. E tem prestação de contas periódicas. Aí o povo bate forte, porque exige deles até mais do que eles podem fazer nos seus mandatos.
ABCD.
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