segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ana Maria: A última Prestes militante

Na casa espaçosa e organizadíssima do bairro da Sagrada Família, em Belo Horizonte, um quadro se destaca na parede da sala. Trata-se da réplica de um retrato feito por Candido Portinari do líder comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990), o legendário Cavaleiro da Esperança. Neta do antigo dirigente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Ana Maria Prestes Rabelo mostra o retrato com emoção contida.

Por Luiza Villaméa


“Tenho orgulho da história de Prestes, mas os tempos são outros e procuro seguir meu próprio caminho”, diz. Aos 32 anos, a cientista política acaba de ser eleita para o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), criado nos anos 1960, a partir de uma dissidência do PCB. Filiada ao partido há 12 anos, Ana começou sua militância política na Juventude Socialista, de forma similar à de correligionários da linha de frente do PCdoB, como o ministro do Esporte, Orlando Silva.

Grávida de cinco meses, Ana embarcou na terça-feira 8 para a sua primeira missão no Exterior como integrante do Comitê Central. Na cidade de Polokwane, uma das sedes da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, ela participa de congresso do Partido Comunista local.

“Os comunistas sul-africanos ocupam três ministérios no governo do presidente Zuma”, comenta Ana, referindo-se a Jacob Zuma, do Congresso Nacional Africano, o partido que no passado lutou contra o apartheid. “Nesse encontro, eles vão discutir o que chamam de caminho sul-africano para o socialismo.” Não será sua primeira viagem internacional pelo PCdoB. Nos últimos anos, “sempre cumprindo tarefas”, como costuma frisar, ela viajou para lugares tão distintos como Argélia, Cuba, Hungria, Índia, Nigéria, Venezuela e Vietnã.

Resistência

A atuação de Ana nas relações internacionais do partido se deve, entre outros fatores, à facilidade que tem com línguas estrangeiras, em especial o inglês e o espanhol. Do russo ela perdeu a fluência, embora tenha nascido em Moscou, quando a cidade era a capital da extinta União Soviética.

Até os 7 anos, Ana viveu com os pais nas proximidades da Praça Vermelha, na rua Gorki, que, depois do desmoronamento da União Soviética, voltou a ter o nome de origem, rua Tverskaia. À época, depois de quase sete anos na clandestinidade no Brasil, Prestes estava exilado em Moscou.

No apartamento, ele morava com a segunda mulher, Maria Ribeiro Prestes, e nove filhos, além dos agregados. Antes, Prestes fora casado com Olga Benário, morta em um campo de concentração nazista, com quem teve a filha Anita Leocádia. “O apartamento da rua Gorki estava sempre movimentado”, lembra Ana. “Além de abrigar toda a família, era uma referência por causa de Prestes, que atraía visitantes o tempo todo.”

Nos anos 1970, quando chegou a Moscou para estudar física, o goiano José Rabelo também cumpriu o ritual de visitar o homem que meio século antes comandara a Coluna Prestes. Rabelo conheceu o líder e se apaixonou por uma de suas filhas, Ermelinda, com quem é casado até hoje. Ana nasceu em 1977 e estava perto da idade de começar o ensino fundamental quando o pai entrou na reta final do doutorado em física.

Com medo de que a garota atrasasse a entrada na escola, os pais a mandaram antes para o Brasil. “Só que a conclusão do doutorado demorou e eu fiquei morando um ano com a minha avó paterna, em Goiás”, lembra Ana.

Hoje quem faz doutorado é Ana, em ciências políticas da Universidade Federal de Minas Gerais, sobre a globalização e a internacionalização das tomadas de decisões. Casada com o jornalista Kerison Lopes, ex-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, é mãe de Helena, três anos, espera o segundo filho e ainda concilia a atuação partidária com uma consultoria ao sindicato dos professores de Minas Gerais.

Não pensa, por enquanto, em disputar nenhuma eleição fora do partido. “Ela é uma militante muito dedicada, com preparo intelectual e grande senso de responsabilidade”, afirma o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Quanto à possibilidade de a ascendência de Ana ter pesado em sua escolha para o Comitê Central, o parlamentar lembra que, quando o partido foi criado, houve um distanciamento da figura de Prestes. “O que pode ter acontecido, mudando o raciocínio, é que talvez tenha pesado para ela.”

Ana conta que, no começo, parte da família “não via com bons olhos” sua filiação ao PCdoB, justamente porque a agremiação nasceu de um racha com o partido de Prestes. “Quem esteve desde o começo do meu lado foi a minha avó”, diz, referindo-se à viúva de Prestes. “Ela é a que tem a cabeça mais aberta.”

Aos 79 anos, 23 netos e sete bisnetos, Maria vive no Rio de Janeiro e já participou de eventos do PCdoB ao lado da neta militante. “Eu tenho a ideia de que os filhos e netos não têm tendência hereditária para a política”, comenta Maria. “Mas Ana é uma garota muito inteligente e escolheu o caminho dela.”

Maria, por sua vez, também construiu uma trajetória singular. Trinta e dois anos mais jovem do que Prestes, ainda mocinha, foi um dos elos da corrente que fez a segurança do Cavaleiro da Esperança em um comício no Recife (PE).

Só falou com ele anos depois, quando foi encarregada pelo PCB de manter Prestes em segurança, durante período de clandestinidade. Quando abriu a porta do “aparelho”, levou um susto: “Na minha imaginação, ele era um homem forte, parecido com Hércules.” Era a força do mito, que ainda hoje influencia a geração de Ana.

Fonte: Revista Isto É

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