O professor da USP José Augusto Guilhon Albuquerque escreveu nesta Folha (9/12) crítica à visita ao Brasil do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Disse ter ficado confuso quanto ao que é paz e o que é desejável e, em exercício inaceitável de distorção dos fatos, afirma que houve cumplicidade brasileira com as atrocidades cometidas pelo governo iraniano.
Primeiramente, o professor omite que o iraniano foi recebido após as visitas dos presidentes de Israel, Shimon Peres, e da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.
Quer dizer que o professor acha ruim receber Ahmadinejad, mas nada tem contra a recepção a Peres, presidente de um país que seguidamente viola as resoluções da Organização das Nações Unidas e cujo governo é responsável, pela via da força, por negar seguidamente ao povo palestino o direito de ter seu próprio país?
Mas o ardil de Albuquerque veio acompanhado da ausência de leitura da cobertura que a Folha fez do encontro com o iraniano.
No caderno Mundo (24/11), somos informados de que Lula "aproveitou a presença de Ahmadinejad para transmitir cobranças quase unânimes da comunidade diplomática", deixando "claro que repudia a hostilidade aberta de Ahmadinejad a Israel" e que "o Brasil, embora busque os melhores vínculos possíveis com o Irã, tem ressalvas em relação a algumas posições do iraniano".
O jornal publicou ainda as seguintes frases do presidente Lula: "A política externa brasileira é balizada pelo compromisso com a democracia e o respeito à diversidade. Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha de nossos cidadãos e cidadãs com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou de recurso ao terrorismo" e "Defendemos o direito do povo palestino a um Estado viável e a uma vida digna, ao lado de um Estado de Israel seguro e soberano".
Isso não importa, não é mesmo, professor? Afinal, a política externa que o sr. defende é a adotada no governo Fernando Henrique Cardoso, que desejava uma ordem unipolar, com os EUA dando as cartas.
O professor não se incomoda com essa concepção de política externa nem com a invasão do Iraque sem autorização da ONU ou com os centros de tortura americanos mundo afora.
Não há limites à hipocrisia, professor? A cumplicidade com essa submissão é que é inaceitável.
A diretriz do governo Lula para a política externa é, reconhecidamente, responsável pelo papel de destaque no mundo que o Brasil conquistou. Ela se pauta, entre outros fatores, pela compreensão de que nossos interesses nacionais serão tão mais ressonantes quanto maior for o caráter multipolar da nova ordem internacional. E esse caminho passa por integrar os países em desenvolvimento e seus blocos regionais e por construir novas pontes diplomáticas.
O Brasil não aceita o jogo da vilanização, cujo único propósito é reforçar a supremacia de uma superpotência e seus aliados. O presidente Lula age como interlocutor de distintos parceiros, com respeito à autodeterminação e mantendo sempre como horizonte estratégico a superação do unilateralismo como caminho único para a paz.
A passagem de Ahmadinejad pelo Brasil serviu também para que a comunidade internacional se fizesse ouvida pelo iraniano. E Lula deixou isso claro no encontro.
Se o professor escolheu torcer os fatos, não pode alegar desconhecimento de que a principal ameaça à paz mundial é a existência de um mundo unipolar.
As principais guerras recentes (Iugoslávia, Iraque, Afeganistão) foram produto desse desequilíbrio. Mesmo o terrorismo islâmico tem como uma de suas razões históricas a hipertrofia dos EUA e do sionismo no Oriente Médio, que condenam o povo palestino a ser uma nação sem Estado, os países árabes a um cerco permanente e o Irã a uma ameaça constante de agressão militar por parte de Israel.
Os sucessivos acordos de paz fracassados pedem que outros países, como o Brasil, contribuam com uma interlocução positiva no Oriente Médio. Por isso, receber Ahmadinejad foi, sim, uma decisão acertada.
José Dirceu é advogado. Foi ministro-chefe da Casa Civil (governo Lula) e presidente do PT.
Artigo publicado na coluna Tendências e Debates do jornal Folha de S. Paulo, edição de 16/12/2009.
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