terça-feira, 14 de dezembro de 2010

OEA condena Brasil por não punir crimes cometidos na repressão da Guerrilha do Araguaia



Juízes advertem que usar Lei de Anistia como empecilho à condenação de torturadores foi um erro e que Brasil deve respeitar acordos internacionais

Por: João Peres, Rede Brasil Atual

São Paulo – A Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou nesta terça-feira (14) a sentença a respeito dos crimes cometidos pelo Estado brasileiro na repressão à Guerrilha do Araguaia. O país foi condenado pelos fatos ocorridos entre 1972 e 1975 e terá de reconhecer seus erros por não apurar os delitos.

Esta é a primeira condenação internacional do Brasil em um caso envolvendo a ditadura. A Corte, integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA), recebeu o caso a partir da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), dando início em maio ao julgamento agora encerrado. A entidade segue a linha tradicional de condenar as violações de direitos humanos por considerar que se tratam de crimes imprescritíveis.

O juiz designado para o caso, Roberto de Figueiredo Caldas, adverte que as normas da Corte funcionam como uma Constituição supranacional e que, portanto, cabe ao Brasil, signatário do Pacto de São José, respeitar tais normas, inclusive realizando adaptações à Constituição nacional para respeitar os textos aceitos internacionalmente.

Em seu voto, Roberto de Figueiredo Caldas lamenta a postura do Supremo Tribunal Federal (STF), que em maio deste ano decidiu que a Lei de Anistia, assinada em 1979, não deixava espaços à condenação penal de agentes da repressão. O juiz entende que o Brasil usou a lei como um empecilho à investigação e ao julgamento dos crimes. "Todos os poderes públicos e esferas nacionais, bem como as respectivas legislações federais, estaduais e municipais de todos os Estados aderentes estão obrigados a respeitá-la (a Convenção Americana) e a ela se adequar", anota em seu voto.

Os demais juízes manifestam que os dispositivos da Lei de Anistia são incompatíveis com a Convenção Americana, "carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos."

O Brasil está obrigado, agora, a tipificar o delito de desaparição forçada de pessoas seguindo as convenções interamericanas. Enquanto não se faça uma lei específica, será preciso realizar o julgamento e garantir a sanção com base nos dispositivos já existentes no arcabouço jurídico brasileiro. Existe, com isso, a expectativa de que o país seja obrigado a rever a decisão do STF sobre a Lei de Anistia, abrindo espaço para o surgimento de novas ações penais contra os torturadores e para o desarquivamento de antigos processos. Mas a certeza sobre este ponto específico ainda depende de análise aprofundada da sentença da Corte.

A Corte impõe ainda que o Brasil conclua de maneira eficaz as investigações sobre o Araguaia, de maneira a determinar as responsabilidades e aplicar as sanções previstas em lei. Além disso, o Estado terá de envidar esforços para a localização dos corpos das vítimas, que devem ser restituídos aos parentes. Estes terão direito a indenização e devem também receber atendimento psicológico adequado. Todos os níveis das Forças Armadas terão de passar por um curso permanente sobre direitos humanos.

Em linhas gerais, os juízes não aceitam a argumentação apresentada pelo Brasil de que "está sendo construída no país uma solução compatível com suas peculiaridades para a consolidação definitiva da reconciliação nacional." O Estado brasileiro, com isso, passa a ser condenado pelo desaparecimento de 62 pessoas desaparecidas na guerrilha, por ter usado a Lei de Anistia como obstáculo, promovido a proteção de infratores, violado o direito dos parentes à informação sobre as vítimas do regime e não ter promovido a justiça e a verdade - entendidas como reparação dos erros.

Os peticionários da ação são o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, o Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, que avaliam que o Estado brasileiro se equivocou ao não punir os crimes cometidos pelo regime totalitário (1964-85).

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