domingo, 20 de maio de 2012

Comissão da Verdade


Brasil deve mirar no exemplo da Argentina.




Não são ociosas as especulações quanto à escalação dos integrantes da Comissão da Verdade. Alguns são identificados com as correntes progressistas e outros com os setores conservadores. O número deles, sete, impede o empate. A presidenta Dilma Rousseff buscou esse equilíbrio e não deve ter sido fácil para ela conter o próprio sentimento pessoal e a pressão política do entorno.


Essas duas históricas posições, esquerda e direita, norteiam e, simultaneamente, desnorteiam o desfecho desse processo iniciado agora. Na cerimônia de instalação da Comissão, na quarta-feira 16, a chave parece estar no discurso da presidenta Dilma Rousseff, contraposto ao do ex-presidente FHC.
Ambos, a presidenta e o ex-presidente, sabem como o sapato aperta, mas reagem de forma diferente à dor. Dilma afirmou: “A comissão não abriga ressentimento, ódio, nem perdão. Ela só é o contrário do esquecimento”.

 
Por que Dilma descarta o ódio e o perdão, mas não o esquecimento? Perdão é o substantivo da lei brasileira da Anistia. Referência máxima da ação conciliatória de sustentação do discurso do esquecimento para crimes cometidos por torturadores. Seria um mero acaso?


Há uma decisão clara dos organismos internacionais, cada vez mais mergulhados nos casos de desrespeito aos direitos humanos e implacáveis com os crimes de lesa-humanidade, de recusar autoanistia. É o caso brasileiro. A ditadura impôs e celebrou o pacto com políticos ávidos de poder.


FHC, presente à cerimônia ao lado de quatro outros ex-presidentes, repetiu o mantra dos amedrontados: a comissão não buscará vingança, e sim a verdade e a reconciliação. A verdade pode reconciliar torturadores e torturados?


A resposta só pode ser dada por quem sobreviveu à barbárie e, igualmente, por parentes de quem não sobreviveu. Ninguém, muito menos o governo, tem autoridade para propor ou proclamar o esquecimento.
Fonte: Pesquisa SIPS-Ipea, 2011


Vai aumentar o desgaste da imagem das Forças Armadas como instituições essenciais no jogo democrático. Já é baixa a nota que recebem quando se trata das relações com a democracia. Pesquisa do Ipea, de 2011, mostra isso. Considerado o grau de escolaridade, em nenhuma das faixas as FFAA alcançam sequer 50% de avaliação do respeito ao regime democrático (tabela).


Aprovada no Senado, em outubro de 2011, a Comissão da Verdade surge agora no rastro da decepção provocada pela decisão do STF de reconhecer a constitucionalidade da Lei da Anistia e, também, após a recusa da Câmara em revisar essa mesma lei. Foram duas derrotas agudas para quem busca a punição de agentes públicos que beberam o sangue de adversários presos, imobilizados, incapazes de reagir à iniquidade e à covardia.


A Comissão da Verdade não será um tribunal de punição de torturadores. Há regras: “Esclarecer os casos de torturas, mortes, desaparecimentos, ocultação de cadáveres, identificando e tornando públicas as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas aos crimes contra os direitos humanos”.


Não haverá revanche. Ou seja, os torturados não vão torturar os torturadores.


A Comissão da Verdade não pode ir além nem pode ficar aquém de suas obrigações legais. Entretanto, ao expor as atrocidades da ditadura, que desmancham a ideia de um país cordial, dará aos brasileiros o direito de se manifestar livremente e responder ao seguinte quesito: os torturadores merecem anistia ou devem ser julgados segundo as leis?


Mauricio Dias, CartaCapital

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