Por Gabriel Bonis e Matheus Pichonelli
O informe de 2012 da Anistia Internacional sobre direitos humanos destacou preocupação em relação às comunidades indígenas submetidas a discriminação, ameaças e violências envolvendo disputa de terras no Brasil. A situação mais grave, de acordo com a ONG, não está na Amazônia, onde projetos de infraestrutura como a usina hidrelétrica de Belo Monte já afetam a vida da população local, mas sim no Mato Grosso do Sul. Na região, a lentidão no processo de demarcação de terras indígenas expõe as comunidades a um “alto risco de violações dos direitos humanos”.
Levantamento do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) mostra que cerca de 1.200 famílias estão hoje acampadas à beira de rodovias à espera da restituição de suas terras. A situação levou a uma série de episódios violentos patrocinados por grupos armados durante todo o ano de 2011.
A Anistia Internacional lembrou que, em setembro último, homens armados usaram caminhões, fizeram disparos com balas de borracha, incendiaram barracos e espancaram moradores em Pyelito Kue. “Diversas pessoas, inclusive crianças e idosos, ficaram gravemente feridas no ataque, que foi descrito pelo Ministério Público Federal como configurando genocídio e formação de milícias rurais.”
Em novembro, 40 pistoleiros, muitos deles encapuzados, atacaram o acampamento de Guaiviry, próximo à fronteira com o Paraguai. Eles atiraram no cacique Nísio Gomes e levaram seu corpo em uma caminhonete. O destino do líder indígena até hoje é desconhecido.
O relatório destaca ainda a condenação por formação de quadrilha, tortura e sequestro de três homens acusados de matar o líder Guarani-Kaiowá Marcos Veron, espancado até a morte em 2003. Eles recorreram da decisão e estão em liberdade.
“Essa situação é uma vergonha para todos nós”, define o diretor-executivo da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque.
Terror às vésperas
Embora grave, a situação em Mato Grosso do Sul não tem sensibilizado a opinião pública da mesma forma como a de indígenas afetados por obras de infraestrutura na Amazônia. “Eles vivem numa fronteira já muito deteriorada do ponto de vista da preservação do próprio território, uma área de muita disputa. É como se houvesse um silêncio em torno deles”, afirma Roque.
Outro agravante é a proximidade com a fronteira agrícola e o baixo controle do poder público sobre os interesses privados (representados em diversas instâncias do poder, enquanto a população indígena segue subrepresentada politicamente).
“O Brasil possui um sistema político que gera um padrão de representação deficitária, que não garante a presença de diferentes populações. Isso vale uma discussão mais ampla sobre como a política se financia e também o sistema de votos. Mas é um debate que o Brasil tem dificuldade de fazer porque o status quo se beneficia desse modelo.”
Uma outra dificuldade, segundo Tim Cahill, pesquisador de Brasil da Anistia Internacional, é a baixa participação desses povos na definição das políticas voltadas a eles e também a falta de acesso ao sistema de Justiça. Para Cahill, a situação do Mato Grosso do Sul não é difícil de resolver, pois as áreas indígenas são pequenas em relação a outras, como a Raposa Serra do Sol. “É uma população pequena e ameaçada pela violência e pela pobreza devido ao impacto da indústria da cana-de-açúcar, que os tira da terra e ainda os empurra a trabalhar nas plantações em condições degradantes. Isso poderia ser resolvido se houvesse vontade do governo em negociar com os latifundiários do estado e comprar essas terras para os indígenas. O governo diz que está fazendo isso e tentando arranjar uma solução.”
Apesar da situação no Mato Grosso do Sul, a Anistia Internacional considera que o Brasil possui hoje um arcabouço jurídico avançado em relação à preservação dos direitos indígenas. O problema, diz Cahill, é a implementação destas leis.
“Há um processo novo de expansão econômica que não está somente ameaçando o direito das populações, mas está levando a rever essa legislação [de defesa dos índios e demarcação de terras] com processos no Congresso”, afirma.
Belo Monte. Além da situação na fronteira, a Anistia Internacional emitiu no documento uma série de alertas sobre o impacto de megaempreendimentos na vida de populações vulneráveis. A ONG lembrou que em outubro do ano passado a presidenta Dilma Rousseff expediu um decreto “para facilitar o licenciamento ambiental de grandes empreendimentos econômicos” que afetam as terras de comunidades indígenas ou quilombolas.
“O Brasil precisa reconhecer os direitos destes povos e garantir que sua expansão econômica não seja feita à custa da vida deles”, diz Cahill.
Sobre Belo Monte, o relatório critica a recusa do Brasil a acatar medidas cautelares sobre o projeto determinadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para proteger a saúde e a integridade da população local. “O Brasil, que tem uma tradição no apoio e valorização dos espaços multilaterais, reagiu mal”, lamenta Atila Roque.
A Anistia demostrou preocupação também com a situação de ativistas rurais e lembrou a morte do casal ambientalista José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados a tiros há exato um ano por pistoleiros no município de Ipixuna, no Pará. Eles denunciavam as atividades ilegais de madeireiros, fazendeiros e produtores de carvão da região. Apesar da prisão de um mandante e dois supostos executores, as ameaças contra os familiares das vítimas permanecem.
Milícias. A ONG destaca ainda a atuação de grupos de extermínio e milícias que no ano passado mataram a juíza Patrícia Acioli com 21 tiros em frente de sua casa em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, e casos de tortura e maus-tratos nas superlotadas penitenciárias brasileiras, que hoje abrigam 500 mil internos – dos quais 44% ainda esperavam julgamento. Alerta também para o risco de remoções forçadas de moradores nas grandes cidades para dar espaço às obras da Copa do Mundo de 2014.CartaCapital
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