São Paulo – Em plena Semana de Luta Antimanicomial encerrada hoje (18), na qual os ativistas se manifestaram em defesa da saúde mental humanizada e inclusiva e contrários à privatização dos centros de atendimento médico, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) transferiu a gestão de mais uma Organização Social (OS). Desta vez é o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da Brasilândia, na zona norte da capital, transferido à Associação Saúde da Família.
Segundo seu próprio site oficial, a OS já administra na capital paulista 47 unidades do Programa Saúde da Família (PSF), das quais 18 oferecem atendimento em saúde bucal; seis unidades de atendimento médico ambulatorial (AMA); uma unidade de atendimento médico ambulatorial de especialidade; 17 unidades de residência terapêutica; sete CAPS; 12 programas de atendimento ao idoso e um centro de referência em homeopatia, medicinas tradicionais e práticas integrativas.
A efetivação da transferência, no entanto, não está sendo fácil. Servidores, usuários, familiares, pessoas da comunidade e dos movimentos de saúde resistem à chegada dos novos gestores. Temendo por mudanças no serviço prestado e pela transferência de local de trabalho, eles realizaram ato na manhã da segunda-feira passada. A coordenadoria de saúde da Freguesia do Ó convocou reunião no dia seguinte, à qual compareceram representantes de trabalhadores, usuários e do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde).
Até o fechamento da reportagem, o novo grupo ainda não tinha assumido a gestão. “A prefeitura recuou diante da pressão, mas pelo que tudo indica não vai voltar atrás”, lamenta o educador físico Paulo Roberto Spina, servidor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Água Funda e integrante do Fórum Popular de Saúde do Estado de São Paulo. Em outubro passado, o governo Geraldo Alckmin tentou transformar o CAISM, que oferece serviços de assistência e promoção social, residência terapêutica, internação de psicóticos agudos e oferta de leitos para tratamento de dependência química, em um centro exclusivo para internar viciados em álcool e drogas sob a gestão da organização social Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Houve muita pressão e o governo recuou.
O temor de usuários e servidores é que a unidade da Brasilândia viva experiências semelhantes à de outros CAPSs geridos por OS. O primeiro deles criado em São Paulo, o Luis da Rocha Cerqueira, na rua Itapeva, próximo à avenida Paulista, é também o primeiro a ter sido privatizado, em 2007. Segundo a Frente Estadual Antimanicomial, o centro funcionava de maneira adequada, com equipe multidisciplinar completa. Mas a partir da gestão de uma OS, centenas de usuários tiveram seus tratamentos suspensos sob alegação de mau comportamento.
O CAPS da Brasilândia conta atualmente com 36 trabalhadores concursados, sendo 24 estaduais e 12 municipais. Os servidores, que não querem ser identificados temendo represálias, disseram à reportagem ter medo também da transferência para outros locais, sendo substituídos por trabalhadores contratados sem concurso pela OS. Conforme uma servidora, o CAPS deveria ter, no mínimo, cinco médicos psiquiatras. Porém, a prefeitura contratou apenas uma médica. E além de não abrir concurso público para completar o quadro com médicos, terapeuta ocupacional e outros profissionais da área, deixou que as instalações ficassem sucateadas. Tanto que a privatização teria sido justificada como única alternativa frente à situação precária do centro, conforme disseram trabalhadores.
“Os servidores se sentem emocionalmente desestruturados diante da transferência de local de trabalho”, diz Maria Lúcia Vieira, diretora da regional oeste do Sindsaúde. “E também consideram vítimas de assédio moral ao serem informados numa sexta-feira de que na segunda seguinte já estariam subordinados a uma chefia sem concurso público, sem terem tido tempo para reagir.”
Luta antimanicomial na Alesp
Na segunda-feira (21), às 18h, na Assembleia Legislativa de São Paulo, será lançada a Frente Parlamentar de Luta Antimanicomial. O objetivo é articular deputados e movimentos sociais em torno do acompanhamento de projetos de lei relativos às políticas de enfrentamento ao álcool e outras drogas em desacordo com a Lei 10.216/01. A legislação estabelece os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, regulamenta as internações involuntárias (que passa a ser supervisionada pelo Ministério Público) e altera o modelo assistencial, instituindo o processo de desospitalização e a implementação de serviços ambulatoriais, como os CAPS.
O lançamento ocorre logo após a Semana de Luta Antimanicomial, encerrada na última sexta. Em São Paulo, o dia 18 – Dia Nacional de Luta Antimanicomial – foi marcado por um ato no vão livre do Masp. Especialistas e trabalhadores da saúde mental, portadores de sofrimento mental e seus familiares se manifestaram contra as internações compulsórias e principalmente contra a privatização de centros de atendimento.
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