Impeachment para Gilmar Mendes
Raul Longo
“Admito que o ex-presidente pudesse
estar preocupado com a realização do julgamento no mesmo semestre das eleições.
Isso aí é aceitável. Primeiro, porque é um leigo na área do Direito. Segundo,
porque integra o PT. Portanto, se o processo envolve pessoas ligadas ao PT,
obviamente, se ocorrer uma condenação, repercutirá nas eleições
municipais.”
A avaliação, simples mas correta, foi do
ministro Marco Aurélio Mello, que sempre considerei o mais lúcido dos
integrantes do Supremo Tribunal Federal.
Sim, é da natureza humana tentarmos
convencer juízes a tomarem as decisões que nos convêm. O destrambelhado Gilmar
Mendes só teria motivos para fazer a tempestade em copo d’água que
fez:
– se Lula o tivesse procurado para
tentar influir na sentença do processo do mensalão;
– se Lula lhe houvesse oferecido alguma
forma de recompensa ou feito alguma ameaça, para tangê-lo a aceitar a
postergação do julgamento para depois das eleições municipais.
Ora, nem em suas declarações mais
furibundas à imprensa Mendes ousou acusar Lula de estar pressionando pela
absolvição dos réus.
E, mesmo se acreditarmos na versão que
Mendes deu do encontro e ninguém confirmou, a referência de Lula a (mais) uma
ligação perigosa do seu interlocutor é insuficiente para caracterizar uma
ameaça. Lula não disse nada parecido com “a militância do PT trombeteará dia e
noite que é o Carlinhos Cachoeira quem custeia vossas viagens”, mas, apenas,
sugerido que convinha ao próprio Mendes deixar esses assuntos melindrosos para
mais tarde.
É inadequado alguém falar nestes termos a um
ministro do Supremo? Sem dúvida! Mas, o que Mendes esperava, ao aceitar um
encontro a portas fechadas com Lula sem ter nada de pertinente a tratar com
ele?
Se Mendes é tão sensível a hipotéticas
insinuações, certamente não as ouvirá atendo-se à liturgia do cargo.
Como explica Joaquim Falcão, professor
de Direito Constitucional da FGV/RJ:
“…no STF há hoje dois perfis distintos.
De um lado ministros mais discretos, que não se pronunciam, exceto nas
audiências, e que mantêm distância de Executivo, Legislativo e representantes de
interesses em julgamento. Vida pessoal recatada.
Por outro lado há ministros que se
pronunciam fora dos autos, estão diariamente na mídia, mantêm contatos
políticos, participam de seminários e reuniões com grupos de
interesses.
A questão crucial, dizem uns, não é se o
ministro deve falar fora dos julgamentos, estar na mídia ou se relacionar social
e politicamente. A questão é haver transparência antes, durante e depois dos
relacionamentos. E que não faça política. As agendas, os encontros, as
atividades dos ministros deveriam ser publicados de antemão.
Em alguns países o juiz não recebe uma
parte sem a presença da outra, tão grande é a preocupação com a imparcialidade.
O que alguns ministros praticam aqui no STF. Ou grava-se a conversa para
assegurar a fidelidade do que ocorreu e proteger o ministro de propostas
inadequadas”.
Mendes é o pior exemplo de ministro pop
star: pronuncia-se o tempo todo fora dos autos, só falta pendurar uma melancia
no pescoço para aparecer mais na mídia, mantém contatos políticos a torto e
direito, não recusa convites para eventos de poderosos que têm óbvio interesse
em decisões do STF.
Pior, FAZ POLÍTICA (e sempre com viés
direitista) –como quando produziu irresponsável alarmismo acerca de um estado
policial que nem remotamente se configurava, ou quando contrapôs à frase da
então ministra Dilma Rousseff, de que “tortura é crime imprescritível”, a
estapafúrdia afirmação de que “terrorismo também é” (esquecendo não só a
diferença jurídica entre terrorismo e resistência à tirania, como também o fato
de que a imprescritibilidade do terrorismo só viria a ser introduzida nas leis
brasileiras depois dos anos de chumbo)
E nunca tem gravações para apresentar,
que comprovassem suas denúncias delirantes e bombásticas.
O veterano jornalista Jânio de Freitas (vide íntegra
aqui) nos brinda com uma constatação explícita e uma sugestão
implícita:
“O excesso de raiva e a aparente perda
de controle em Gilmar Mendes talvez expliquem, mas não tornam aceitável, que um
ministro do Supremo Tribunal Federal faça, para a opinião pública, afirmações
tão descabidas
…Com muita constância, somos chamados a
discutir o decoro parlamentar. Não são apenas os congressistas, no entanto, os
obrigados a preservar o decoro da função”.
Eu não insinuo, afirmo: já passou da hora de
Gilmar Mendes ser submetido a impeachment.
Menos pela comédia de pastelão que está
encenando agora e mais por haver, em duas diferentes ocasiões, privado da
liberdade Cesare Battisti em função não das leis e da jurisprudência existentes,
mas da esperança que nutria de as alterar
Quando o ministro da Justiça Tarso Genro
concedeu refúgio ao escritor italiano, cabia ao presidente do STF suspender o
processo de extradição e colocá-lo em liberdade, como sempre se fizera. Mas
decidiu mantê-lo preso, confiante em que convenceria seus colegas ministros a
detonarem a lei e a instituição do refúgio, passando por cima do Legislativo e
usurpando prerrogativa do Executivo. Conseguiu.
Da segunda vez, quando o então
presidente Lula negou a extradição, exatamente como o Supremo o autorizara a
fazer, o relator Mendes e o presidente Cezar Peluso apostaram de novo numa
virada de mesa legal… E PERDERAM
O desfecho do caso os tornou
responsáveis pelo SEQUESTRO de Battisti durante os cinco meses seguintes –e nada
existe de mais grave para um magistrado do que dispor tendenciosamente da
liberdade alheia, cometendo abuso gritante de autoridade.
Se Mendes sofrer o impeachment agora,
Deus estará escrevendo certo por linhas tortas.
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