Insistem, ao que parece, a revista Veja e o ex-presidente do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes, em criar uma crise institucional no país. Já é a segunda
vez que isto ocorre. A primeira, foi quando Gilmar Mendes, no exercício da
presidência do STF, acusou, por meio da revista Veja e com ampla reverberação do
senador Demóstenes Torres (ex-DEM), a existência de um “grampo” eletrônico em
seu gabinete. Gilmar Mendes solicitou audiência com o então presidente da
República, Luis Inácio Lula da Silva, para denunciar o fato e exigir
providências, insinuando que o poder Executivo teria alguma responsabilidade nos
possíveis acontecimentos. Mendes foi recebido, uma minuciosa varredura foi
realizada em todo o tribunal e nada foi encontrado. Lula contemporizou e a crise
institucional iminente foi esvaziada.
A segunda vez, ocorre agora, por meio da mesma revista Veja, mas sem o
respaldo do senador Demóstenes Torres, que atualmente responde processo na
Comissão de Ética do Senado por envolvimento com a contravenção do jogo do bicho
e por dar cobertura às práticas de corrupção cometidas por Carlinhos Cachoeira,
que hoje se encontra preso e tem suas atividades investigadas por uma Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito.
Em matéria publicada na edição desta semana da revista Veja, Mendes denuncia
ter sido “pressionado” por Lula, durante um encontro ocorrido no escritório do
também ex-presidente do STF e ex-ministro da Justiça e da Defesa Nelson Jobim,
para direcionar os rumos do julgamento do “mensalão” e impedir o seu julgamento
durante este ano. Ainda segundo Mendes, na tentativa de intimidá-lo, Lula o
teria questionado sobre um encontro com Demóstenes em Berlim, ocorrido no mesmo
período em que Cachoeira se encontrava naquela cidade.
Jobim, ouvido pelo jornal Zero Hora, negou o teor da conversa. Afirmou que
esteve com Lula e Mendes durante todo o tempo do encontro e que o diálogo
relatado por Mendes e publicado pela Veja não ocorreu. Disse mais Jobim,
esclarecendo que já havia feito a mesma declaração quando foi consultado pela
revista, mas que a mesma publicou o contrário do que afirmara.
Lula, por meio de nota oficial divulgada por sua assessoria, nega os fatos
relatados por Mendes. Confirma que ocorreu o encontro, mas que a versão da
conversa relatada pela Veja é inverídica. Afirma que, enquanto presidente da
República, sempre respeitou a independência e a autonomia dos poderes e que como
ex-presidente continua tendo o mesmo comportamento.
Ainda que dois dos três participantes da conversa neguem o teor relatado por
um deles, restarão sempre dúvidas sobre os fatos, já que não há “grampos” ou
gravações legais que possam servir de prova para tal ou qual lado. As
personalidades envolvidas são integrantes do mais alto círculo de poder do país,
o que lhes garantiria, a princípio, uma respeitabilidade e um senso de
responsabilidade que impediria o exercício da pressão/coação e da mentira.
Mentira, aliás, que, inevitavelmente, está sendo praticada por um dos dois
ex-presidentes da mais alta corte de justiça do país.
O que restam é a dúvida e a perplexidade e, quem sabe, a descrença com as
instituições públicas e seus agentes.
Este é o clima, ao que tudo indica, desejado pela revista Veja ao publicar
sem provas, as denúncias, tanto a primeira quanto a atual. Envolvida no
escândalo de Carlinhos Cachoeira, pois que as escutas telefônicas, autorizadas
pela justiça, que lançaram graves suspeitas sobre Demóstenes envolveram
seriamente também o chefe de sua sucursal em Brasília, a revista Veja teria
grande interesse em tumultuar a cena política brasileira neste momento, lançando
uma cortina de fumaça para encobrir sua possível participação nos atos ilegais
de Cachoeira/Demóstenes. A se julgar pelas conversas gravadas entre o chefe da
sucursal da Veja em Brasília e Carlinhos Cachoeira, são fundadas as suspeitas
sobre uma possível participação daquela revista na montagem do escândalo do
“mensalão”, ajudando a forjar fatos e divulgando-os de modo tendencioso.
Além da revista Veja quem mais teria hoje a ganhar com a divulgação de fatos
sem provas e com o lançamento de dúvidas sobre a honorabilidade de algumas das
mais altas autoridades do país e a credibilidade de algumas das instituições
mais importantes do Estado brasileiro?
O atual presidente do STF, ministro Ayres Brito, tem como ponto de honra de
sua gestão o julgamento do “mensalão”. Denúncias, mesmo que sem provas, de que
há movimentos de um ex-presidente da República para impedir que o julgamento
ocorra podem se tornar o estopim de uma grave crise entre os poderes Executivo,
Judiciário e também Legislativo, uma vez que a oposição já representou
criminalmente contra Lula, procurando tirar vantagem dos fatos. A crise, que
foi evitada no momento da denúncia anterior, pode explodir agora.Sul21
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