Tão ou mais incômoda que a atitude do contraventor Carlinhos Cachoeira diante da CPI que investiga suas atividades criminosas é a presença, a seu lado, do brilhante advogado e ex-ministro da Justiça do Brasil, Marcio Thomaz Bastos. Não deixa de causar estranheza ver ali, na defesa de um homem que corrompia as estruturas da sociedade, outro homem que, até bem pouco tempo, era responsável justamente por zelar pelo bem destas mesmas estruturas.
É ponto pacífico que todo cidadão tem direito à defesa jurídica, por pior que tenha sido o seu crime, mas não deixa de ser constrangedor ver o ex-ministro da Justiça orientando o contraventor a como proceder e empenhando toda a sua capacidade profissional para livrá-lo de acusações que custaram muito ao Estado para serem fundamentadas.
Carlinhos Cachoeira está preso em decorrência de duas operações da Polícia Federal, que constataram o alcance de sua ação criminosa entre os poderes constituídos. A organização do contraventor tomou de assalto um estado inteiro da federação, o de Goiás, numa microrepresentação do que acontece atualmente no México, onde o crime se infiltrou de tal modo no aparelho de Estado, que se torna a cada dia mais difícil combatê-lo.
A influência de Cachoeira se via no Executivo goiano, a partir do próprio governador Marconi Perillo (PSDB); no Legislativo, não apenas local, mas entre os representantes do estado na Câmara Federal, com destaque para a figura do até então impoluto senador Demóstenes Torres (ex-DEM); e no Judiciário, a ponto de levar a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz, a se declarar impedida de julgar o habeas corpus do contraventor pelo fato de ser goiana e de ter tido contato social ou profissional com autoridades públicas supostamente envolvidas com Cachoeira.
Ou seja. Não há dúvida do papel pernicioso do contraventor e de sua contribuição decisiva para que a corrupção continue infiltrada na vida brasileira, dificultando o combate a uma das principais mazelas do país. Diante de tantas evidências, e, principalmente, das implicações políticas que envolvem a investigação das atividades criminosas de Cachoeira, o que leva um advogado como Marcio Thomaz Bastos a aceitar sua defesa?
Seria mesquinho acreditar se tratar dos honorários - fala-se em R$ 15 milhões - porque o escritório do ex-ministro é recheado de causas polpudas e não seria mais uma que faria a diferença. Por sinal, é pertinente questionar a origem de tanto dinheiro da parte do cliente, já que sua fortuna deriva primordialmente do crime. Segundo a Polícia Federal, Cachoeira já estava no nível 3 do crime organizado, o da lavagem de dinheiro em atividades lícitas.
Outra hipótese poderia ser a vaidade. Como advogado brilhante, Thomaz Bastos mostraria a todos, principalmente a seus pares, ser capaz de livrar das barras da Justiça um cliente tão enveredado em irregularidades e com exposição midiática tamanha que já o condena de antemão. Embora demasiadamente humano, seria difícil supor que um jurista com a idade, a experiência e o prestígio do ex-ministro ainda se encantasse com tal deslumbramento.
Restaria o dever de ofício, mas parece pouco. Pela deontologia do Direito, o advogado pode recusar toda a questão que não considerar justa. O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece no Art. 2º do capítulo 1, sobre as regras deontológicas fundamentais, que “o advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce”.
É difícil contemplar estas questões na defesa que Thomaz Bastos faz de Carlinhos Cachoeira. Bons juristas certamente poderão contestar os argumentos aqui expostos e demonstrar a legalidade da atuação do ex-ministro. Mas é pouco provável que consigam convencer sobre a moralidade da mesma.
air Pena NetoJornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política.Direto da Redação
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