domingo, 29 de maio de 2011

E o mundo não acabou



Se o mundo tivesse acabado semana passada como previram alguns e temiam outros seria em fogo ou em água? Numa alternância de catástrofe, a previsão bíblica é de que o fim dos tempos agora seria em fogo. Naquele dilúvio, a última vez que se tem notícia do fim do mundo, Noé fez a sua parte e entrou para a História.


O velho sábio e corajoso, avisado da hecatombe, pôs a bicharada numa arca e salvou muitas das espécies da extinção, o que não fazem os homens no mundo de hoje em sua fúria devastadora da fauna e da flora. Uns mal-agradecidos ao esforço incalculável de Noé.


Se tivesse acabado o mundo, não saberíamos se o patrimônio do ministro Palloci multiplicou-se licita ou ilicitamente, em tempo recorde. Não haveria tempo dessa novela desdobrar-se em capítulos que, suspeitamos, já saber o final. Parece que nesse caso não faria muita diferença terminar ou não a vida na Terra.


Se o mundo tivesse acabado estaríamos livres de saber que encontraram vestígios do sêmen do Sr. DSK na gola da blusa de uma das moças atacadas por ele. Isso lá é lugar de sêmen? Com o final dos tempos, o garanhão, ex-presidente do FMI, que morreria de cambulhão como o resto da humanidade, não realizaria o prejuízo da montanha de dólares que pagou como fiança e o azar seria das mulheres molestadas pelo estafermo que não se veriam justiçadas.


Ah, se tivesse acabado o mundo, Paul McCartney se encontraria sob a abóbada celeste da América do Sul e não teria solfejado coletivamente na-na-na no Engenhão, encantando a massa e reiterando que é o cara. Paul é um homem equilibrado. O mundo já acabou para ele diversas vezes com as provações que já enfrentou na vida. É um sobrevivente criativo, altivo e altaneiro às sua perdas de todos os gêneros.


McCartney, nunca é demais falar bem dele, é um vencedor e vive seus 68 anos com jovialidade, ao contrário do que dizia na música que fez para quando tivesse 64. Podia ter deprimido de vez. Na sua conta, a perda da mulher que amava para o câncer, a rasteira financeira e leviana no casamento posterior e a decepção com Michael Jackson ao perder para ele os direitos autorais de sua preciosa parceria com Lennon.


Paul ainda carrega sem sequelas o peso de ser um ex-Beatle sabendo sê-lo, usa sua celebridade em prol da causa ambiental e, ainda por cima, tem uma filha talentosa que soube vestir com elegância o nome do pai. McCartney cai tão bem em Stella quanto os modelos que ela cria.


Se o planeta tivesse ido para o espaço, o mundo não estaria desviando, mais uma vez, das colunas de cinza e nuvens de fumaça de mais um vulcão da Islândia, forçando a aviação à redistribuição de rotas aéreas e atenção dobrada. Mais uma vez o país de Bjork disse ao que veio e, dessa vez, a mídia por aqui desistiu de informar o nome do vulcão, mais um impronunciável presume-se.


Não estaríamos discutindo a volta da inflação se o mundo não mais existisse, nem apostando se os estádios, aeroportos e outras obras de infra-estrutura ficarão prontas para a Copa e as Olimpíadas. Pior, não veríamos a realização dos eventos aqui, em 2014 e 2016, com ou sem condições mínimas.


Se o mundo tivesse acabado, encerraríamos a celeuma sobre a hegemonia da tal norma culta e estaríamos desonerados, enfim, concordâncias nominais e verbais. Não mais Português em provas e nem em concursos. Para quê? E assim, pendurados em galhos eventualmente sobreviventes da grande catástrofe, nós ia curtir e se acabá de rir de todas as nossas pequenas preocupações diárias que nos faz acreditar ser pessoas séria. Quando é mesmo o próximo fim do mundo?

Carlos Leonam e Ana Maria Badaró


Carlos Leonam é jornalista, trabalhou na Última Hora, Tribuna da Imprensa, O Cruzeiro, Veja, Pasquim, Jornal do Brasil, O Globo. Autor do livro Os Degraus de Ipanema. Ana Maria Badaró é jornalista, trabalhou na Última Hora, Jornal do Commercio, Radio JB-AM, TV Manchete, TVE, PUC-Rio.

Fonte:CartaCapital

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