quarta-feira, 18 de março de 2009

MST:DIREITA QUER ANTECIPAR O CALENDÁRIO ELEITORAL DE 2010

18/3/2009


Por Redação - do Rio de Janeiro


Com os rigores da crise se apresentando à realidade nacional, e diante da ameaça à implantação do modelo agrícola voltado ao agronegócio, viu-se nos últimos dias um recrudescimento da perseguição de setores do poder e da mídia contra o MST e suas reivindicações – amparadas pela própria constituição. Marina dos Santos, coordenadora nacional do MST, fez uma análise que aponta para uma antecipação do calendário eleitoral de 2010 promovida por partidos de direita, que pretende denegrir o atual governo ao mesmo tempo em que combate qualquer tipo de mobilização social em defesa dos trabalhadores.

Marina, falando à economista Valéria Nader e ao jornalista Gabriel Brito, ambos do jornal eletrônico Correio da Cidadania, refuta a hipótese de uso indevido de verbas públicas para ocupações, avisando que o movimento continuará combatendo as políticas de financiamento a "empresas causadoras da crise, como a Stora Enzo, Veracel e outras, que continuam demitindo e que promovem trabalho escravo, degradam o meio ambiente e dependem de exportação".

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

– O que o MST pretende mostrar à opinião pública com as recentes ocupações de terra em Pernambuco e São Paulo, uma vez que já se manifestou que o grande problema a ser combatido é o modelo econômico, com privilégio ao agronegócio?

– Estamos nesse momento de crise em que a sociedade vive, em conseqüência de todo o modelo neoliberal aqui promovido, que suprimiu o papel do Estado privatizando empresas públicas, destruindo instrumentos de defesa nacional, desregulamentando outros, retirando direitos dos trabalhadores, gerando desemprego... São várias as conseqüências provocadas pela crise e achamos que, se não houver um processo de mobilização geral, a conta acabará sendo paga pelo conjunto dos trabalhadores.

Portanto, pensamos que todo tipo de mobilização social – greve, paralisação, ocupação de terra – é importante, principalmente no campo. Isso porque a reforma agrária é uma política que pode contribuir como proposta de superação desta crise. Ela é importante porque é uma política barata, democratiza renda, riqueza, propriedade privada, meios de produção, gera empregos, produz alimentos, preserva o meio ambiente. Todas essas são questões relevantes e por isso as ocupações de terra são importantes, pois precisam ser colocadas na ordem do dia, nos debates nacionais.

– É assim que o movimento espera, na atual fase, convencer a sociedade do equívoco que representa tal modelo?

– Acho que o equívoco se revelou sozinho, porque há pouco tempo, antes da crise, ninguém aceitava sequer dialogar sobre o atual modelo de agronegócio e a ameaça que representava à vida no campo, à soberania alimentar, e sua lógica de exploração e concentração de terras e bens naturais – água, terra, energia, minérios... Dessa forma, é a crise que demonstra que tal modelo de desenvolvimento não resolve o problema dos trabalhadores. Sendo assim, a mobilização é uma forma de a classe se conscientizar da gravidade da crise em que nos encontramos, que não é cíclica, como dizem alguns analistas, mas sim estrutural, muito mais forte, de longo prazo, tendendo a piorar cada vez mais. É uma forma de as pessoas, de fato, se mobilizarem e debaterem, para, sobretudo, fazerem a luta no sentido de que o preço da crise não seja pago pelo bolso dos trabalhadores. Seu custo deve ser cobrado das empresas que se apropriaram de todas as estruturas e bens de capital, e que agora querem se apropriar também de nossas vidas.

– Como o MST encara as acusações de uso ilegal de verba pública, através de cooperativas, como a Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), inclusive para a prática de atos ilícitos?

– O MST nunca viu nem precisou de um tostão de recursos públicos para fazer ocupações de terra e de latifúndios improdutivos. Já são 25 anos de MST, a sociedade brasileira já pôde tomar ciência da seriedade do movimento ao utilizar a ocupação das terras improdutivas para mobilizar e pressionar o governo a atender aos acampamentos e avançar nas propostas de reforma agrária. O que achamos engraçado é que colocam o MST no patamar de quem desvia recursos públicos, mas não denunciam o que os governos promoveram de destruição do Estado brasileiro, através de privatizações, de retirada das políticas públicas necessárias à sociedade etc. Portanto, continuaremos defendendo a idéia de que o governo tem a obrigação de liberar recursos públicos para investir nas áreas da educação, saúde, agroindústria, fortalecendo os assentamentos e comunidades rurais de todo o interior do país.

– Mas há realmente repasse de verbas dessas associações para o MST, o que configuraria, segundo algumas lideranças e estudiosos do próprio movimento, um processo absolutamente legal?

– Existem entidades cadastradas e em situação totalmente legal nas instâncias do governo federal para receber dinheiro com o objetivo de investir nessas áreas, não só de assentamentos, como também em todo o meio rural. Tais entidades exercem o papel que deveria ser do Estado brasileiro, o de investir em educação, saúde, capacitação, agroindústria e diversos setores dos quais se retirou, pelo simples intuito de apoiar as empresas transnacionais e salvar o capital. Como dito, em nenhum momento o MST se utilizou de verbas públicas para realizar as ocupações. São os assentamentos da reforma agrária que utilizam esses recursos para investir em agricultura, pois precisam deles.

– O que pensa, assim, da cruzada de alguns membros de altas esferas de poder no sentido de denegrir o movimento, como se viu através do Ministério Público gaúcho e de declarações de Gilmar Mendes?

– Vemos que a elite, a direita brasileira, está fazendo uma leitura da crise pela qual passamos. Estão preocupados, com medo, e não admitem a possibilidade de haver movimentos organizados nesse país, pois sabem que são um ‘mau exemplo’ para a classe trabalhadora e que esta pode vir a se mobilizar para cobrar seus direitos. Fazendo tal leitura, as elites anteciparam o calendário eleitoral de 2010, colocando um bem preparado representante seu como interlocutor e porta-voz oficial, no caso o Gilmar Mendes.

– E quanto às referências pejorativas da própria mídia, como, por exemplo, a Folha de S. Paulo, que acusa o movimento de delinqüir, em editorial do dia 11 de março, em sua página A2?

– Seguindo a lógica da leitura da crise por parte da elite, coloca-se todo o aparato de repressão ideológica do estado brasileiro - via meios de comunicação, imprensa, parte do judiciário, parte do MP - para criminalizar os movimentos sociais. O fechamento das escolas no Rio Grande do Sul é mostra disso. Não devemos nos amedrontar, mas sim continuar com o processo de mobilização, luta e ocupação de terra, para assim garantir a realização da reforma agrária no país. A participação da imprensa serve para estigmatizar o MST diante da sociedade, mas o movimento também recebe a solidariedade dos trabalhadores brasileiros e da comunidade internacional, que acreditamos que continuarão nos defendendo e também se defendendo desse modelo de desenvolvimento para o país.

– Como você vê a situação paradoxal onde tanto estas autoridades quanto a própria mídia acusam o governo de compactuar e acobertar o movimento, quando ao mesmo tempo sabemos das insatisfações do MST com a política agrária sob o mandato de Lula?

– Por conta da crise, voltamos a ver nesse caso que a direita antecipou o calendário político de 2010. Dessa forma, o que procuram é mesmo estigmatizar e desmoralizar o movimento, jogando contra ele toda a sociedade. Mas continuaremos trabalhando dentro da ótica que defendemos.

– O movimento enxerga na crise perspectivas, ou possui estratégias, para fortalecer suas reivindicações e aumentar o respaldo junto à opinião pública?

– Continuaremos nos mobilizando com os trabalhadores, também dando sequência à luta pela reforma agrária. Seguiremos em frente com as jornadas de lutas, contestando as verbas públicas que o Estado brasileiro concede às empresas causadoras da crise, como as liberações do BNDES à Stora Enzo, Veracel e outras que, por sua vez, continuam demitindo. Devemos nos posicionar contra o financiamento a empresas que promovem trabalho escravo, degradam o meio ambiente e que dependem de exportação, sem se preocupar com a produção de alimentos para o mercado interno. São todos pontos que continuarão em nossa pauta de forma destacada. Correio do Brasil.

Nenhum comentário: