quarta-feira, 18 de março de 2009

O BRASIL INCOMODA


Por Marta Barcellos, para o jornal VALOR ECONÔMICO

Era pouco provável que Barack Obama cometesse gafes ao referir-se ao Brasil no encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Washington, no último sábado. Os tempos em que um presidente americano podia confundir o país com a Bolívia, como fez Ronald Regan em 1982, parecem fazer parte de um passado distante, especialmente quando um líder de reconhecido porte intelectual chega à Casa Branca. No entanto, pode-se afirmar que o mérito de distinguir o Brasil, agora, não é apenas de Obama.

Ao ganhar relevância econômica e política, nos últimos anos, o país deixou para trás a difusa imagem de mais uma "república das bananas" para ganhar contornos nítidos no noticiário internacional. Nas últimas semanas, por exemplo, os correspondentes estrangeiros não tiveram muito tempo para reportagens pitorescas sobre verão ou carnaval: precisavam também analisar o impacto da crise financeira internacional no país e explicar a estratégia adotada pelo governo para enfrentá-la.

Mas a ideia de que bastaria nos livrarmos dos olhares preconceituosos, folclóricos ou desinformados para cairmos nas graças da opinião pública internacional revelou-se uma falácia. Estar em evidência pode significar também contrariar interesses e dar munição para que apontem, com embasamento, nossas mazelas. É o que mostra uma pesquisa do instituto GlobeScan, de Londres, realizada em 21 países. Mesmo bem cotado em relação aos demais, o Brasil viu aumentar a percepção negativa sobre sua influência no mundo justamente em quatro países ricos: Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e França.

Segundo o levantamento, a visão predominantemente negativa dos americanos em relação ao Brasil aumentou de 19% para 23% no último ano. No caso da França, essa percepção subiu de 23% para 33% dos entrevistados, e no Reino Unido, de 31% para 35%. O resultado negativo mais surpreendente veio da Alemanha, onde 40% das pessoas disseram que o Brasil exerce má influência no mundo, proporção que estava em 28% na pesquisa anterior.

Na perspectiva alemã, ao contrário dos outros três países, a visão negativa passou a superar a positiva, de apenas 30%. O quadro é bem diferente, por exemplo, do radiografado nos Estados Unidos, onde, embora maior, a visão negativa do Brasil corresponde à metade das opiniões favoráveis, de 47%.

O Brasil segue o padrão verificado na avaliação da China, Rússia e Índia, seus companheiros no grupo de principais economias emergentes (o chamado Bric) - com o detalhe de que os dois primeiros foram destacados na pesquisa divulgada globalmente pelo instituto, pois a visão negativa sobre ambos passou de uma média de 33% para 40%, e de 34% para 42%, respectivamente. Na avaliação feita pelos alemães, China, Rússia e Índia registraram pioras na imagem mais expressivas do que no caso brasileiro.

Para Sam Mountford, diretor de pesquisas da GlobeScan, os efeitos da crise econômica na pesquisa são difíceis de mensurar, já que a maior parte das entrevistas aconteceu no final do ano passado, quando a dimensão real da turbulência ainda não fora percebida pelo público. Mesmo assim, ele acredita que a avaliação mais negativa recebida pelo Brasil nos Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido deve estar relacionada ao desenvolvimento econômico do país. "O Brasil é cada vez mais notícia", diz Mountford. "Há muita discussão sobre o crescimento do Brasil, China, Rússia e Índia na mídia desses países e é bastante provável que essas pessoas estejam começando a se sentir ameaçadas - do ponto de vista econômico, não político", ressalta.

"Existe um preço para a maior exposição internacional", concorda o cientista político Amaury de Souza, consultor da MCM Associados. "Na América do Sul, por exemplo, já somos vistos como os novos yankees."

O publicitário Nizan Guanaes, presidente do Grupo ABC, acredita que a imagem do Brasil não poderia estar melhor no exterior, por consequência das conquistas econômicas e institucionais dos últimos anos, e atribui qualquer variação nessa percepção ao incômodo causado pela competição internacional. "Talvez fosse mais fácil gostar do Brasil do mulato faceiro do que do gigante", diz. "Não dá para querer ser sempre o queridinho, ainda mais quando se está travando embates de mercado, em um mundo cada vez mais protecionista."

A maior visibilidade do país aconteceu principalmente em função de a sigla Bric ter caído no gosto popular, lembra Amaury de Souza. Ao surfar na promissora onda das nações que seriam os "tijolos" ("bricks", em inglês) a sustentar o crescimento global, o Brasil conseguiu projeção e distinção, mas também passou a ser visto como parte de um bloco. É justamente a imagem desse conjunto de países que pode estar em questão, diz Matias Spektor, doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford e coordenador do MBA de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo ele, os países do Bric tendem a perder espaço com a crise econômica, enquanto os Estados Unidos veem aumentar sua própria importância - o que estaria implícito na pesquisa da GlobeScan. Na média, a visão negativa sobre os Estados Unidos caiu de 47% para 43%, enquanto a positiva aumentou de 35% para 40%, refletindo também a eleição de Barack Obama. "A opinião pública espera que a solução da crise venha por meio da liderança americana, e não que passe pelo Bric, cuja imagem agora está mais próxima da de tijolos desmoronando", compara Spektor. Ele destaca que a situação da economia internacional hoje é mais hostil, e o clima de tormenta aumenta a tensão entre os países.

Mas a imagem do Brasil vai além de sua identificação como integrante do Bric, o que é evidenciado pela sexta posição ocupada na média de avaliações feitas sobre 15 países, atrás apenas de Alemanha, Canadá, Grã-Bretanha, Japão e França. Essa é a boa notícia do levantamento, diz o professor da FGV. Spektor observa que, nesse ranking geral, o Brasil está acompanhado justamente por países que também pleiteiam uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas: Alemanha, Japão, Índia e África do Sul. A pretensão brasileira, ressalta, não pode ser vista apenas como uma forma de aumentar o status ou a visibilidade do país. "Ganhar influência e poder nas relações internacionais sempre vem junto com um custo."

Um exemplo de responsabilidade que aparece com a conquista de status internacional é a questão ambiental, apontada como uma das fragilidades da imagem brasileira por uma pesquisa qualitativa paralela ao estudo, na qual os entrevistados explicaram sua opinião sobre o país. Nessa pequena amostra, conta Mountford, foi detectada uma forte preocupação com as perdas da floresta amazônica e a percepção de que o governo brasileiro, apesar do desenvolvimento econômico, não combate o problema como deveria. Nesse grupo de pessoas, entrevistadas pela BBC, também foram mencionados problemas como a corrupção e a desigualdade na distribuição da riqueza no país. A democracia e o desenvolvimento econômico foram os destaques positivos.

Os comentários mostram um conhecimento da realidade brasileira impensável algumas décadas atrás, quando os correspondentes estrangeiros tentavam explicar planos econômicos estapafúrdios, nas reportagens, enquanto seus leitores imaginavam índios andando pelas ruas das cidades. "Isso mudou radicalmente", diz Mery Galanternick, que começou a trabalhar na sucursal brasileira do "New York Times" na década de 1960. "O Brasil agora chama a atenção pelo que está fazendo de relevante. Passou a ser considerado um `player´ global."

Jens Glüsing, correspondente da "Der Spiegel", acredita que a redução do Brasil a um país de mulheres bonitas e futebol ocorre na mesma proporção em que muitos brasileiros veem os alemães apenas como bebedores de cerveja. "As pessoas com mais formação são bem informadas sobre o Brasil, conhecem detalhes da economia e da política. A imagem do presidente Lula, entre os formadores de opinião, é melhor lá fora do que aqui, até porque há uma comparação com o [presidente da Venezuela] Hugo Chaves."

O calcanhar de Aquiles brasileiro, que poderia explicar a virada na visão alemã do país na pesquisa GlobeScan, é a política ambiental. "Nesse aspecto, e acredito que somente nele, a imagem do país deve estar realmente piorando na Alemanha", diz Glüsing. O jornalista foi a Brasília no ano passado para cobrir a visita da primeira-ministra Angela Merkel, e recorda-se da "saia justa" que representou a coincidência entre a chegada da governante alemã e a renúncia da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Para o cientista político Amaury de Souza, a sensibilidade ao tema ambiental extrapola os limites da Alemanha, berço do primeiro partido verde do planeta. "Não nos damos conta da reação que as notícias negativas sobre ambiente geram no exterior", afirma Souza. "O que para nós é tolerável, para eles é execrável."

Preocupado com a imagem externa, o governo brasileiro contratou no fim do ano passado a Companhia da Notícia (CDN) para trabalhar de forma integrada à Secretaria de Comunicação Social (Secom) em ações voltadas principalmente aos Estados Unidos, Europa e Ásia. "Faremos um trabalho de divulgação dos esforços do governo para combater o desmatamento", diz Rodrigo Baena, diretor internacional da Secom. Em um primeiro momento, o trabalho na área ambiental será direcionado para o monitoramento do que é publicado pela imprensa internacional, explica Andrew Greenlees, vice-presidente da CDN. "Percebemos que existem muitos equívocos em relação a dados, que são divulgados ou interpretados de forma incorreta."

Na licitação para a contratação da agência, em abril do ano passado, o governo demonstrou preocupação com duas áreas, que deveriam ser alvo de propostas detalhadas por parte das candidatas: etanol e tecnologia da informação (TI). Vencedora da concorrência, a CDN constatou em seus estudos um alto grau de conhecimento do etanol brasileiro, ao contrário do setor de TI. A crise internacional, porém, acabou por mudar o foco e a agenda econômica do país, tornando o assunto menos relevante. "Estamos discutindo agora quais temas serão prioridade", diz Greenlees. "Mas já percebemos algumas oportunidades de divulgação, como na área de energia, na qual há muito interesse e veículos especializados."

O alcance de ações de divulgação, no entanto, tornou-se motivo de controvérsia desde que o governo anunciou o gasto anual de R$ 15 milhões no projeto. "O Brasil não vai conseguir controlar o que é publicado sobre a Amazônia, onde estão muitos pesquisadores estrangeiros", diz Glüsing, da "Der Spiegel", lembrando do impacto das reportagens sobre a região feitas pela "Nature", uma das revistas científicas mais conceituadas do mundo. "Mais importante do que melhorar a imagem, é melhorar a realidade", diz ele. Nesse sentido, a próxima reunião das Nações Unidas sobre mudança climática, marcada para o fim do ano em Copenhagen, poderia ser uma oportunidade efetiva para o Brasil, diz Matias Spektor. "Mas somente se houver uma mudança de atitude", ressalta. "Para ser um `player´ importante, é preciso assumir um custo, fazer coisas que não são necessárias quando se é um jogador secundário."

No caso do ambiente, o Brasil não tem como fugir do papel de líder, acredita o professor Celso Lafer, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e ministro das Relações Exteriores durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A floresta, a matriz energética limpa, a biodiversidade e o etanol tornam as decisões do país fundamentais para o resto do planeta, independentemente do desejo de assumir essa liderança. "É um caso em que se mistura o ´soft power´ e o `hard power´ ", afirma, referindo-se aos conceitos celebrizados pelo cientista político americano Joseph Nye, e que também servem para classificar as formas de inserção internacional de um país.

Quando ministro, Lafer teve uma conversa com o jornalista americano Larry Rohter transcrita no livro "Deu no New York Times", no qual o correspondente conta histórias de sua experiência no Brasil. Nela, ambos concordavam com vocação do Brasil para exercer atração e influência por meio do "soft power", mais relacionado à cultura, ao esporte e aos valores. O outro caminho, o "hard power", seria o do poder militar ou econômico - impensável naqueles anos, em que a estabilidade da moeda ainda não se traduzira em crescimento. Para Lafer, as duas formas de poder são cada vez mais complementares. "A eleição de Obama representou a recapitalização do ´soft power´ para os Estados Unidos", exemplifica.

Da mesma forma, governantes que deveriam discutir questões bilaterais de impacto acabam pautados por casos que mobilizam a opinião pública de seus países, como o da brasileira Paula Oliveira, que afirmou ter sido agredida por neonazistas na Suíça, ou do menino Sean Goldman, cuja guarda é disputada pelo pai americano e avós brasileiros.

Casos assim são importantes na construção da imagem de um país? Para Matias Spektor, assuntos dessa natureza são passageiros, e não dominam de fato as agendas dos países. Já Lafer acha que essas questões são relevantes, e os governos não têm como fugir delas. "É a velha história: todo presidente quer pautar a imprensa, e toda imprensa quer pautar o presidente."
Pescado na Gazeta de Joinville.

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