Coisas da Política
A ofensiva governista para o avanço da candidatura de Dilma Rousseff – aqui analisada na quarta-feira passada – obteve ganhos consideráveis no último fim de semana, quando a ministra esteve frente a frente, no Rio, com integrantes da Mensagem ao Partido. Segunda maior corrente petista, o grupo surgiu no início de 2007, pregando a reforma ética pós-mensalão e a oxigenação do diálogo interno do partido. No encontro, em que a ministra flertou com um ambiente de campanha presidencial, permitiu a Dilma um ganho duplo. Primeiro, o óbvio: obter o apoio de uma corrente importante do PT. (Por tabela, o ministro da Justiça, Tarso Genro, espécie de ideólogo da corrente, posou para fotos ao lado dela, cena que sepultou as insinuações de que tramaria contra a ministra). O segundo ganho não chega a ser propriamente um ganho, mas um teste: sua capacidade de empolgar militantes petistas – rito de passagem para o teste final com o eleitor, quando a campanha começar de fato.
Que Dilma seja hoje a preferida do presidente Lula, não há dúvida. Que venha, aos poucos, adquirindo musculatura interna como candidata presidencial do PT no ano que vem, também não. As incertezas dão o ar da graça quando surgem duas questões relevantes. Primeiro, que diferenças serão demarcadas por um governo petista (de Dilma) pós-Lula? Segundo, ela conseguirá na campanha remover a placa técnico-científica que lhe é característica em nome de uma dose maior de intensidade emotiva, essencial para eleitores, militantes ou não? É cedo para cobrar-lhe respostas definitivas, mas quem esteve no encontro petista pôde ter uma ideia da trilha percorrida – e a percorrer – pela ministra.
Até aqui Dilma se mostra bem-sucedida no primeiro ponto, mas ainda parece cambaleante no segundo. Ou, como ouvi de um sábio intelectual ligado ao PT, seu discurso no Rio foi mais de uma ministra da infraestrutura do Brasil e menos de uma candidata a candidata à Presidência. Mas a ministra buscou mostrar, com certa ênfase até, que está pronta para rebater o discurso de oposição, segundo o qual o governo não reagiu ou reagiu mal à crise internacional. E revelou ter, na ponta da língua, argumentos para comparar o que foi o enfrentamento de crises em governos anteriores e os embates da gestão da equipe de Lula na crise atual.
Dilma também deu foco ao emprego, o habitual efeito colateral de hecatombes econômicas. (De novo, a comparação com o passado, ao dizer que o custo do capital é hoje alto devido a "20 anos sem investimentos". Seu contraponto é defender o inverso: "manter e aprofundar" o ritmo de obras estruturantes, com a preocupação, segundo ela, de democratizar regionalmente os investimentos). Por fim, Dilma apontou o dedo para o problema do acesso aos serviços públicos como habitação, saneamento e educação, e seu papel para inclusão social – na prática, o reconhecimento de uma fragilidade do governo Lula e a demarcação de um norte para a campanha futura.
O fio condutor do discurso parece estar na recomposição do Estado brasileiro, retomado nos mandatos do presidente Lula. Os pré-candidatos do PSDB, José Serra e Aécio Neves, costumam fazer menção ao gigantismo que a máquina estatal adquiriu com Lula. Dilma também incorporou o tema da reforma do Estado. Ao contrário dos tucanos, porém, aborda o tema da eficiência antes pela adoção da meritocracia do que pela redução da máquina. A crise ajuda a delinear os termos do debate, tanto no diagnóstico da turbulência quanto na identificação de saídas para escapar da salvação. "Não se pode compactuar com a apropriação privada do aparato do Estado", disse a ministra, numa senha do terreno pelo qual trafegará seu discurso. "Ninguém tinha a consciência do tamanho do rombo, exceto aqueles que conheciam as trapaças que ocorriam dentro do sistema". Dura e agressiva assim.
A ministra e as correntes que vierem a apoiá-la terão um desafio adicional. Costuma-se dar ênfase ao que seria a definitiva demonstração da inviabilidade de um capitalismo sem regulação (o que, na realidade, nunca houve) e da demonstração de que a economia não vive sem o Estado (trivialidade similar). As elites parecem pensar o contrário: a esperança de que a economia dos EUA se recupere o mais rápido possível, como premissa para que o mundo não entre em colapso econômico. Para eleitoralmente atingirem o espaço atingido por Lula, teóricos e ideólogos anticonservadores precisarão ir além da demolição conceitual do capitalismo desregulamentado. E sugerir alguma política econômica minimamente inovadora. Assunto para outro dia.
A ofensiva governista para o avanço da candidatura de Dilma Rousseff – aqui analisada na quarta-feira passada – obteve ganhos consideráveis no último fim de semana, quando a ministra esteve frente a frente, no Rio, com integrantes da Mensagem ao Partido. Segunda maior corrente petista, o grupo surgiu no início de 2007, pregando a reforma ética pós-mensalão e a oxigenação do diálogo interno do partido. No encontro, em que a ministra flertou com um ambiente de campanha presidencial, permitiu a Dilma um ganho duplo. Primeiro, o óbvio: obter o apoio de uma corrente importante do PT. (Por tabela, o ministro da Justiça, Tarso Genro, espécie de ideólogo da corrente, posou para fotos ao lado dela, cena que sepultou as insinuações de que tramaria contra a ministra). O segundo ganho não chega a ser propriamente um ganho, mas um teste: sua capacidade de empolgar militantes petistas – rito de passagem para o teste final com o eleitor, quando a campanha começar de fato.
Que Dilma seja hoje a preferida do presidente Lula, não há dúvida. Que venha, aos poucos, adquirindo musculatura interna como candidata presidencial do PT no ano que vem, também não. As incertezas dão o ar da graça quando surgem duas questões relevantes. Primeiro, que diferenças serão demarcadas por um governo petista (de Dilma) pós-Lula? Segundo, ela conseguirá na campanha remover a placa técnico-científica que lhe é característica em nome de uma dose maior de intensidade emotiva, essencial para eleitores, militantes ou não? É cedo para cobrar-lhe respostas definitivas, mas quem esteve no encontro petista pôde ter uma ideia da trilha percorrida – e a percorrer – pela ministra.
Até aqui Dilma se mostra bem-sucedida no primeiro ponto, mas ainda parece cambaleante no segundo. Ou, como ouvi de um sábio intelectual ligado ao PT, seu discurso no Rio foi mais de uma ministra da infraestrutura do Brasil e menos de uma candidata a candidata à Presidência. Mas a ministra buscou mostrar, com certa ênfase até, que está pronta para rebater o discurso de oposição, segundo o qual o governo não reagiu ou reagiu mal à crise internacional. E revelou ter, na ponta da língua, argumentos para comparar o que foi o enfrentamento de crises em governos anteriores e os embates da gestão da equipe de Lula na crise atual.
Dilma também deu foco ao emprego, o habitual efeito colateral de hecatombes econômicas. (De novo, a comparação com o passado, ao dizer que o custo do capital é hoje alto devido a "20 anos sem investimentos". Seu contraponto é defender o inverso: "manter e aprofundar" o ritmo de obras estruturantes, com a preocupação, segundo ela, de democratizar regionalmente os investimentos). Por fim, Dilma apontou o dedo para o problema do acesso aos serviços públicos como habitação, saneamento e educação, e seu papel para inclusão social – na prática, o reconhecimento de uma fragilidade do governo Lula e a demarcação de um norte para a campanha futura.
O fio condutor do discurso parece estar na recomposição do Estado brasileiro, retomado nos mandatos do presidente Lula. Os pré-candidatos do PSDB, José Serra e Aécio Neves, costumam fazer menção ao gigantismo que a máquina estatal adquiriu com Lula. Dilma também incorporou o tema da reforma do Estado. Ao contrário dos tucanos, porém, aborda o tema da eficiência antes pela adoção da meritocracia do que pela redução da máquina. A crise ajuda a delinear os termos do debate, tanto no diagnóstico da turbulência quanto na identificação de saídas para escapar da salvação. "Não se pode compactuar com a apropriação privada do aparato do Estado", disse a ministra, numa senha do terreno pelo qual trafegará seu discurso. "Ninguém tinha a consciência do tamanho do rombo, exceto aqueles que conheciam as trapaças que ocorriam dentro do sistema". Dura e agressiva assim.
A ministra e as correntes que vierem a apoiá-la terão um desafio adicional. Costuma-se dar ênfase ao que seria a definitiva demonstração da inviabilidade de um capitalismo sem regulação (o que, na realidade, nunca houve) e da demonstração de que a economia não vive sem o Estado (trivialidade similar). As elites parecem pensar o contrário: a esperança de que a economia dos EUA se recupere o mais rápido possível, como premissa para que o mundo não entre em colapso econômico. Para eleitoralmente atingirem o espaço atingido por Lula, teóricos e ideólogos anticonservadores precisarão ir além da demolição conceitual do capitalismo desregulamentado. E sugerir alguma política econômica minimamente inovadora. Assunto para outro dia.
Fonte:Jornal do Brasil, 25/03/2009.
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