terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Todas as mulheres da presidente


Cynara Menezes

Todas as mulheres da presidente: fosse hoje em dia, o clássico do cinema moderno dirigido por Alan Pakula, em 1976, poderia ter de mudar de título, ao menos no Brasil. Eleita primeira mulher a ocupar o cargo máximo do País, Dilma Rousseff pretende se cercar de, no mínimo, um terço de representantes femininas em seu ministério. Até agora, porém, oito nomes vieram à baila, e somente uma delas foi confirmada na equipe: a paulista Miriam Belchior, futura ministra do Planejamento. Também é dada como certa a indicação da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) para a pasta da Pesca e Aquicultura.


A bolsa de apostas para o primeiro escalão de Dilma é, em se tratando de mulheres (e bolsas), bastante variada. No momento, estão cotadas a filósofa Marilena Chauí, para a Cultura; as deputadas federais Iriny Lopes (PT-ES), para a Secretaria das Mulheres, e Maria do Rosário (PT-RS), para os Direitos Humanos; e a senadora eleita Lídice da Mata (PSB-BA) para o Ministério da Integração Nacional. A jovem deputada Manuela D’Ávila, de 29 anos, e a veterana Jandira Feghali, são os nomes do PCdoB citados para o Esporte.

No Meio Ambiente, tanto pode permanecer a atual ocupante do cargo, Izabella Teixeira, que substituiu Carlos Minc, quanto ser nomeada Marilene Ramos, secretária no governo de Sérgio Cabral. A única certeza é que o ministério será ocupado por uma mulher, a exemplo de Marina Silva, primeira ministra da pasta no governo Lula. Também é quase certo que Iriny, Ideli e Rosário sejam nomeadas para algum posto no novo governo, embora ainda não se saiba exatamente quem irá para qual. Como a pasta da Pesca “pertence” à tendência Articulação de Esquerda do PT e deverá ser ocupado por Ideli, é possível que Iriny, ligada ao grupo, fique com Direitos Humanos, e Rosário siga para a Secretaria das Mulheres.


Dilma também gostaria de ter uma representante do sexo feminino, e negra, na Secretaria da Igualdade Racial, mas até agora não encontrou o nome ideal. Portanto, parlamentares petistas especulam o nome do deputado e ex-sindicalista Vicentinho. As maiores zebras entre as mulheres cotadas são Marilena Chauí e Manuela D’Ávila. Chauí enfrenta o favoritismo do escritor Fernando Morais, que tem dito a amigos não ser verdade que tenha aceitado a Cultura. Existe ainda a possibilidade, não de todo descartada, da permanência do atual titular, Juca Ferreira, no cargo. Manuela poderia ser uma solução para o Esporte se o ministro Orlando Silva aceitar ficar apenas com a direção da entidade coordenadora das Olimpíadas e da Copa do Mundo. Dilma adiantou que o titular do ministério não acumulará as duas funções.


Caso consiga atingir de fato a meta de nomear 12 ministras – num total de 37 pastas –, Dilma, como boa feminista, dará o exemplo à classe política para o cumprimento da lei, de 1997, que prevê a reserva pelos partidos de um terço das vagas para as candidatas mulheres nas eleições, ainda não exatamente em vigor. Neste ano, foram 21% de candidatas mulheres por partido no País, em média. O fato de existir legislação estabelecendo cota mínima tampouco tem sido suficiente para aumentar a participação da mulher na política nacional. Ao contrário. Na última eleição, as representantes femininas na Câmara caíram de 46 para 44 mulheres, num total de 513 deputados federais. No Senado, dos 54 senadores eleitos, só 8 são mulheres.


“Infelizmente, a mudança que houve com a eleição de Dilma para a Presidência não se refletiu no Legislativo”, diz o deputado federal Ricardo Berzoini, ex-presidente do PT. “Ainda que o sistema de listas fechadas proposto pelo governo na reforma política seja aprovado, é melhor que se adote, em vez de um terço, o sistema de um para um: uma mulher candidata para cada homem. Se não for por regra, essa paridade não vai acontecer nunca.” Caso seja aprovada a reforma, os eleitores não terão mais a opção de votar no candidato, mas na lista partidária, que será identificada pela sigla ou o número do partido em cuja lista pretende votar. O que, acredita-se, beneficiará as mulheres.

Mesmo que não alcance a cota de um terço a que se propõe, Dilma terá mais mulheres no primeiro escalão do que seus antecessores, Lula incluído. Fernando Henrique Cardoso teve duas: Dorothéa Werneck, na Indústria e Comércio, e Cláudia Costin, na Administração. Werneck também foi ministra de Itamar Franco, no Trabalho. Zélia Cardoso de Mello causou sensação ao tomar posse como a ministra da Economia de Fernando Collor, mas acabou deixando o cargo ao vir à tona o romance que mantinha com o colega Bernardo Cabral, apelidado “boto-tucuxi” e casadíssimo. No mundo machista da política, não pegou bem para a “dama de ferro” da economia demonstrar “fraquezas femininas”. À luz de hoje, Zélia caiu, na verdade, porque o plano econômico de Collor foi um desastre.


Lula chegou a ter cinco ministras ao assumir a Presidência, em 2003: Marina, no Meio Ambiente, Emília Fernandes, na Secretaria Especial das Mulheres, Matilde Ribeiro, na Igualdade Racial, e Benedita da Silva, na Ação Social, além de Dilma, em Minas e Energia. Hoje possui apenas três mulheres no primeiro escalão de seu governo: Nilcéa Freire, na Secretaria das Mulheres, Márcia Lopes, no Desenvolvimento Social, e Izabella Teixeira. Assim como Izabella pode permanecer no Meio Ambiente, Márcia tem chances de continuar no cargo, o que aumenta as possibilidades de a presidente cumprir a cota.


No mundo da esquerda moderna, o que se prega é a distribuição paritária por gênero: metade dos ministérios para os homens, metade para as mulheres. Assim fez o socialista espanhol José Luis Zapatero ao assumir o poder, em 2004. Nomeou nada menos que nove ministras mulheres para seu gabinete – se fosse excluído o próprio presidente de governo, como se chama por lá o primeiro-ministro, elas chegavam a ser maioria de um total de 17. A ministra da Defesa, Carme Chacón, uma loira atraente de apenas 38 anos, é forte candidata à sucessão de Zapatero e declarou recentemente que a Espanha “já está preparada para ter uma presidente mulher”.

Em setembro deste ano, as orgulhosas e ultrafeministas espanholas ficaram indignadas ao ver o jornal conservador alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung retratar suas ministras como as “bonequinhas da moda” de Zapatero, com fotos das vaidosas moças luzindo tailleurs elegantes e roupas de estilistas famosos. O que, ao que tudo indica, poderá não ser generalizado entre as ministras de Dilma, com perfil mais discreto em termos de figurino, mas terá suas representantes: a bela Manuela D’Ávila, a charmosa Marilene Ramos e a coquete Ideli Salvatti, por exemplo.

Os passos de Zapatero foram seguidos por Michelle Bachelet ao assumir a Presidência do Chile, em 2006. Com uma biografia similar a de Dilma na militância de esquerda durante a ditadura Pinochet, Bachelet decidiu dar metade das pastas de seu ministério às mulheres. Algumas delas duraram pouco no cargo, como a ministra da Economia, Ingrid Antonjevic, que ficou apenas quatro meses, supostamente por desentender-se com o colega (homem) da Fazenda. Já a ministra da Educação, Yasna Provoste, sofreu impeachment pelo Congresso. Apesar da alta rotatividade no primeiro escalão, Bachelet conseguiu manter a paridade de dez homens e dez mulheres no seu ministério até o final.


Ser presidente e mulher não significa, obrigatoriamente, ter um grande número de representantes do sexo feminino no gabinete. Cristina Kirchner, da Argentina, não deu tanta importância ao tema: entre seus 14 ministros, há apenas três mulheres, embora deva ser considerado que uma delas ocupa a estratégica pasta da Defesa, Nilda Garré. Entre os 15 integrantes do gabinete da chanceler alemã Angela Merkel, cinco são mulheres – ou um terço, como quer Dilma.

Para os grupos feministas, o ideal é a paridade levada a cabo por Bachelet e Zapatero, mas o mais importante seria que as ministras defendessem as causas do movimento. “E as maiores reivindicações das feministas hoje são a descriminalização do aborto e a aprovação da união civil dos homossexuais”, diz o filósofo José Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). “Pela história da Dilma, creio que ela teria interesse em mexer nesses temas, mas da forma como foram tratados na campanha, duvido. Não num primeiro momento ou um primeiro governo. Talvez só a união civil, e mesmo assim por iniciativa do Congresso.”

É bem pouco provável que aconteça em breve por aqui a aprovação de uma nova lei do aborto como a que passou no Senado da Espanha em fevereiro, tornando livre a interrupção da gravidez até a 14ª semana de gestação entre mulheres a partir dos 16 anos. Mesmo lá, a aprovação do texto foi tão controversa que, na hora de fazer os cortes no ministério sugeridos pelo Parlamento em virtude da crise econômica, uma das escolhidas por Zapatero foi justamente a ministra da Igualdade, Bibiana Aido, mentora do projeto.



Cynara Menezes


Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital.

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