sábado, 27 de setembro de 2008

O POVO AVISOU:LULA É MEU AMIGO, MEXEU COM ELE, MEXEU COMIGO

A assombração das palavras

Vitor Hugo SoaresDe Salvador (BA)

Em política, mais que em qualquer outra atividade, declarações infelizes costumam deixar marcas permanentes. A menos de 10 dias do primeiro turno de uma das mais acirradas e indefinidas disputas eleitorais de que se tem notícia, pela prefeitura de Salvador, dois dos candidatos mais cotados nas pesquisas - Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM) e Walter Pinheiro (PT) - provam deste cálice. Amargam em suas campanhas,como assombrações, o efeito bumerangue de palavras envenenadas, atiradas sem dar ouvidos ao conselho de Ulysses Guimarães de que "não se pode fazer política com o fígado, conservando o rancor e o ressentimento na geladeira".

No fragor da crise do "mensalão, que espalhou gasolina em vários ambientes do poder - a ponto de asfixiar o governo e quase detonar o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, os deputados ACM Neto e Pinheiro, embora em lados opostos, riscaram fósforo no plenário da Câmara, em Brasília. O primeiro, em momento de fúria, ao ameaçar "dar uma surra no presidente Lula". O segundo, em dia de frustração e desapontamento, ao anunciar, no plenário, que estava abandonando a bancada do PT, partido que ajudara a criar ao lado do sindicalista do ABC.

Chamas verbais que pareciam extintas, se reacendem na campanha, e causam sérios estragos ao candidato do DEM a cada pesquisa. Mas atrapalham também o petista que tenta acelerar para assegurar vaga no segundo turno do pleito municipal na terceira capital do País - um dos tambores de ressonância da sucessão presidencial de 2010.

ACM Neto, nas sondagens iniciais, chegou a ultrapassar a barreira dos 30% de intenção de votos que o "carlismo" normalmente desfruta na capital, qualquer que seja o candidato. Começou a cair desde que há umas três semanas apareceu, no horário eleitoral, o vídeo em que Neto prometia da tribuna da Câmara juntar-se ao tucano amazonense, Arthur Virgílio, para "dar uma surra em Lula". Por coincidência (ou não?), o vídeo, que rondava no Youtube, baixou na campanha de Salvador ao mesmo tempo em que as pesquisas de opinião detectavam que Lula e seu governo começavam a viver a sua fase de maior aprovação popular.

A partir daí, Neto começou a balançar no meio das marolas ampliadas por seus adversários, apesar dos sucessivos depoimentos no horário de propaganda política e explicações do candidato nos debates. Suas palavras de 2006, segundo o candidato, representavam uma reação indignada diante das informações de que no período em que ele investigava na CPI do mensalão, a Abin (Agência Brasileira de Informação) monitorava os telefonemas dele e de seus familiares.

"Exagerei na dose, reconheço. Hoje, mais amadurecido, não repetiria aquelas palavras", desculpa-se ACN Neto, publicamente, no horário político. Tenta assim, estancar a sangria que coloca em tela uma possibilidade que parecia impensável no começo da disputa: a ausência do candidato puro sangue do carlismo no segundo turno da eleição pelo governo de Salvador. Neto segue na frente na preferência popular entre todos os concorrentes ao palácio Thomé de Souza, mas a queda para 27% na intenção de votos, anotada pela mais recente pesquisa Data Folha, amarelou o sinal em suas hostes.

O petista Walter Pinheiro, com 20% na mesma pesquisa, mas em ascensão crescente desde os minguados 3% do fim da fila no começo da corrida eleitoral, dá sinais de ainda ter gás suficiente para a "virada" que sua campanha anuncia. A ponto de levá-lo ao segundo turno contra Neto, João Henrique (PMDB) ou Antonio Imbassahy, que agora corre por fora depois de boa largada, mas aparenta falta de fôlego, de apoio do tucanato nacional mais emplumado, e de grana para o esforço da chegada.

Entre petistas e analistas políticos da refrega soteropolitana, reina a firme impressão de que, na cidadela lulista em que Salvador se transformou nos últimos pleitos, tudo seria bem mais fácil para Pinheiro se ele tivesse escutado o aviso comedido de Ulysses, em lugar de se deixar levar pelo canto do "Bom Conselho", de Chico Buarque de Hollanda;"Faça como eu faço: aja duas vezes antes de pensar".

Fragmentos incandescentes das palavras de Neto e Pinheiro saltaram nos últimos dias das páginas da Internet para o centro do horário de propaganda eleitoral gratuito no Rádio e Televisão. A repercussão foi apimentada esta semana com um clipe do histórico comício no Farol da Barra, na campanha presidencial, em que Lula fala "daquele naniquinho que prometeu me dar uma surra".

Embolou a disputa entre os quatro principais candidatos ao Palácio Tomé de Souza - Antonio Imbassahy (PSDB), João Henrique (PMDB), além de Neto e Pinheiro, com Hilton Coelho, do PSOL, correndo por fora, incômodo para todos eles como a mosca da sopa na canção do baiano Raulzito.

No frigir dos votos, palavras infelizes, que seguem insepultas, voltam como assombrações e podem fazer a diferença.

Vitor Hugo Soares é jornalista e escreve aos sábados no Blog do Noblat.
Fonte: Terra Magazine.

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