Ricardo Giuliani Neto
Não trabalho com terra, portanto, não vou botar terra no caminhão de um nem tira-la do caminhão do outro. Ou seja, com terra ou sem terra, não sou dos que fica no mundo do “muito antes pelo contrário”.
Quero falar da Via Campesina, do movimento dos sem-terra e de Gilmar Mendes. Quero falar de um dos movimentos sociais num Brasil de despossuídos e quero lembrar dum tempo onde homens e mulheres com preocupações sociais apoiavam —incondicionalmente— os movimentos pela distribuição da terra e pelo fim do latifúndio.
Hoje não é mais assim. A cada episódio, ansiosamente esperamos pelas informações para ver de que lado estaremos: se no lado do apoio ou no do lamento. Contra, jamais! Falo por mim, sabendo que não posso mais falar por tantos outros.
Sou dos que entende como justas as organizações sociais que buscam melhores condições de vida para si e para os seus. Então, como me posicionar contra um movimento que tem este sentido? Como não pensar sobre os excessos que liquidam o direito dos outros? Falo do direito dos outros homens comuns... Muita reflexão se exige nestes momentos...
Sempre usei a expressão “ocupação” para contrapor “invasão”. Sempre levantei a Constituição do meu país para mostrar o direito dos trabalhadores, dos empresários, das donas de casa, dos estudantes, dos homens e das mulheres em se organizar do jeito que bem entenderem. De um jeito ou de outro, sempre estive na trincheira defendendo —independentemente do nome que usem—, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Agora pela Via Campesina, fazem o que sempre fizeram: movimento pela terra.
Os excessos já me incomodavam. A destruição de pesquisas em universidades públicas, etc... isso muito me incomoda. Mas sempre fui um tanto tolerante com excessos próprios de movimentos que enfrentam grandes resistências por parte do status quo.
Ocorre que dia desses, na semana passada, a Via Campesina, no contexto de um movimento nacional, ocupou uma agência bancária no meu Estado e manteve em cárcere privado, clientes e funcionários do banco, além de dois jornalistas que cobriam o evento.
Isso é inaceitável. Os trabalhadores do banco são tão trabalhadores quanto os trabalhadores sem-terra; os clientes, tão cidadãos quanto os cidadãos sem-terra; e os jornalistas, são trabalhadores e cidadãos cumprindo suas tarefas tanto quanto aqueles sem-terra que cumpriam sua agenda política. A atitude da Via Campesina é inaceitável por vários argumentos. Dois são fundamentais.
O primeiro decorre da injustiça da agressão perpetrada contra os seus iguais; a segunda decorre do fato de que os sem-terra estão jogando terra no caminhãozinho do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) quando critica este tipo de ação que, de fato, é contra a lei. Fica fácil para quem quer terminar, colocar na ilegalidade, o movimento legítimo quando o próprio movimento se encarrega de botar-fora o apoio social que tinha e permite que os seus algozes naveguem tranquilamente por senso comum que a intolerância rega e faz brotar como erva daninha.
Posso estar enganado, mas percebo que nessa via há um desvio, e, este desvio, convida, àqueles que entendem justas as reivindicações dos Sem-Terra, à reflexão.
Texto e música da semana: Morte e Vida Severina (João Cabral de Mello Neto e Chico Buarque de Hollanda)
Segunda-feira, 16 de março de 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário