quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Barack Obama, o Brasil, o neoliberalismo e a nova ordem internacional


Quinta-feira, 22 de outubro de 2009


Davis Sena Filho

Barack Hussein Obama II, advogado de 47 anos, senador da República e recém-eleito presidente dos Estados Unidos da América — a Nação mais rica do mundo e a maior potência militar da história da humanidade. Esta apresentação poderia ser para qualquer homem eleito presidente nos Estados Unidos, se não fosse uma realidade, que até pouco tempo jamais pensaríamos que fosse acontecer: Barack Obama é um homem negro, em um país que há um pouco mais de 30 anos era, irremediavelmente, dividido entre raças, de forma institucional e rotineira, o que fazia da nação mais poderosa do mundo um lugar de desassossego, violência e vergonha moral e espiritual.

Lembro-me quando pequeno, na década de 1960, e adolescente e jovem, nas décadas de 1970 e 1980, que os Estados Unidos, extra-oficial e oficialmente, experimentava uma grande convulsão social, no que concerne ao direitos civis para a população negra daquela terra. Descendentes de escravos, os negros não tinham acesso, de forma plena, aos serviços públicos e ao direito de, por exemplo, estudar. Seus empregos eram os piores, os mais perigosos e mal pagos.

O absurdo era tanto que, em plena década de 1970 e início da de 1980, os estados sulistas e outros, não tanto ao sul daquele país, não permitiam que os negros entrassem em certos restaurantes, não usassem o elevador social, fossem proibidos de sentar em bancos dianteiros dos veículos coletivos ou simplesmente não pudessem usar o mesmo banheiro, destinado aos brancos. Era concretamente um país dividido, que, por razões econômicas, políticas e raciais foi testemunha do assassinato de duas das maiores lideranças negras até hoje existentes nos Estados Unidos, personificadas no líder dos direitos civis, Martin Luther King, e do revolucionário Malcolm X, que, radical, pregava a luta armada e, com o tempo, passou a propor o diálogo e a negociação para resolver os problemas e as condições que a comunidade negra norte-americana queria discutir e modificar.

A vitória de Barack Obama é emblemática, por ele ser multirracial. Seu pai, negro, do Quênia, sua mãe, branca, do estado do Kansas, deram-lhe a possibilidade de o presidente eleito conhecer as contradições, os conflitos e os diferentes pensamentos no que é relativo à realidade estadunidense e às diferentes etnias que compõem o tecido social dos Estados Unidos.

Obama, além de ser fruto de uma relação inter-racial, é filho de pais de forte formação universitária. Sua mãe, An Dunham, antropóloga, seu pai, Barak Obama Senior, economista, fez com que ele, desde cedo, convivesse com o mundo acadêmico. Seus pais se separaram após dois anos de convivência e sua mãe, posteriormente, casou-se com Lolo Soetoro, indonésio que ajudou a criar o 44º presidente dos Estados Unidos.

Nascido em Honolulu, no Havaí, Barack Obama morou também na Indonésia, em Jacarta. Como se vê, o presidente eleito é realmente multirracial e multicultural e por isso há uma enorme esperança de esse homem ter uma maior compreensão em relação às diferenças entre as raças e principalmente entre as culturas, entre as nações, porque, na realidade, raça não existe. O que existe, e apenas isso, é a espécie humana. Obama traz, por enquanto, a esperança de diálogo, democracia e compreensão para que os países resolvam suas contradições e até mesmo suas rivalidades. Não é um político comum, por causa de suas origens, bem como de sua plataforma política.

O mundo está cansado de ficar preso, amarrado a interesses que não convêm ao desenvolvimento socioeconômico dos povos. O mundo teve de enfrentar, nesses últimos oito anos, o unilateralismo do Governo Bush, que não atuou conjuntamente com a comunidade internacional, no sentido do propiciar o entendimento entre as nações e dialogar e negociar as diferenças entre os governos. Bush não atendeu as resoluções da ONU e iniciou guerras, invadiu o Iraque e o Afeganistão.

Além disso, o presidente republicano se recusou a assinar o Tratado de Kioto, que visa implementar e implantar ações e leis internacionais que permitam a defesa das riquezas naturais, tão caras à humanidade e à vida no planeta, como as florestas e as águas. Os diferentes biomas têm sofrido com a falta de proteção e são destruídos, em progressão geométrica, por causa do aquecimento global e do enorme índice de poluição, cujo maior poluidor da terra são os Estados Unidos, que, no decorrer da administração Bush, recusou-se a assinar tal tratado.

Também houve outra questão muito grave, no que é relativo aos direitos humanos. Depois do atentado do dia 11 de setembro, quando o World Trade Center foi demolido por ataques sem precedentes, os Estados Unidos rasgaram todos pactos que tratam da condição humana e seus direitos, mesmo em época de guerra. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada após o fim da II Guerra Mundial, em 1945, foi rasgada pelo presidente estadunidense e seus principais assessores, denominados de falcões, aves consideradas de rapina. Nada é mais real, e simbólico.

Milhares de pessoas foram presas sem provas e sem acusações formalizadas. Cadeias existentes e construídas em todo planeta passaram a ser as sucursais do inferno. A ONU e grupos de direitos humanos existentes em todo planeta passaram a denunciar a existência de prisões clandestinas, onde a tortura e o assassinato são a rotina do dia-a-dia. O Governo Bush rasgou os mandamentos da civilização e a humanidade experimentou um retrocesso jamais observado após a II Guerra Mundial. Nada que surpreendesse a comunidade internacional, quando os fundamentalistas do mercado estão no poder e tem como fundamento o lucro e não a ética e a conduta humanitária.

Barack Hussein Obama representa, por ora, até porque ele ainda não governou, a esperança de um mundo que privilegie o diálogo e aprenda a negociar os interesses e a respeitar as diferenças econômicas e culturais de cada nação, de cada país. O capitalismo é o sistema hegemônico, mas tem de ser regulamentado, domado e fiscalizado, porque poderá acontecer novamente a degeneração do sistema de mercados, como ocorreu e ocorre recentemente nos Estados Unidos e na Europa. A irresponsabilidade daquele que tem responsabilidade com o capital tem de ser punida exemplarmente, porque a vida das pessoas são únicas e por isso não podem ficar à mercê de governantes belicosos e irresponsáveis, que têm a cumplicidade da mídia e de todos aqueles que aceitam receber restos, por não serem politizados, humanistas e apoiam, mesmo quando omissos, esse jogo sujo e sórdido para se locupletar.

A vitória de Barack Obama é a vitória de todos os povos que formam o povo estadunidense. A vitória não é somente dos negros, até porque eles são apenas treze por cento da população. Portanto, chega-se a conclusão que Obama teve uma proporção muito maior dos votos da população branca do que da população negra. Como também teve maioria na população hispânica. O multirracial Obama representa a vitória do multilateralismo e não do unilateralismo entre os países e, conseqüentemente, entre as pessoas.

A eleição de Obama representa a derrota do neoliberalismo (econômico), sistema de expoliação lançado pelo Consenso de Washington em 1989 e que quase levou à falência os países da América Latina, da Ásia e da África. O neoliberalismo, de Margareth Tatcher e de Ronald Reagan, defendido pelos jornalistas de economia e pelos barões da grande imprensa tupiniquim, bem como pelas elites acadêmicas e econômicas, e posto em prática por governantes da estirpe de Fernando Henrique Cardoso, Carlos Salinas de Gortari, Alberto Fujimori e Carlos Menem, foi dissolvido, como não deixa dúvidas a atual crise mundial.

Todos esses mandatários foram punidos, de uma forma ou outra, com exceção do brasileiro Fernando Henrique Cardoso, que privatizou empresas estatais da grandeza da Vale do Rio Doce e do Sistema Telebrás e até hoje não responde por esse questionado processo de privatização, que, conforme técnicos do Governo e das empresas privatizadas, foram vendidas a preços bem abaixo do mercado e hoje não exercem papel social, porque os preços das tarifas são altíssimos, as empresas não investem no interior do Brasil, notadamente no Norte e no Nordeste e as remessas de lucros para o exterior chegam a ser indecentes, pois toda dinheirama, fruto do trabalho de brasileiros de diferentes gerações, vai direto para os bolsos dos novos proprietários da telefonia brasileira em vez de ser investida no desenvolvimeto social do povo do Brasil. Quando estatais de grande porte são alienadas, a capacidade de investimento de qualquer País é diminuída.

O que se provou, e este fato é irremediavelmente verdadeiro, é que quando a iniciativa privada é gerida com irresponsabilidade quem tem de intervir e salvar o sistema capitalista da bancarrota é o velho e bom Estado. Com isso, todas teses neoliberais, exaustivamente expostas e defendidas pela imprensa burguesa e seus doutores economistas de plantão por quase 30 anos, foram por água abaixo, o que fez com que muitos desses yuppies arrogantes ficassem com cara de palerma e de pateta na televisão, nas salas das universidades, nos partidos políticos de direita e em fóruns empresariais tradicionais. O neoliberalismo foi um gigante com pés de barro. Estado mínimo é conversa fiada de neoliberal, que tem o propósito de combater e desvalorizar os estados nacionais a fim de sempre obter mais e maiores lucros e manter o status quo das pessoas que habitam o pico da pirâmide social intacto.

O fim da era Bush e a ascensão de Barack Obama representam a busca de um novo modelo econômico para o capitalismo, bem como mudanças nas relações entre os países e até mesmo entre as pessoas. O neoliberalismo, como sistema de expoliação e de exploração mercantilista, tornou-se trágico para a humanidade, que entrou em um processo de violência e decadência moral, no que concerne à procura, incessante, da satisfação dos desejos de consumo, da obsessão pelo acúmulo de riquezas, pela desvalorização de valores pétreos, representados pelo estudo, pelo trabalho e pelo respeito à lei. As sociedades nesses anos se tornaram mais injustas, menos igualitárias e a democracia passou a ser algo como um sonho de consumo em vez de ser um modo real de viver.

A democracia representativa ocidental ainda não conseguiu resolver problemas como as guerras, assim como distribuir riqueza e renda, além de, por incrível que pareça, eliminar a fome em suas sociedades. Acredito que a democracia tem de ser popular, ou seja, que as decisões sobre determinado assunto sejam tomadas diretamente pelos povos junto a seus governos. A democracia representativa é indireta, enquanto a popular é direta. A maioria dos países ocidentais têm como sistema político-eleitoral a democracia representativa, que não resolveu e não resolve problemas básicos como a fome e a miséria, porque ela não é real e sim ornamental, conquanto controlada pelas oligarquias urbanas e rurais.

A América Latina tem experimentado mudanças de ares. Em vários países os governos têm, rotineiramente, consultado suas populações no que é relativo a um sem-número de assuntos, por intermédio de propostas que são votadas em referendos. Na democracia popular, as pessoas, os cidadãos são ouvidos e decidem sobre seus interesses. A democracia representativa é uma fraude, porque propicia exclusão econômica e social dos povos que vivem sob esse regime político. Esse tipo de democracia acontece em países importantes como o Brasil e os Estados Unidos. O primeiro é uma pontência regional e o segundo, potência mundial.

Nos Estados Unidos, a democracia é indireta. O povo vota, mas quem decide são os delegados eleitos, que formam um colégio eleitoral, para, por exemplo, escolher o presidente da república. Eleições democráticas mais indiretas que essas no mundo ocidental é impossível, mesmo assim a imprensa burguesa, especificamente a brasileira, de forma servil e aduladora, canta loas e boas à democracia estadunidense, que é eleitoralmente menos ampla do que a brasileira que, apesar de representativa e não popular, sem sombra de dúvida, é mais democrática e, por conseguinte, mais justa.

De qualquer forma se observa, na América Latina, a efetivação da democracia popular. Esse alvissareiro fato representa a recuperação da soberania dos povos latinos, que tiveram suas liberdades democráticas usurpadas por séculos, inclusive com a intromissão indevida de sucessivos governos estadunidenses, com a cumplicidade das oligarquias latinas, que nunca, em hipótese alguma, importaram-se com o desenvolvimento social dos povos de quem, querendo ou não, são integrantes. A democracia representativa, ao contrário da popular, usurpa a autonomia e a liberdade de decisão dos povos em que nela estão inseridos em um contexto de representatividade que, na verdade, defende os interesses econômicos de uma minoria privilegiada, que quer viver eternamente como paxás ou nababos.

Barack Obama, como democrata, herdeiro de uma multilaridade que tem como base sua origem multirracial, e ator principal da política internacional, vai ter, de uma forma ou de outra, que dialogar com o oriente e com o ocidente e negociar, politicamente, os interesses de cada país, principalmente aqueles que são considerados inimigos do Tio Sam, casos de Iran, Iraque, Coréia do Norte, Síria e Afeganistão, bem como os que continuam ainda a ser potências militares, a exemplo da Rússia, além das potências emergentes, como a Índia, a China e o Brasil, País da América do Sul, oitava economia do mundo, cujo Produto Interno Bruto (PIB) de 2007 foi de R$ 1,3 trilhão, valor altíssimo e que coloca o Brasil entre os países mais poderosos do mundo, apesar de a imprensa burguesa, colonizada, provinciana e mesquinha fingir que nada está a acontecer para melhor, nos aspectos econômico e social, no decorrer desses seis anos de Governo Lula.

Os países, seus governos e suas sociedades não querem voltar à Idade Média, como ocorreu quando os fundamentalistas cristãos e do mercado chegaram ao poder, por intermédio da ascensão política do presidente beligerante George Walker Bush, que se autodenominou o “presidente da guerra”. O que se observa, no momento, é que o mundo quer uma nova realidade, que, ao meu entender, tem de se basear na cooperação entre os povos e na luta por um planeta mais seguro e que combata epidemias como a aids, epidemias como a fome e que isole governantes oportunistas e irresponsáveis que têm como princípios governamentais ou administrativos atender os interesses da indústria bélica e fazer desse mundo um lugar para poucos privilegiados.

Quando foi implementado no mundo, em 1989, o sistema neoliberal, inclusive, se necessário, com o uso da força, a imprensa burguesa, que não tem pátria e nem cultura e muito menos lealdade com seus povos, festejou, irresponsavelmente, o que foi estabelecido como nova ordem mundial. O neoliberalismo era a solução e o pai dele no Brasil um político, que veio da esquerda, mas que negociou com a direita sua candidatura a presidente da República. Fernando Henrique Cardoso foi presidente da República por oito anos e, nesse intervalo de tempo, foi ao Fundo Monetário Nacional (FMI) por três vezes. Vendeu estatais e não investiu no povo brasileiro, porque homens como FHC administram números e não pessoas. Esse fato é essencial para haver compreensão do que é humano e social e do que não o é.

Políticos comandam técnicos. Não podem os técnicos comandarem os políticos. Por quê? Porque políticos tratam de gente, cuidam de gente e administram o comando do que vai ser feito com o dinheiro público, que é de todos e não de poucos. O neoliberalismo de Margareth Tatcher, levado a cabo, de forma fundamentalista, por técnicos idiotizados e colonizados por Wall Street, que há pouco tempo derreteu, não atendeu às demandas humanas. E o homem é a essência da existência. Ele é fundamental. Sem as pessoas, não há governos. Não há, inclusive, exploração financeira. Sem as pessoas, não há economia.

Um dos motivos para o fracasso do neoliberalismo é que esse sistema não enxerga a pessoa humana como referência a ser preservada, cuidada e respeitada. Afinal, a vida é passageira. O político neoliberal é um equivocado, direito este que ele não tem. Os técnicos, como se diz na gíria, podem até viajar na maionese, mas o político tem de ser cônscio de suas responsabilidades e arbitrar os projetos e programas que beneficiam as populações, mesmo se tal técnico pensar diferente, o que, na verdade, não importa, quando o político é leal aos cidadãos, até porque quem manda é ele, pois, do contrário, de um jeito ou outro, um dia ele também fracassará como político e terá de encerrar sua carreira, como sempre acontece, mesmo se demorar.

Com o derretimento de Wall Street, com forte repercussão na Europa, Barack Obama terá de dialogar e negociar uma nova ordem mundial com atores antigos e novos. Certamente, creio eu, que governos que se dizem democráticos não querem a continuação da Idade Média de Bush e seus falcões. Agora, resta-nos esperar e ver como o presidente Obama irá proceder politicamente em relação à comunidade internacional.

O unilateralismo de Bush não tem mais espaço. Os estadunidenses não estão sozinhos no mundo e o mundo não é somente deles. É de todos, como provam a Rússia, a China, a Índia, os europeus ricos e nada confiáveis, o Japão e o Brasil, que enfim luta por seus direitos na ONU e em outros fóruns importantes e exerce uma diplomacia independente, não-alinhada e que busca, sobretudo, ser protagonista e não mais coadjuvante, apesar do não reconhecimento da direita e da burrice, do “jequismo” e da mesquinhez, incrustados nos corações e nas mentes daqueles que defendem os interesses da imprensa burguesa, a imprensa empresarial, que se transformou há muito tempo, para a infelicidade do Brasil, em partido político conservador — o Partido da Imprensa. É isso aí.

Davis Sena Filho

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