Recife (PE) - Desde o primeiro dia em que comecei a escrever para o Direto da Redação, pude notar que estas colunas não são mensagens atiradas ao mar em garrafas. Elas são lidas e às vezes voltam como garrafas arremessadas contra o colunista. Outras vezes voltam como afeto em forma de email. Noutras, mais raras, como garrafadas em garra de fadas.
Para o texto Lula sobe para 100%, entre outros cacos de vidros e pedras, recebi:
“Eu estou profundamente impressionado com os seus comentários; alguns, tipo este de hoje, será uma data histórica: 24-09-09, e colocarei em quadro com moldura na parede; impressiona-me sua sabedoria, sua imparcialidade, e seus artigos não são ‘tendenciosos’ como dos liberais. Viva Che, Viva Castro, Viva Lenin, Stalin, Castro,e outros deuses deste planeta. Aleluia!!! Você deveria receber o premio máximo da comunicação!”.
É uma falta de gentileza não responder a um leitor que gasta o seu tempo para nos mandar um elogio tão caridoso. Por isso lhe disse:
“A imparcialidade não se encontra entre meus defeitos. Ainda que eu não mereça tão alta honra, agradeço o prêmio máximo de comunicação. Depois me mande a foto da subida moldura. Aleluia!!!”
Para a coluna Daniela Mercury e o Papa, o clima esquentou mais do que esperava:
“Em mais de 6 décadas de vida e 45 anos de jornalismo”, escreveu indignado um colega, “nunca vi ou li coisa mais tola!”.
O que fazer diante de tal manifestação sincera e legítima? Me ocorreu então recuar, e pedi uma indulgência:
“Agradeço a sua mensagem e leitura da coluna. Mas gostaria de lhe pedir um pouco de humor e paciência para com este colunista. Ele às vezes se vale de texto mais leve, para suportar alguns terrores da vida”.
Para quê escrevi isso? A mensagem acima foi respondida com esta surpreendente:
“Você está certo. Não tenho o direito de agredir seu trabalho, mesmo porque sei bem como é penoso e quase sempre difícil produzir textos. Peço-lhe humildes desculpas. Fraternalmente...”.
Estou até hoje sem resposta a semelhante prova de convivência entre pessoas de opiniões diferentes. A um pedido de paciência para com o que cometi, jamais poderia esperar tal largueza. O leitor, católico, continuou com o seu catolicismo, o colunista, ateu, continuou com o seu ateísmo, mas podemos conviver ainda assim.
No entanto, notem como o mundo é contraditório e avesso de si mesmo. Para o texto “13 de maio de 2009”, um irmão de ascendência negra assim escreveu a este mulato que lhes fala:
“Vc é preconceituoso... Sou negro e não vejo esta dificuldade que vc fala, sobre estas histórias são coisas comuns, mas não me sinto como racismo, sinto como problemas da sociedade e isto também se aplica a pessoas brancas. Estive recentemente na china, onde eu era tratado como um rei, pela diferença da cor. Eu gosto de dizer... negro no interior da china é igual a disco voador, todo mundo sabe que existe mas ninguém nunca viu. Sou negro com muito orgulho e digo aos outros negros. Pre-conceito existe em todos os sentidos. Gordos, Magros, Pretos, Brancos, Orelhudos, Caolhos, Judeus, Crentes, Evangélicos e por aí vai. Fica a teu critério descobrir se é preconceito ou ignorância. Veja o perfil do meu cunhado e minha irmã, ela negra e ele branco, e os filhos loiros igualzinho ao pai... Loucura né... veja com seus próprios olhos.”
A tal mensagem achei melhor não responder. Uma resposta, para ser justa, exigiria tanto trabalho, tanta pesquisa, tanta memória do que vi e ouvi ao longo de 59 anos, do que percebi em meu pai, mais escuro que eu, e da sua exclusão. Assimilei a garrafada em silêncio. Mas logo, logo recebi esta felicidade, se assim se pode chamar:
“Sou negro e tenho 64 anos. E sei exatamente o que você descreve, porque foi assim que eu aprendi e era exatamente assim que eu me sentia quando se falava sobre o assunto.”
Esse irmão e leitor era um dos negros de pele mais escura, que baixavam os olhos em todos os dias 13 de maio. E que se reconheceu nas linhas que de Pernambuco atirei ao oceano. Melhor encerrar a coluna aqui, porque hoje não acho mais outro final.
Urariano Mota, Direto da Redação.
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