Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)
Com lançamento nacional de "Ao sul da Fronteira" previsto para esta sexta-feira, 04, o mais recente filme de Oliver Stone chega às telas cercado de críticas e polêmica políticas, muito mais que de apreciações sobre o conteúdo e qualidades cinematográficas da fita. Aspectos, aliás, para os quais quase ninguém parece prestar atenção ou dar a mínima bola.
O furor "a favor e contra" é causado tanto pelo realizador norte-americano em si, como pelos personagens principais do documentário, que mexe, entre outros materiais explosivos, com o papel dos meios de comunicação nos Estados Unidos e na América Latina. O barulho se propaga rapidamente e alcança decibéis cada vez mais elevados: de Los Angeles a Nova Iorque, de Caracas a Cochabamba, de Buenos Aires a Córdoba, do Rio de Janeiro e São Paulo a Brasília.
Por um desses paradoxos difíceis de entender, praticamente tudo o que se imaginava iria acontecer em relação ao filme nacional "Lula, o Filho do Brasil", de Fábio Barreto - monumental fracasso de público e crítica desde o lançamento - , parece ocorrer ao inverso agora com o filme de Stone, "Ao Sul da Fronteira" que desperta interesse e já motiva debates acalorados na imprensa e entre candidatos políticos do governo e oposição neste modorrento período da pré-campanha eleitoral.
Não é para menos. Nas entrevistas, de sua passagem pelo continente para lançamento do documentário, Stone não fala bem apenas de Hugo Chaves, derramando-se também em abraços, elogios e palavras de explícito apoio à ex-ministra Dilma Rousseff. Joga mais água fervente no caldeirão dos conflitos entre governo e oposição, com a imprensa no meio.
Uma fala de Stone sobre Dilma, em inglês, legendada e transformada em vídeo, multiplica acessos agora no You Tube, país e mundo afora. Nos ambientes mais restritos da propaganda na campanha da ex-ministra, já não é segredo que outro depoimento do cineasta foi especialmente gravado e reservado como peça de resistência de futuro programa de TV, na fase mais aguda da campanha, como parte do esforço petista de "dar uma cara internacional para Dilma".
E assim segue Oliver Stone, como sempre, em sua larga trilha de polemista consumado - e bom propagandista de suas realizações, já se vê , principalmente quando mistura cinema e política. Quem não recorda do barulho mundial no lançamento do filme "JFK-A pergunta que não quer calar?", que reconstitui o dramático assassinato do presidente John Kennedy, em Dallas? Foi assim igualmente em "Salvador, martírio de um povo", sobre os movimentos guerrilheiros da América Central, também de 1986, como JFK.
O diretor de "Platoon" retoma em 2010 sua antiga receita. "Ao Sul da Fronteira ( South of the border") é uma espécie de painel cinematográfico com dirigentes que respondem um questionário de perguntas as vezes obvias - tanto quanto os elogios do cineasta americano à candidata petista apoiada por Lula - , na tentativa de reverter a imagem errônea que o americano dos EUA em geral têm da América Latina, principalmente de seus políticos e governantes, segundo imagina o diretor.
É emblemática a cena de abertura de "Ao Sul da Fronteira". Mostra a jornalista de um programa de televisão, nos Estados Unidos, que faz piada com um de seus colegas, diante de participantes do programa que dão risadas quando ela explica que confundiu "cacau" com "coca", "porque não entendo nada de drogas". Em seguida a estas primeiras imagens, Stone transporta suas câmeras para a Venezuela, e entrevista Hugo Chaves, que confessa: "todas as manhã faço meu desjejum com cacau".
Na Bolívia, durante a sessão de lançamento do filme em um cinema de Cochabamba, é outra cena com Chaves que levanta o público. "You are a donkey, mister Bush (você é um burro, senhor Bush"), diz o presidente da Venezuela referindo-se ao então colega dos Estados Unidos. É a primeira das várias cenas "que arrancaram aplausos do público que ontem presenciou a premier nacional de Ao Sul da Fronteira", informa um comentarista de "La Prensa", presente ao lançamento festivo na Bolívia.
Stone viaja por este lado do continente. Desfilam opiniões de Cristina Kirchner, Evo Morales, Luis Inácio Lula da Silva, Rafael Correa e Fernando Lugo. É Cristina Kirchner quem diz a Stone que é a primeira vez que na América do Sul "os governantes se parecem com os governados". Na conversa com o cineasta, a governante só se mostra e enérgica quando é consultada sobre quantos pares de sapatos tem a presidenta: "Você não perguntaria isso a um homem", rebate Cristina.
Ainda assim nada parecido com o bafafá de dois anos atrás, quando, de passagem pela Argentina nos preparativos para o documentário, Stone definiu Eva Perón, a sagrada Evita dos peronistas, como "uma mistura de santa e prostituta". Precisou sair às pressas da capital portenha.
Pelas bandas de cá, no entanto, parece que o maior furor se concentra nas reações às duras críticas de Stone sobre o papel dos meios de comunicação no continente, um dos assuntos mais polêmicos mostrados em "Ao sul da fronteira". Na entrevista ao portal UOL, o realizador joga mais combustível na fogueira:
"No Brasil, na Venezuela. Na Argentina. Grandes cadeias, grandes famílias, eles são como as oligarquias. Eles são donos dos meios de comunicação, das emissoras de televisão. E eles os usam para interesses próprios. E eles mentem", ataca o cineasta.
Tem mais, mas não conto. Quem quiser saber que vá ao cinema, até para desancar o filme "Ao Sul da Fronteira" e seu diretor. Com fatos e algum conhecimento de causa, naturalmente.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site-blog Bahia em Pauta ( http://bahiaempauta.com.br/).
De Salvador (BA)
Com lançamento nacional de "Ao sul da Fronteira" previsto para esta sexta-feira, 04, o mais recente filme de Oliver Stone chega às telas cercado de críticas e polêmica políticas, muito mais que de apreciações sobre o conteúdo e qualidades cinematográficas da fita. Aspectos, aliás, para os quais quase ninguém parece prestar atenção ou dar a mínima bola.
O furor "a favor e contra" é causado tanto pelo realizador norte-americano em si, como pelos personagens principais do documentário, que mexe, entre outros materiais explosivos, com o papel dos meios de comunicação nos Estados Unidos e na América Latina. O barulho se propaga rapidamente e alcança decibéis cada vez mais elevados: de Los Angeles a Nova Iorque, de Caracas a Cochabamba, de Buenos Aires a Córdoba, do Rio de Janeiro e São Paulo a Brasília.
Por um desses paradoxos difíceis de entender, praticamente tudo o que se imaginava iria acontecer em relação ao filme nacional "Lula, o Filho do Brasil", de Fábio Barreto - monumental fracasso de público e crítica desde o lançamento - , parece ocorrer ao inverso agora com o filme de Stone, "Ao Sul da Fronteira" que desperta interesse e já motiva debates acalorados na imprensa e entre candidatos políticos do governo e oposição neste modorrento período da pré-campanha eleitoral.
Não é para menos. Nas entrevistas, de sua passagem pelo continente para lançamento do documentário, Stone não fala bem apenas de Hugo Chaves, derramando-se também em abraços, elogios e palavras de explícito apoio à ex-ministra Dilma Rousseff. Joga mais água fervente no caldeirão dos conflitos entre governo e oposição, com a imprensa no meio.
Uma fala de Stone sobre Dilma, em inglês, legendada e transformada em vídeo, multiplica acessos agora no You Tube, país e mundo afora. Nos ambientes mais restritos da propaganda na campanha da ex-ministra, já não é segredo que outro depoimento do cineasta foi especialmente gravado e reservado como peça de resistência de futuro programa de TV, na fase mais aguda da campanha, como parte do esforço petista de "dar uma cara internacional para Dilma".
E assim segue Oliver Stone, como sempre, em sua larga trilha de polemista consumado - e bom propagandista de suas realizações, já se vê , principalmente quando mistura cinema e política. Quem não recorda do barulho mundial no lançamento do filme "JFK-A pergunta que não quer calar?", que reconstitui o dramático assassinato do presidente John Kennedy, em Dallas? Foi assim igualmente em "Salvador, martírio de um povo", sobre os movimentos guerrilheiros da América Central, também de 1986, como JFK.
O diretor de "Platoon" retoma em 2010 sua antiga receita. "Ao Sul da Fronteira ( South of the border") é uma espécie de painel cinematográfico com dirigentes que respondem um questionário de perguntas as vezes obvias - tanto quanto os elogios do cineasta americano à candidata petista apoiada por Lula - , na tentativa de reverter a imagem errônea que o americano dos EUA em geral têm da América Latina, principalmente de seus políticos e governantes, segundo imagina o diretor.
É emblemática a cena de abertura de "Ao Sul da Fronteira". Mostra a jornalista de um programa de televisão, nos Estados Unidos, que faz piada com um de seus colegas, diante de participantes do programa que dão risadas quando ela explica que confundiu "cacau" com "coca", "porque não entendo nada de drogas". Em seguida a estas primeiras imagens, Stone transporta suas câmeras para a Venezuela, e entrevista Hugo Chaves, que confessa: "todas as manhã faço meu desjejum com cacau".
Na Bolívia, durante a sessão de lançamento do filme em um cinema de Cochabamba, é outra cena com Chaves que levanta o público. "You are a donkey, mister Bush (você é um burro, senhor Bush"), diz o presidente da Venezuela referindo-se ao então colega dos Estados Unidos. É a primeira das várias cenas "que arrancaram aplausos do público que ontem presenciou a premier nacional de Ao Sul da Fronteira", informa um comentarista de "La Prensa", presente ao lançamento festivo na Bolívia.
Stone viaja por este lado do continente. Desfilam opiniões de Cristina Kirchner, Evo Morales, Luis Inácio Lula da Silva, Rafael Correa e Fernando Lugo. É Cristina Kirchner quem diz a Stone que é a primeira vez que na América do Sul "os governantes se parecem com os governados". Na conversa com o cineasta, a governante só se mostra e enérgica quando é consultada sobre quantos pares de sapatos tem a presidenta: "Você não perguntaria isso a um homem", rebate Cristina.
Ainda assim nada parecido com o bafafá de dois anos atrás, quando, de passagem pela Argentina nos preparativos para o documentário, Stone definiu Eva Perón, a sagrada Evita dos peronistas, como "uma mistura de santa e prostituta". Precisou sair às pressas da capital portenha.
Pelas bandas de cá, no entanto, parece que o maior furor se concentra nas reações às duras críticas de Stone sobre o papel dos meios de comunicação no continente, um dos assuntos mais polêmicos mostrados em "Ao sul da fronteira". Na entrevista ao portal UOL, o realizador joga mais combustível na fogueira:
"No Brasil, na Venezuela. Na Argentina. Grandes cadeias, grandes famílias, eles são como as oligarquias. Eles são donos dos meios de comunicação, das emissoras de televisão. E eles os usam para interesses próprios. E eles mentem", ataca o cineasta.
Tem mais, mas não conto. Quem quiser saber que vá ao cinema, até para desancar o filme "Ao Sul da Fronteira" e seu diretor. Com fatos e algum conhecimento de causa, naturalmente.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site-blog Bahia em Pauta ( http://bahiaempauta.com.br/).
Terra Magazine
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