domingo, 4 de setembro de 2011

Vem aí um protetorado colonial da OTAN

A Líbia segue na ordem do dia. Em Paris, emissários de 60 países, inclusive o Brasil, se reuniram para discutir o futuro da Líbia e, sobretudo a questão da reconstrução. Trocando em miúdos, o que aconteceu por lá foi o próprio “quero o meu”. Ou seja, a quem caberá ficar com as riquezas da região e que empresas ficarão encarregadas de reconstruir a terra arrasada pelos mais de 60 mil bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Países como o Brasil, a Rússia e a China, que defendiam a realização dos trabalhos na Organização das Nações Unidas foram lá para tentar garantir que os contratos anteriores com o governo de Muammar Khadafi continuarão em vigor.



Parte do dinheiro nas contas congeladas de Khadafi será utilizado para exatamente fechar contratos com os governos que lideraram a ofensiva da OTAN. Ou seja, quem destruiu a Líbia vai lucrar com a reconstrução, exatamente como aconteceu no Iraque. E se alguém ainda acredita que os destruidores e vencedores vão estabelecer uma democracia é realmente ingênuo e se deixa enganar facilmente pela lábia de Nicolas Sarkozy, David Cameron, Silvio Berlusconi, Barack Obama e dirigentes de países árabes que apoiaram os bombardeios aéreos da OTAN.


Em vez de democracia, o que será instalado na Líbia, consolidando-se a tomada do poder à força será, como afirmou o economista José Luis Fiori, o ”primeiro protetorado colonial da OTAN na África”. Um abaixo assinado subscrito por 140 intelectuais africanos já havia feito um alerta nesse sentido pouco antes do início do cerco por terra de Trípoli a 15 de agosto. A mídia de mercado segue cobrindo a guerra, não propriamente cobrindo, mas de fato encobrindo fatos que desabonariam a ação militar da OTAN. As baterias midiáticas estão voltadas contra o “bandido” Khadafi e só, a OTAN fica acima de qualquer suspeita.


Resta saber até que ponto a própria ação colonial da OTAN tem relação com a grave crise financeira que atravessam países europeus, por acaso também os mesmos que participaram das incursões ao território líbio. Quem conhece algo da história tem claro que a África está sendo objeto de um retrocesso tamanho, como se o mundo retornasse a séculos passados, quando prevalecia à lei das canhoneiras e depois as potências da época se reuniam para dividir o terreno conquistado firmando tratados e mais tratados.


Enquanto isso, por estas bandas, mais precisamente no Estado do Pará, aconteceu um fato que envergonha o Brasil e coloca a Justiça num patamar ainda mais baixo do que já era considerado. O fazendeiro Marlon Lopes Pidde, que chefiou uma chacina na Fazenda Princesa, no município de Marabá, em setembro de 1985, onde seis trabalhadores rurais foram torturados e posteriormente assassinados, foi colocado em liberdade na semana passada, por um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

 


O assassino foi preso, preventivamente pela Polícia Federal no final de 2006, isso depois de passar 20 anos foragido escondendo-se com nome falso na cidade de São Paulo.


A polícia do Pará nunca se esforçou para prender Marlon, que antes de fugir residia em Goiânia. Ele na ocasião tinha prisão preventiva decretada.


Como lembra a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Marlon chefiava os assassinos que sequestraram, amarram e torturaram as vítimas depois de sequestrá-las em suas casas. Baleados e mortos, os corpos dos seis trabalhadores foram presos uns aos outros e amarrados a pedras no fundo de um rio.


A Justiça paraense retardou o quanto pôde a decisão de dar andamento ao processo, não só nos 22 anos que o mesmo passou nas gavetas do fórum da Comarca de Marabá, bem como durante quatro anos em que ficou emperrado no Tribunal de Justiça para o julgamento de um simples recurso. O assassino está solto. A Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi informada sobre o fato protagonizado pelo Tribunal de Justiça do Pará que envergonha o Brasil.


Aqui no Rio de Janeiro, se houvesse justiça e maior mobilização popular, o governador Sérgio Cabral e o secretário de Transportes Júlio Lopes estariam respondendo processo pela tragédia ocorrida com um bondinho de Santa Tereza que provocou cinco mortes e 50 feridos. Uma tragédia que a Associação de Moradores de Santa Tereza já havia advertido de que poderia acontecer, em função do total sucateamento do importante meio de transporte do bairro e do turismo carioca.


Julio Lopes, como um bom covarde que demonstrou ser, culpou o condutor do bondinho pelo acontecimento trágico. Lopes disse isso porque o funcionário morreu no acidente e não poderia responder a mentira do secretário. O acidente de responsabilidade do governo do Estado precisa ser analisado com rigor e por fontes idôneas. É necessário também investigar as relações dos proprietários de ônibus com a Fetransporte, porque este setor empresarial manda e desmanda no organismo. Há denúncias segundo as quais o sucateamento dos bondinhos se deve a uma política deliberada do Estado para que os ônibus se tornem o único meio de transporte em Santa Tereza.


Aí vem este secretário de Transportes, que precisa também ser investigado com rigor, dizer que o culpado foi o motorneiro. É sempre a mesma coisa, para a elite o culpado é sempre o mordomo, ou seja, quem está em baixo na hierarquia. Lopes seguiu o expediente e conta de antemão com a absolvição por qualquer tipo de acusação.


Assim caminha o governo do Estado do Rio de Janeiro sob o governo de Sérgio Cabral e seus Lopes. Tragédias acontecem e tudo fica por isso mesmo em matéria de punição dos responsáveis ou mesmo a apuração rigorosa dos fatos. Alguém tem dúvida que por aí tem truta?

Mário Augusto JakobskindÉ correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE .Direto da Redação

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