domingo, 21 de fevereiro de 2010

Para onde vai a oposição?


Gerson Almeida*



Ao ler a coluna escrita por Barbara Gancia (FSP de 12/02), a minha primeira reação foi a de ficar espantado com os ataques pessoais, feitos de forma grosseira e arrogante, contra Marco Aurélio Garcia. O pretexto para tal virulência é a afirmação que teria sido feita pelo dirigente do PT, em reunião interna do partido, de que “quase tão importante quanto a 4ª Frota (da Marinha americana) são os canais de TV a cabo que nós recebemos aqui. Eles realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente. Despejam toda essa quantidade de esterco cultural". A colunista preferiu não se dar ao trabalho de apresentar as suas críticas ao trecho - pinçado por ela da fala de Marco Aurélio – e, ao invés de entrar no mérito de tal afirmação e discutir o seu conteúdo, partiu prá cima do autor, com afirmações do tipo: “ouvi-lo ou até mesmo parar para perceber sua existência significa jogar pela janela momentos preciosos do tempo que ainda me resta neste mundão...”. Não satisfeita, conseguiu espaço entre as 503 palavras contidas no seu libelo para avançar ainda mais na tentativa de desqualificação de Marco Aurélio e tascou a pérola: “se já não ligo para o que ele faz no governo, que dirá do meu interesse pelo que diz quando está entre os seus? Esquisito alguém fazer uma coluna inteira para destratar alguém tão desinteressante.

Essa fúria só pode ser ação de quem supõe possuir superioridade moral, social, ou intelectual e, assim, sente-se no direito de assumir atitude prepotente ou de desprezo em relação aos outros, o que é, precisamente, a postura definida por Houaiss como própria do arrogante. Creio, no entanto, que a arrogância explícita, colocada na sua forma mais genuína, não explica completamente as emoções expostas por Barbara Gancia.

O Marco Aurélio é um dos principais dirigentes do PT e assessor especial do presidente para assuntos internacionais. Além disto, é o responsável pela apresentação da primeira versão do Programa para a campanha da ministra Dilma, o que torna o personagem atacado digno da atenção de todos aqueles que não desejam estar alienados do que ocorre na política nacional e não desejam alienar seus leitores, ou, ainda, não pretendem disseminar preconceitos e interditar debates importantes, valendo-se da torpe prática de desqualificar as pessoas, ao invés de tratar das suas opiniões.

Ao perceber que a virulência do artigo não poderia ser explicada apenas pela arrogância da autora, entendi que os seus ataques furiosos apenas reverberam as recentes manifestações feitas pelos próceres tucanos, FCH à frente, que deixaram de lado qualquer consideração política programática e passaram a assumir atitudes prepotentes e de desprezo em relação aos líderes do PT. O senador Tasso Jereissati, chefe nacional do PSDB, por exemplo, ao referir-se à ministra Dilma, deu o tom de como quer que seus adeptos tratem os petistas: “essa liderança de silicone que está sendo construída, precisa começar a ser desmascarada”. Pois é neste contexto que o artigo começa a ser entendido.

A idéia de que a sociedade civil e sociedade política exercem funções diferenciadas na produção e reprodução das relações de poder, constituindo o que Gramsci chamou de Estado ampliado: sociedade política + sociedade civil, ou, em outras palavras, coerção e hegemonia como formas de disputa da liderança, é uma das mais interessantes contribuições que a ciência política produziu. Por sociedade civil, compreende-se o conjunto das instituições responsáveis pela elaboração e/ou difusão de valores simbólicos, como os partidos políticos, as corporações profissionais, os meios de comunicação, entre outras; por meio das quais as diferentes maneiras de compreender o mundo procuram ganhar aliados para seus projetos.

Foi esta idéia, apresentada de forma bastante didática, que deu nos nervos da articulista.
A reverberação de determinadas formas de perceber as coisas faz das diferentes formas de comunicação lugares onde também são produzidas estratégias incidentes no processo social. Na maioria das vezes, no entanto, de forma mais sutil e inteligente do que a escolhida por Bárbara. Neste caso, quando a articulista decidiu tratar sobre o conteúdo do discurso e não destratar quem discursou, não obteve desempenho melhor, limitando-se a comparar exemplos de baixa qualidade de produção cultural: “Pode ser que o lixo cultural deles seja mais atraente do que o nosso, será esse o problema?”, pergunta com a certeza de quem supõe possuir superioridade intelectual e, assim, sente-se no direito de assumir atitude prepotente ou de desprezo em relação aos outros. Não, não creio que a questão seja escolher entre Paris Hilton e Xuxa, dilema que menospreza a percepção da audiência e desconhece que os consensos estabelecidos em determinado período podem ser desagregados e dar lugar a novos consensos, que impliquem atender outros interesses que não os tradicionais.

É, por exemplo, o que ocorreu com a pobreza e a fome no país. Depois de décadas sem qualquer movimentação significativa na distribuição de renda, exceto para concentrá-la, um conjunto de políticas e ações do governo passou a alterar esse ciclo perverso. Os diferentes programas voltados para estimular o mercado interno e aumentar o poder de compra dos setores tradicionalmente excluídos; assim como as ações internacionais que diversificaram as relações comerciais e políticas para além da dependência para com o mercado americano, não foram conquistados com uma postura subalterna e conformista, mas colocaram o país num patamar que ainda não havia obtido no mundo.

Foi exatamente para não ficar prisioneiro do dilema de ser atraído sempre pelo menos ruim, é que o povo brasileiro decidiu eleger Lula como presidente e escolheu construir outro caminho, que não está sendo construído sem grandes dificuldades e ferozes críticas, inclusive pessoais aos seus dirigentes. Afinal, para construir novos consensos, baseados na luta contra as desigualdades sociais e na incorporação de setores excluídos historicamente, é preciso desfazer as redes que mantinham os privilégios de poucos: econômicos e sociais. Talvez seja esta a razão essencial que fez a Bárbara, que tão pouco interesse tem pelo Marco Aurélio, sentir-se “obrigada a comentar suas ilações” e não tenha deixado de colocar o sugestivo título: How do you do, Dilma?"

Gerson Almeida é sociólogo e petista
Fonte: PT

Um comentário:

Briguilino disse...

Gerson, torço para que apartir de 2011 e durante o governo Dilma o Brasil consiga ter uma oposição mesmo. Porque tão importante quanto um governo competente e uma oposição tambem competente. A que temos atualmente é um incompetencia só.