Eleger/Escolher
Marcos Coimbra
Já passa da hora de acabar com o paternalismo com que nossas elites veem o eleitor popular e de passar a respeitar o que ele quer. O eleitorado está apto a cuidar de si mesmo
É possível olhar os eleitores brasileiros e vê-los de duas maneiras. Podemos considerar que são pessoas perfeitamente capazes de fazer escolhas, de assumir a responsabilidade por seus atos e de arcar com as consequências. Mas podemos ver o inverso, indivíduos incapazes de escolher racionalmente, que agem sem medir o impacto de suas decisões e que ignoram onde elas os conduzem.
Na primeira hipótese, tudo é mais simples na construção institucional. O desafio é encontrar os meios que assegurem a todos a possibilidade de exercer sua capacidade de escolha. Fundamentalmente, por meio da ampliação do acesso à educação e à informação. Daí em diante, a bola está com eles. Se escolherem bem, serão premiados. Se não, pagam o preço estipulado. Combinado não é caro.
Se, no entanto, supomos que os eleitores são incapazes, temos um complicado problema de criação de garantias institucionais para protegê-los. Em última instância, de si mesmos. Se não conseguem fazer escolhas racionais, é necessário estabelecer anteparos que os defendam de sua irracionalidade.
Se a premissa é a incompetência do eleitor, precisamos de instituições tutelares. Como não consegue fazer as coisas certas, ele carece de quem o guie. Alguém superior, imbuído de instinto protetor. Que ocupe postos no Estado, por exemplo, no Judiciário e no Ministério Público, ou que esteja na própria sociedade. Talvez na imprensa, onde três em cada quatro jornalistas acham que sabem o que é bom para o eleitor.
Andamos muito no caminho da consolidação democrática nos últimos anos. Provavelmente mais nos 25 anos depois do fim da ditadura que nos primeiros cem de República. Em quase tudo mudamos para melhor no plano político.
Nosso eleitorado cresceu em tamanho, enquanto aumentou seu nível médio de escolaridade. Os segmentos de muito baixa escolaridade diminuíram e cresceu a participação das pessoas com mais tempo de escola. Neste ano, os eleitores com mais que o antigo curso ginasial, ou seja, com acesso ao segundo grau ou mais, serão perto de 50% do total. Os jovens nas famílias de baixa renda têm cerca do dobro da escolaridade de seus pais e quase quatro vezes mais que a de seus avós.
Enquanto aumentou, impulsionada pela escolaridade, a possibilidade de consumo da informação, ampliou-se em muito sua oferta, seja em mídias tradicionais (jornais populares, tevê a cabo, emissoras especializadas em notícias etc.), seja, especialmente, nas novas. Hoje a proporção de domicílios de renda menor com (bom) acesso à internet supera todas as expectativas que tínhamos há poucos anos.
O eleitorado envelheceu, à medida que o desenvolvimento trouxe a queda da natalidade e a elevação da expectativa de vida. Os eleitores mais maduros (com mais de 40 anos) já são quase a maioria. Deixamos de ser o país dos jovens.
Na política, isso quer dizer que não somos mais o país dos eleitores inexperientes. Com a estabilização institucional, sem golpes, sem intervenções autoritárias, as pessoas- foram aprendendo, na prática, o funcionamento da democracia. Hoje, votar tornou-se normal, não é mais um bicho de sete cabeças. Depois de ir às urnas duas,- três, dez vezes, o eleitor aprendeu as manhas das eleições e dos candidatos.
Apesar de todas essas mudanças, apesar do quanto amadureceu o eleitor brasileiro (adquiriu experiência, tornou-se mais informado e mais interessado), nossas elites teimam em vê-lo como um incapacitado. Insistem em tratá-lo como um bobo.
Nossa legislação eleitoral e nossos tribunais acham que cabe a eles o trabalho de proteger os eleitores das más influên-cias. Andam com a ideia fixa de que precisam poupá-lo da “antecipação da campanha”, da propaganda “exagerada”. Vai ver alguns acreditam que o povo não sabe mesmo votar, que não consegue discernir.
Nossos juízes e procuradores que fiquem tranquilos. Os eleitores estão perfeitamente aptos a cuidar de si mesmos. Quando querem, punem os que fazem campanhas agressivas, excessivamente dispendiosas, os que forçam a barra, os que querem que eles engulam qualquer coisa.- Quem ouve a manifestação das pessoas nas pesquisas não tem razão para achar que elas carecem de proteção. Já passa da hora de acabar com o paternalismo com que nossas elites veem o eleitor popular e de passar a respeitar o que ele quer.
Marcos Coimbra
Já passa da hora de acabar com o paternalismo com que nossas elites veem o eleitor popular e de passar a respeitar o que ele quer. O eleitorado está apto a cuidar de si mesmo
É possível olhar os eleitores brasileiros e vê-los de duas maneiras. Podemos considerar que são pessoas perfeitamente capazes de fazer escolhas, de assumir a responsabilidade por seus atos e de arcar com as consequências. Mas podemos ver o inverso, indivíduos incapazes de escolher racionalmente, que agem sem medir o impacto de suas decisões e que ignoram onde elas os conduzem.
Na primeira hipótese, tudo é mais simples na construção institucional. O desafio é encontrar os meios que assegurem a todos a possibilidade de exercer sua capacidade de escolha. Fundamentalmente, por meio da ampliação do acesso à educação e à informação. Daí em diante, a bola está com eles. Se escolherem bem, serão premiados. Se não, pagam o preço estipulado. Combinado não é caro.
Se, no entanto, supomos que os eleitores são incapazes, temos um complicado problema de criação de garantias institucionais para protegê-los. Em última instância, de si mesmos. Se não conseguem fazer escolhas racionais, é necessário estabelecer anteparos que os defendam de sua irracionalidade.
Se a premissa é a incompetência do eleitor, precisamos de instituições tutelares. Como não consegue fazer as coisas certas, ele carece de quem o guie. Alguém superior, imbuído de instinto protetor. Que ocupe postos no Estado, por exemplo, no Judiciário e no Ministério Público, ou que esteja na própria sociedade. Talvez na imprensa, onde três em cada quatro jornalistas acham que sabem o que é bom para o eleitor.
Andamos muito no caminho da consolidação democrática nos últimos anos. Provavelmente mais nos 25 anos depois do fim da ditadura que nos primeiros cem de República. Em quase tudo mudamos para melhor no plano político.
Nosso eleitorado cresceu em tamanho, enquanto aumentou seu nível médio de escolaridade. Os segmentos de muito baixa escolaridade diminuíram e cresceu a participação das pessoas com mais tempo de escola. Neste ano, os eleitores com mais que o antigo curso ginasial, ou seja, com acesso ao segundo grau ou mais, serão perto de 50% do total. Os jovens nas famílias de baixa renda têm cerca do dobro da escolaridade de seus pais e quase quatro vezes mais que a de seus avós.
Enquanto aumentou, impulsionada pela escolaridade, a possibilidade de consumo da informação, ampliou-se em muito sua oferta, seja em mídias tradicionais (jornais populares, tevê a cabo, emissoras especializadas em notícias etc.), seja, especialmente, nas novas. Hoje a proporção de domicílios de renda menor com (bom) acesso à internet supera todas as expectativas que tínhamos há poucos anos.
O eleitorado envelheceu, à medida que o desenvolvimento trouxe a queda da natalidade e a elevação da expectativa de vida. Os eleitores mais maduros (com mais de 40 anos) já são quase a maioria. Deixamos de ser o país dos jovens.
Na política, isso quer dizer que não somos mais o país dos eleitores inexperientes. Com a estabilização institucional, sem golpes, sem intervenções autoritárias, as pessoas- foram aprendendo, na prática, o funcionamento da democracia. Hoje, votar tornou-se normal, não é mais um bicho de sete cabeças. Depois de ir às urnas duas,- três, dez vezes, o eleitor aprendeu as manhas das eleições e dos candidatos.
Apesar de todas essas mudanças, apesar do quanto amadureceu o eleitor brasileiro (adquiriu experiência, tornou-se mais informado e mais interessado), nossas elites teimam em vê-lo como um incapacitado. Insistem em tratá-lo como um bobo.
Nossa legislação eleitoral e nossos tribunais acham que cabe a eles o trabalho de proteger os eleitores das más influên-cias. Andam com a ideia fixa de que precisam poupá-lo da “antecipação da campanha”, da propaganda “exagerada”. Vai ver alguns acreditam que o povo não sabe mesmo votar, que não consegue discernir.
Nossos juízes e procuradores que fiquem tranquilos. Os eleitores estão perfeitamente aptos a cuidar de si mesmos. Quando querem, punem os que fazem campanhas agressivas, excessivamente dispendiosas, os que forçam a barra, os que querem que eles engulam qualquer coisa.- Quem ouve a manifestação das pessoas nas pesquisas não tem razão para achar que elas carecem de proteção. Já passa da hora de acabar com o paternalismo com que nossas elites veem o eleitor popular e de passar a respeitar o que ele quer.
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