terça-feira, 22 de maio de 2012

Sobre meninos e lobos

Corre na internet um vídeo produzido pela TV Bandeirantes da Bahia em que uma repórter bonita e bem humorada entrevista um jovem acusado de estupro. Chega a ser educativo – ao menos para quem achava que, a essa altura do campeonato, era impossível superar as pirotecnias de programas com o Latininho, o chupa-cabra, os testes ao vivo de DNA, a banheira do Gugu e as sessões de descarrego.



E o que a Xuxa e o jovem açoitado na Bahia tem em comum? Nada, a não ser a exposição diante de uma multidão sangrenta e incapaz de lidar com seus próprios crimes de maneira honesta. Foto: Alexandre Hamada Possi/Flickr

O mais completo tratado das relações de poder não chegaram tão longe: o jovem, cuja pobreza pode ser exposta pela sequência de dentes quebrados, está algemado diante das câmeras. Como advogado de banqueiro não defende desdentado, ninguém intercederá por ele nas páginas de jornais ou tribunas do Congresso pelo direito de não ser exposto nem antes nem depois do julgamento. Azar o dele, que nasceu pobre e sem chance de estudo. E sorte da repórter, que usou o microfone e o canal direto com a direção do programa para chicotear o sujeito que se acreditava alforriado. Abaixo da tela a produção destaca o “chororô”, com direito a intervenções de efeitos sonoros (o choro de um bebê) a ofuscar a fala do acusado. Acuado e com um hematoma no rosto, o jovem passa a dar a lista de familiares que poderiam testemunhar em seu favor. Às lágrimas, jura que jamais “estrupou” alguém.


A acusação, grave, então vira piada. A indignação da repórter, até então defensora da vítima, é desmanchada sem muito esforço. A justiceira posa então como defensora da língua portuguesa, com base no escracho alimentado pelo comando do programa. A mistura do jornalismo policialesco com o “método Pânico da TV” de humilhação humana dá nisso: o direito à defesa vira piada para a audiência.


Entre ela e o acusado não existe polícia, Ministério Público, Defensoria nem juiz de Direito.


Estivesse vivo, o jornalista gaúcho Apparício Torelli, o Barão de Itararé, talvez tivesse de mudar a sentença segundo a qual, para conhecer Inácio, era preciso coloca-lo num palácio. Hoje bastaria jogar um microfone em sua mão.


O que leva à conclusão de que não foi o primeiro nem será o último açoite no ar.


Em tempo: a tevê é uma concessão pública (talvez a capitania hereditária mais valiosa do País) e para operar é necessária a benção das autoridades. A repórter teve raros longos minutos para esticar a sessão de tortura, sem que ninguém aparentemente a detivesse. Pelo contrário: ela estava à vontade, com carta branca da direção do programa, das autoridades que regulam a programação e dos órgãos que outorgaram o direito de levar ao ar o que sua direção bem entendesse.


A repórter, de toda forma, não deveria estar constrangida: sua audiência não estava, seus chefes não estavam, seus governantes não estavam. Em outras palavras, ela só reproduziu a própria noção de justiça de um país que mal garante o direito de alguém se defender.


É o mesmo país que hoje constrange quem se declara vítima de um abuso semelhante – ao menos se essa vítima for uma personalidade como a Xuxa. Horas após contar, em uma entrevista para o Fantástico, que sofreu abuso sexual na infância, a apresentadora virou pauta obrigatória nas rodas de conversa e meios de comunicação.


De repente, todos tinham algo a dizer sobre o depoimento: personalidades com status de formadores de opinião começavam a destrinchar o que se passava na cabeça da apresentadora. Uma socialite a chamou de doida. Outros a mandaram se queixar numa clínica, e não em público. Muitos trouxeram fatos de sua vida pessoal para deslegitimar a fala: afinal, o trauma não a impediu de namorar esportistas ricos nem de expor as pernas, dela e das paquitas, para as crianças coladas na tevê. Em suma, o mundo viu na revelação um oportunismo raro para chamar a atenção.


E onde estão esses mesmos formadores de opinião quando órgãos de defesa dos direitos humanos lançam campanhas contra a pedofilia? Foi preciso uma celebridade expor um drama pessoal para que um tema tão delicado quanto complexo viesse à tona. Um crime que tem no silêncio um terreno propício para a proliferação.


Por se tratar de uma figura pública, a confissão de Xuxa poderia encorajar vítimas do presente a quebrarem o silêncio e buscarem formas de denunciar a agressão e buscar justiça.


Mesmo assim, o esforço em transformar o episódio em piada foi notório. Era como se a loirinha covarde a empunhar o microfone como espada na tevê tivesse se multiplicado Brasil afora, desta vez para açoitar a celebridade que teve a audácia de confessar um trauma em público.


E o que a Xuxa e o jovem açoitado pela repórter na Bahia tem em comum? Nada, a não ser a exposição diante de uma multidão sangrenta e incapaz de lidar com seus próprios crimes de maneira honesta. Casos de abuso sexual existem aos montes. É um fato, e só quem passou por momentos assim sabe o quanto pesa o silêncio e a exposição. Não parece produtivo combatê-lo na base do escracho ou da hipocrisia.

Matheus Pichonelli-CartaCapital

2 comentários:

Anônimo disse...

a Eu somente vejo num depoimento ridículo como esse da xuxa uma defesa ou contra ataque do que por vim pode acontecer em seu futuro próximo...Digo porquê na internet eu já vi ela aliciando crianças em seus filmes,,isso pouco depois de seu grande sucesso nos filmes pornográficos....Dilma assinou a lei que não prescreve mais esses tipos de crimes com abuso sexual infantil....Os filmes dela foram todos retirados da internet mas ainda se encontram em servidores internacionais que conhecem bem o passado da rainha dos baixinhos...rsrsrsr Digo mais ainda..Se Xuxa pagar pelo que fez em seus filmes. ela leva junto quase todo elenco de atores globais de sua época, pois me lembro bem do elenco do filme que ela participou juntamente com Tarciso Meira.Fernanda Monte Negro etc..... É somente no Brasil que isso vira rainha dos baixinho.....

Anônimo disse...

O senhor é desprezível
anônimo terror do Nordeste.
Sem mais.Até.